Danielle
Um barulho muito, muito alto e depois nada. Mais nada.
É isso que passa pela minha cabeça, além da dor absurda que faz com que eu não consiga abrir meus olhos no ambiente extremamente claro. Se eu conseguisse entender o que está acontecendo eu poderia até me desesperar, mas estou concentrada demais em começar a sentir o formigamento do meu corpo. Mexer os pés, os dedos das mãos vagarosamente.
É como se eu estivesse reaprendendo a dar os comandos para a minha cabeça mexer meu corpo. Tudo dói. Eu tento pensar em dizer alguma coisa, mas só consigo balbuciar qualquer coisa incompreensível.
Espremo os olhos e vejo o vulto de uma pessoa de branco. Eu morri ou estou num hospital? Acho que se eu tivesse morrido não ia estar sentindo dor. Então me resta o hospital.
Aos poucos eu consigo enxergar com mais clareza. Ok, é mesmo uma enfermeira que me olha insistentemente, sua boca se mexe e eu escuto a voz ao longe. Também devagar vou começando a aumentar o volume do que ela está dizendo.
- Danielle? Está me ouvindo? - ela pergunta e mexo a cabeça em um "sim" meio descoordenado.
Agora sim estou ouvindo. Eu não consigo falar, a sensação na minha garganta é estranha. É como se eu estivesse acordando de um sono, mas sei que deve fazer bem mais de oito horas que estava dormindo.
- Não tente falar. Eu vou chamar o médico, ok? - ela diz e aperta um botão sobre a minha cabeça.
Eu nunca obedeci ninguém. Não sei o que faz a enfermeira achar que eu iria ficar sem falar.
Faço um esforço. Minha voz é rouca e sussurrante e sai rápida enquanto eu aperto o braço dela.
- Brandon. - peço por ele. Eu sei que devia estar preocupada com outras coisas, como por exemplo o que de fato aconteceu comigo, por que a minha cabeça dói, quanto tempo estive inconsciente.
Mas eu só quero vê-lo. O resto vem depois, como resultado inevitável do acidente que eu sei que sofri. Com o carro favorito dele.
Aos poucos eu me lembro. Mas só quero ele por agora.
- Eu vou pedir que o deixem vê-la. - a enfermeira diz com um sorriso.
Acho que o fato de eu me lembrar de Brandon seja um bom sinal pela forma como ela me olha.
Os médicos entram no quarto e quase me viram no avesso em exames e pedidos para que eu fale palavras específicas e mexa os olhos. Eles me respondem muito pouco do que eu quero saber e marcam diversos exames. Tiram o tubo do meu nariz que servia para me alimentar e finalmente eu consigo falar melhor.
Eu posso me sentar encostada na cama e é assim que eu fico, meio tonta eu suspiro cansada e com sono. Eu estou absurdamente sem energias. O que é um paradoxo já que devo estar deitada faz tempo.
Durmo novamente.- Merda. - é o que eu consigo falar antes de abrir os olhos novamente.
É só o que passa na minha cabeça. Um xingamento por acordar novamente meio perdida, tentando retomar o controle sobre meu corpo. Desta vez o lugar está mais escuro.
- Danielle. - a voz de Brandon me aquece. Eu abro os olhos e ele está ali, ao meu lado.
Seu abraço me envolve e eu sinto um relaxamento instantâneo. Tudo parecia mais difícil sem ele, mais cedo. Agora eu consigo apertar meus braços ao seu redor.
Brandon parece fazer meu sangue bombear mais forte nas veias. Eu finalmente consigo sentir meu corpo, minha respiração, minha cabeça funcionando novamente.
- Eu destruí seu carro. - digo quando ele me encosta novamente no colchão.
- Você se lembra de tudo? - ele pergunta preocupado.
- Sim. Do carro que me tirou da estrada. - digo e ele me arregala os olhos.
- Que carro, Danielle? - ele parece surpreso e fico confusa.
Não sei até que ponto estou imaginando ou me lembrando das coisas.
- Tenha calma. - ele pede. - Não precisamos falar disso agora.
- Quanto tempo eu dormi? - acho que é consideravelmente importante que eu saiba disso agora porque não tenho mais certeza se estou em boas condições.
- Uma semana. Os sete dias mais assustadores da minha vida. - ele diz acariciando meu rosto e meu cabelo.
Eu estico a mão e correspondo seu carinho. Ele está abatido. Eu tenho certeza que não estou no meu melhor.
- Você está com dor? Está se sentindo bem? - ele me pergunta num tom grave.
Eu consigo entender que há algo além do que tudo que está claro sobre o acidente e meu estado físico. Ele me ajuda a levantar a cama até que eu fique sentada. Essa posição me deixa um pouco tonta. Larissa me vem à cabeça. Ela e todas suas artimanhas para ficar com Brandon. Já é tempo de sabermos se ela está ou não grávida e um arrepio me percorre.
Eu quase desejo estar inconsciente novamente. Tenho vontade de pedir a ele que não me atualize das notícias.
- Eu estou bem. - afirmo num suspiro. - Por favor me fale logo o que quer que seja que está te preocupando. - peço ciente que ele deve ter tido uma semana horrorosa.
Por mais que eu esteja um pouco atrapalhada nos meus pensamentos, eu ainda sou eu. Minha teimosia não me permite deixar os assuntos sérios para mais tarde, principalmente os que envolvem a ex namorada psicótica do meu namorado.
Eu preciso me lembrar da noite do acidente. Tenho certeza que a loira linda e magra está por trás do que aconteceu comigo, só preciso dos detalhes. Mas agora pareço não conseguir me concentrar em nada além da seriedade de Brandon.
- Eu achei que fosse perder você. Nunca tive tanto medo na minha vida. - ele diz. - Eu já tinha certeza antes, mas agora eu sei que meu lugar é com você. Aconteça o que acontecer.
- Eu te amo, senhor. - digo vendo um sorriso tímido nascer em seu rosto. Eu sei que ele adora quando o chamo assim. - Está bastante claro que nem mesmo um acidente grave consegue me tirar de você.
Ele finalmente sorri.
- Agora me conte por favor as novidades sobre nosso pequeno drama pessoal com a futura mãe do seu filho. - peço e ele me olha surpreso. - Brandon você não estaria me enrolando desta forma se não tivesse algo a me dizer nesse sentido.
- Danielle, nós precisamos mesmo conversar sobre isso. Mas tem certeza que é este o melhor momento? - ele me encara.
- Tenho. - digo após um breve momento calada. - E pela sua pergunta eu já tenho certeza que ela está grávida.
Ele se afasta um pouco e suspira. Então pega um exame de cima de uma das mesas ao nosso redor e me entrega. Eu não sou completamente familiarizada com imagens de ultrassom. Mas dá pra ver claramente uma bolinha, que suponho ser um pequeno Brandon esperando para crescer.
Eu sinto meus olhos boiando um pouco na quantidade de lágrimas que se acumula neles. Eu não consigo ter uma clareza sobre o tipo de vida que vamos ter com Larissa participando de cada decisão importante que teremos que tomar daqui pra frente.
Mas eu quero Brandon o suficiente para passar por isso ao lado dele.
Respiro fundo e olho pra ele. Ele limpa as lágrimas do meu rosto.
- Larissa deve ter adorado a sua cara ao te contar que você vai ser pai. - falo meio incerta do que estou sentindo. No fundo eu esperava mesmo que nada disso fosse acontecer. Brandon vai ser pai. Isso é algo realmente grande, que eu não consigo nem dimensionar ao certo agora.
- Eu não saberia dizer. Não foi ela que me contou que eu vou ser pai. - ele está nervoso ao ponto de suas mãos tremerem.
- Ela perdeu esse momento? Uau. Nada parecido com ela. - digo num estranhamento.
- Larissa não está grávida, Danielle. Pelo menos não sei nada sobre isso até agora. - ele me olha sério e eu olho novamente o exame. - Leia o nome no laudo, Danielle.
Eu percorro os olhos pelo papel. Não pode ser que o acidente tenha me afetado ao ponto de eu não saber mais ler. Estico os olhos para Brandon e o encaro aterrorizada.
- Você está grávida, Danielle. - Brandon segura a minha mão e eu sinto um revirar péssimo no estômago.
Eu tenho certeza que isso é uma brincadeira de mau gosto para pessoas que acordam de um coma. Ou talvez eu não tenha acordado, esteja sonhando sobre tudo isso e daqui a pouco vou realmente voltar pra minha vida, onde isso não está acontecendo.
- Eu não estou, Brandon. - é só o que eu consigo dizer. - Eu tomo injeção, eu não posso estar grávida.
Ele me levanta as sobrancelhas e mostra o nome no exame.
- Eu mesmo vi. - ele afirma. - Tem um coração que bate a mil por hora. E está tudo bem com ele.
Eu coloco as mãos na cabeça, sem conseguir acreditar, fecho os olhos pedindo pra acordar do pesadelo.
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Peculiar
Historia CortaDanielle é peculiar. Com a ajuda de Clara, sua amiga da adolescência, ela se tornou destemida, encarando de frente os desafios de sua vida e a incansável luta de ser uma mulher fora dos padrões. Ela prefere ser chamada de gorda mesmo. Por que? Porqu...