Na primeira página, uma foto dela com a melhor amiga em primeiro plano, na lateral, em segundo plano, circulado e destacado com uma caneta, um jovem que passava por ali, olhando por cima do ombro a morena de sorriso radiante. Com uma seta apontando a pessoa circulada, havia uma anotação: "Estranho e lindo! A primeira foto sua que eu tive. Olhei para ela milhares de vezes com um sorriso estúpido no rosto antes de ir dormir. Totalmente em segredo, é claro! Nem Isabel sabe da existência desse ocorrido." Uma lembrança capturada em uma época em que eu ainda não era quem sou hoje.Um retângulo exibia duas pessoas caminhando lado a lado num corredor de escola. "Essa aqui foi Isabel que me deu." De costas para o fotógrafo, o nosso sorriso recíproco nos perfis era o foco do retrato.
Tinha uma infinidade de fotos ali registrando detalhes vistos por outros olhos. Algumas fotos vinham acompanhadas por palavras, outras se explicavam sozinhas.
Fotos minhas, dormindo no colo dela, fazendo uma careta para um livro de matemática, olhando para ela com um meio sorriso sob a aba de um boné, trabalhando distraído na oficina em um motor, um susto no semblante ao perceber a câmera, rindo ao lado da Elisa, levando uma canseira do Natan. De frente, de costas, de perfil. Acordado, dormindo, distraído, olhando a lente. Em cores. Em preto e branco. De longe, de perto. O close de um sorriso barbado, de um brilho dourado em uma íris verde. "A cor mais linda do universo. Me perco dentro desse mundo de florestas profundas cada vez que olho pra você." Uma ondulação estranha no papel e um borrado nas letras mostrava que alguém já tinha pingado alguma coisa ali. Eu só não sabia se eram as lágrimas dela antes das minhas.
Fotos nossas, tiradas por nós mesmos, tiradas por outras pessoas. Abraços apertados, um beijo na bochecha, na ponta do nariz, no sorriso do outro rosto. Poses perfeitas, roupas desalinhadas, cidades de concreto, outono em dourado quente. Um nariz e uma boca de homem, o perfil de uma mulher rindo no meu pescoço. Dois rostos amassados e inchados de manhã. Pernas despidas sobre um colchão focando um torso alheio do alto. "Adoro essa barriga! Me aproveitei muuuuuito dela!" Dei um sorriso espontâneo ao ler isso.
— Adoro o seu bom humor, puella pulchram. E acha que eu não sei que você se aproveitava de mim? Eu sei! E quem é que foi o sortudo com isso? — foi só aí que eu me percebi falando dela no passado.
Estou sufocando. Estou sangrando.
Vi asas tatuadas na pele das minhas próprias costas. Asas marrons de penas macias. Vi Alma pulando no meu colo, dançando comigo num camarim, segurando-me firme em um abraço apertado.
Fotos dela. Sonhos em retratos. Os meus sonhos estavam ali, tatuados naqueles retratos. Deitada com o cabelo negro se desmanchando sobre minhas asas. Com um sorriso gigante no rosto, mandando um beijo para a câmera, dançando com um monte de gente no palco, dançando sozinha com um espelho. Desfilando com uma infinidade de minissaias que acabaram nunca sendo compradas, exibindo finalmente aquele belo par de pernas. Suada da dança. Com o cabelo molhado do banho. Com as madeixas presas, soltas, onduladas, mais cacheadas. "Cópia do papai!" Uma seta indicava a foto onde ela exibia o cabelo com um formato que não lhe agradava muito e a deixava ainda mais parecida com o pai.
Pra mim, Alma ficava linda de qualquer jeito. Particularmente, adorava o cabelo dela assim, do mesmo jeito em que a vira pela primeira vez.
Um retrato de olhos pretos recém pintados, outro de batom vermelho meio borrado. Isso foi por culpa minha! Lembro-me perfeitamente desse dia.
Ali dentro, reveladas sobre papel fotográfico, havia um mundo inteiro de lembranças. Lugares por onde passamos, coisas que vivemos juntos. Um beijo trazido no vento, um sorriso escondido no olhar. Mensagem escritas em todo o lugar. Trechos de música e de poesia. Coisas que ela sentia, coisas que ela dizia, coisas que ela pensava. Coisas bem humoradas, coisas profundas que me são difíceis de explicar. Coisas vividas na pele, coisas escritas no coração. "Te amo em cada detalhe." Uma declaração perdida entre diferentes formas de amar, registradas com capricho sob lentes de uma câmera.
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Tempo Quebrado | 2
Roman d'amourA maçã tem o gosto do pecado... e a cor do sangue. Gael Ávila e Alma Ferraz conquistaram o direito à liberdade e ao amor que nasceu como um fruto proibido. Mas um romance assim, sempre cobra o seu preço! Uma decisão foi tomada, um sacrifício foi fei...