Capítulo 2

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Danielle Riggs, 2004.

Clara afasta o rosto do meu e me olha por um tempo, como se estivesse esperando que eu dissesse qualquer coisa. O que eu poderia dizer exatamente?
Eu gostei demais do que aconteceu para poder abrir a minha boca para qualquer coisa que não fosse beijar Clara novamente. E eu quero muito. Mas estes segundos que passamos nos olhando foram meio desajeitados.
Ela me deu um sorriso e saiu do provador em silêncio. Fiquei me olhando no espelho, tentando encontrar alguma coisa em mim que pudesse denunciar que talvez eu goste de garotas.
Eu nunca parei para pensar nisso realmente.
Como namorar ou mesmo pensar em qualquer preferência sexual não eram minha prioridade, eu nunca dei a devida atenção ao fato de talvez sentir atração por mulheres.
Com um pai rígido em casa e possivelmente nenhum garoto que quisesse me namorar a curto prazo, talvez eu só estivesse confusa.
Eu não sei bem como funciona isso. Será que somente por não ter sentido uma repulsa com o beijo de Clara eu já podia me considerar homossexual? Ou será que se não fosse Clara eu teria sequer gostado do beijo?
Sinto minha cabeça borbulhando em dúvidas enquanto toco de leve meus lábios. Meu rosto está corado e meu coração batendo bem forte.
Nem de perto isso se pareceu com os beijos que eu já dei por aí. Nem pra transar eu me senti assim.
Ah sim, já transei. Muito desajeitadamente num dia da independência durante os fogos que meus pais assistiam do quintal com os pais de Jeremy, o deflorador de gordas.
Ah, desculpe meu senso de humor sarcástico. Algumas coisas podem parecer não politicamente corretas. Mas quando vejo, já as falei. Releve.
Pois então, foi como arrancar um bandaid. Rápido e doloroso. E também algo que não se repetiu mais.
Clara já havia dormido com Elton. Eu sabia dos detalhes. Até os mais sórdidos como sua forma meio ansiosa de transar.
- Mas Clara, você já teve um orgasmo? - perguntei curiosa quando ela me contou sobre sua vida sexual não tão extensa, mas maior que a minha.
Ela deu de ombros. Realmente, pelo que sabíamos, se ela tivesse tido não teria como não saber.
Então não.
Tudo isso passa na minha cabeça tão rapidamente e se mistura com as sensações novas que acabei de ter.
Clara é linda. Absolutamente todos os garotos da escola queriam beijá-la. E eu beijei.
- Dany. - ela me chama de fora do provador. Como se nada tivesse acontecido.
Termino de me trocar e compro o vestido verde papagaio.
Mesmo que eu não tenha intenção de ir ao baile, acho que esta roupa me dá sorte. Eu e Clara não falamos nada sobre o beijo, embora eu sinta uma imensa chuva gelada no estômago quando me lembro dele.

É bastante óbvio que ela me convence a ir ao baile sob o pretexto de ter alguém inteligente pra conversar. Eu me divirto, danço e me permito esquecer todas as encanações da minha cabeça, até mesmo porque estava me sentindo bonita de uma forma que nunca tinha achado. Clara fica incrível em seu vestido prateado justo, os cabelos castanhos meio presos no alto da cabeça balançando conforme ela dança sorrindo combinam muito com ela. Eu só consigo sorrir pra ela do mesmo jeito e dançar nossas músicas favoritas no meio da pista improvisada na quadra de esportes da escola. Talvez eu goste de festas também.
Fecho os olhos e balanço a cabeça.
"Eu gosto de festas, e eu gosto de Clara.", é só o que eu consigo pensar até que ela encosta a mão no meu ombro e me convida para ir ao banheiro.
Arrumo um pouco o cabelo e ajeito o vestido em frente ao espelho. Eu nunca uso vestidos, mas poderia. Até que fico bem neste.
- Você está linda. - Clara observa enquanto lava as mãos. Eu a olho e dou um sorriso meio tímido.
- Você é linda. - respondo com a maior honestidade que existe em mim.
Vejo Clara suspirar e viro a caminho da porta.
- Danielle. Eu gosto de você. - ela fala quase numa exasperação. - Gosto mesmo.
Eu não consigo evitar de pensar que isso pode ser errado aos olhos de tantas pessoas, mas ainda assim meu coração dá um pulo. É a primeira pessoa que diz que gosta de mim de uma forma romântica e escutar isso é uma coisa muito poderosa. Eu me aproximo de Clara e a abraço. Juro que consigo sentir seu coração pulsando e seus braços tremendo ao redor de mim. Eu acho que a gente não deve se gostar assim, é problema na certa, mas não tenho nenhuma vontade de falar isso pra ela. Eu só a beijo denovo. É quente, gostoso e muito cheio de carinho.
Clara dorme na minha casa e pela primeira vez na vida eu sinto o que é um desejo sexual de verdade. Tenho mais pontos despertos de desejo no meu corpo do que eu poderia sonhar. Ela está no colchão no chão ao lado da minha cama e só de sentir essa proximidade já perco o sono. Está tudo escuro. A casa silenciosa.
"Durma, Danielle!", ordeno a mim mesma.
Viro na cama e fecho os olhos. Sinto o corpo de Clara se encostar no meu pelas costas e sorrio. Ela passa a mão pelo meu quadril e segura meus seios numa carícia que aquece o meio das minhas pernas instantaneamente. Eu sinto um nervosismo absurdo. Eu mal sei fazer sexo. Quem dirá com outra garota, mas temos a mesma coisa, então deve até ser mais fácil descobrir o que pode ser fonte de prazer.
- Danielle, se você não quiser... - ela sussurra no meu ouvido e sua voz arrepia todo meu corpo.
- Quero, Clara. - digo segurando sua mão mais forte no meu corpo.
Ela também está nervosa e meio perdida, mas vai escorregando a mão para dentro da calça do meu pijama. Sinto seus dedos delicados num toque circular e solto um suspiro. Aquilo é incrível. Deve ser por causa de uma sensação assim que as pessoas gostam tanto de sexo. Eu começo a entender.
Clara e eu não sabíamos o que era um orgasmo até a noite do baile de primavera de 2003.
A partir deste dia nos escondemos do mundo em todas as oportunidades que tínhamos, para nos achar uma na outra.
Em 2004, sob protestos e diversas crises de choro me mudei para outra cidade. Eu não podia simplesmente contar ao meu pai que não queria me mudar porque estava apaixonada por Clara. Se eu fizesse isso ele me mudaria para a lua em vez de outro estado. As pessoas só achavam que estávamos fazendo um drama imenso pelo esfriamento da nossa amizade.
Mas na verdade nossos corações se partiram.
Em um ano e pouco eu descobri o amor, descobri o desejo e descobri, invariavelmente, o quanto dói um coração partido.

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