A confusão já tinha começado. A minha mão direita puxou o cabo da arma e a minha esquerda agarrou uma nuca. A lâmina entrou fundo no ventre. Cortei as amarras que trançavam a minha gaiola e fiquei livre. Os meus pés acima do solo, subindo. Elisa acabara de receber uma adaga das mãos, agora já livres, de Natan. O rebuliço era grande lá em baixo. A alegria do festejo se foi. A comida estava escapando das jaulas.— Que sorte a sua eu ter descido primeiro, não é garoto? — falei abrindo a rede de Ramon. Ele me devolveu um sorriso amarelo com mistura de alívio e adrenalina. — Solte os outros. Todos. — disse abandonando-o no chão com um punhal.
Encontrei os olhos de Natan, quando voltei a tirar os pés do chão.
— Precisamos recuperar a nossa chave. — falei.
— O líder. — ele respondeu.
Nós dois assentimos ao mesmo tempo. Não precisamos de palavras para saber o que o outro sugeria como próximo passo.
Passei voando e procurando. Algumas pessoas corriam e gritavam desbaratadas, mas a maioria empunhava lanças afiadas em nossa direção com gritos de guerra. Pelo visto eles não estão dispostos a nos reverenciar como criaturas divinas e aladas.
Um dardo passou zunindo pelo meu ouvido esquerdo. Elisa acaba de derrubar um grupo de quatro integrantes. Duas lanças roubadas são lançadas na minha direção e eu seguro uma em cada mão.
— Onde você está? Todo enfeitado para a festa e agora se escondendo? Vamos lá. Apareça.
O homem com coroa de ossada humana não estava visível em lugar algum. Terei de procurar nas cabanas.
Desci no meio da bagunça e uma lança quase me entalou na parede. O passante desavisado não teve a mesma sorte. Um golpe voraz do qual me esquivei por um triz arrancou uma arma da minha mão. Tombei a minha lança restante como um bastão e o usei contra os dois que me atacavam pela direita. Acertei o primeiro na cabeça que se desequilibrou sobre o seu companheiro.
Um cantado de metal zuniu sobre minha cabeça e eu me encolhi. Essa espada é minha! A arma é brandida outra vez contra mim e eu uso a lança como escudo. A madeira se dividiu em duas e caiu, a metade que sobrou na minha mão não tem a ponta cortante. O cabo da lança atingiu o meu oponente no nariz, forçando a cabeça para trás e um grito de dor para fora. Um chute na boca do estômago completou o serviço e ele largou a espada, caindo segurando o nariz quebrado e ensanguentado entre as mãos. Recuperei a minha arma do chão com um sorriso.
— Senti saudade, amor!
Virei-me num rompante atingindo a lateral do canibal que me atacava por trás. O sangue espirrou. O metal cortou para a direita e os outros se afastaram. De olhos arregalados, já não pareciam mais com tanta vontade de lutar.
— Encontrei! — Natan saiu de dentro de uma das cabanas feitas de barro e telhado de palha, arrastando o líder do bando consigo.
O que aconteceu com os bravos e heroicos líderes de antigamente que fizeram história? Não deixaram nenhum descendente? Pelos vistos não. Por que agora os comandantes sempre preferem se esconder e mandar o povo lutar? Se quer ter a glória de ostentar uma coroa, deveria ter a coragem de empunhar uma arma! Ao menos assim teria a dignidade de usar o chapéu pomposo com honra.
O canibal mais perto de mim ofegou e ficou furioso cuspindo insultos e ameaças muito longe da minha língua. Parece que ele reconsiderou sobre a briga. É uma pena. Ele investiu contra mim com uma faca. Uma faca contra uma espada?! Não é muito justo. O canto do metal rangendo contra metal fez a faca dele se soltar com um rodopio para longe de nós. Vi o cano do dardo venenoso um segundo antes de lhe tocar os lábios. A mão segurando o objeto caiu aos meus pés. Um berro agudo de dor e desespero o fez se esquecer de mim. Ainda bem.
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Tempo Quebrado | 2
RomanceA maçã tem o gosto do pecado... e a cor do sangue. Gael Ávila e Alma Ferraz conquistaram o direito à liberdade e ao amor que nasceu como um fruto proibido. Mas um romance assim, sempre cobra o seu preço! Uma decisão foi tomada, um sacrifício foi fei...