36 - Ampulheta

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— Vamos desfazer o símbolo! — falei retomando o pensamento de Natan, antes de termos sido virados de ponta cabeça.

Nós dois subimos até o teto e forçamos as pedras que haviam se solidificado por completo. Antes tão facilmente manobráveis, agora, não se moviam para direção alguma. A areia aumentou o fluxo, jorrando sem piedade. Ramon se agarrava à Elisa gritando desesperadamente. O espaço onde nos encontrávamos não era muito grande e começou a se encher rápido.

— Vamos tentar forçar a porta. — Natan falou já se dirigindo para lá.

Todos nós colocamos o máximo de força que conseguíamos. Puxamos, empurramos, batemos e tentamos alavancar com espadas. Nada. Aquela era a segunda vez naquele dia que eu levantava a mão e tocava o teto. O espaço diminuindo drasticamente de tamanho. Na primeira vez tentaram me esmagar, agora estavam tentando me enterrar. A areia fina me cobria até a cintura e subia com uma velocidade assustadora.

— Talvez depois de encher por completo uma passagem se abra. — Selva falou. — Faz sentido com a escritura.

— Espero mesmo que esteja certa. Não gosto da ideia de ser enterrada viva. — Elisa falou com o rosto encostado na pedra do teto acima de si.

Respirei o mais fundo que consegui e fechei os olhos.

Silêncio.

O silêncio foi a primeira coisa que me atingiu com impacto. O silêncio de uma sepultura. Um silêncio opressor como o meio à minha volta. Completamente perdido no meio de nada. Completamente escuro.

Negro.

Já passei por vários momentos em que poderia ter morrido na minha vida, mas aquele, de longe foi o mais assustador. Enterrado vivo nas areias do tempo em uma morte lenta e dolorosa. Era impossível prender a respiração até morrer, isso por si só já seria uma benção, mas o corpo desobedece à mente em momentos de desespero. Quando a última partícula de ar acabasse em nossos pulmões o nosso corpo inspiraria de forma involuntária, e aí sim, seria uma morte horrível. Se engasgar com água já dói, imagina um monte de areia sendo sugada para dentro das suas vias respiratórias, te sufocando enquanto o seu corpo se contorce em espasmos de tosse convulsivos, só para aspirar um punhado maior de grãos e assim por diante num ciclo doloroso e moribundo até à inconsciência.

Os meus pulmões começaram a queimar. Eu vi o rosto dela. Na minha cabeça, sorrindo com aquele sorriso cheio da luz do sol. Uma dor aguda espremeu o meu coração. Um sorriso e uma luz que se apagariam se eu fracassasse ali. Eu sinto muito, minha linda menina. Não consegui cuidar de você. Eu sinto muito.

Um movimento súbito aos meus pés me arrastou com ímpeto para trás. Meus pulmões estavam em chamas. Bati a cabeça com força contra algo bem sólido em consequência ao movimento de sucção que me guiava. A pressão sobre o meu corpo diminuiu abruptamente e eu fui cuspido num novo ambiente.

Ar!

Tossindo e inspirando o ar com violência e felicidade extasiante, o meu corpo e a minha mente agradeceram a porção de oxigênio que lhes era concedida em abundância. A lucidez foi retornando a mim e eu fui me recuperando. Os outros estavam na mesma situação que eu. Todos jogados no chão, ofegantes, tentando nos equilibrar, ainda desesperados pelo ar que nos havia sido roubado.

— Já disse que odeio esse lugar? — Selva foi a primeira a quebrar o silêncio depois de se recompor.

A risada de Natan foi o próximo som a ser ouvido.

— Aposto que o sentimento é bem recíproco. Esse lugar não parece gostar muito da gente também. — falou deitado de costas no chão, ainda com a respiração ofegante.

Tempo Quebrado | 2Onde histórias criam vida. Descubra agora