Danielle
Desço do carro de Brandon e procuro as chaves na minúscula bolsa que me acompanhou para o clube noturno na noite anterior. Eu não podia imaginar que um tema como excitação a partir de imobilização de outra pessoa me acompanharia pra fora da festa.
Estou inteira dolorida. Meus músculos estão reclamando um bom descanso e algumas horas de sono. Minha cabeça está viajando ainda em tantas sensações e coisas novas e minha boca está até inchada de tantos beijos e mordidas.
Olho na direção da porta, contente por estar a apenas algumas escadas de distância do meu descanso. É como se eu tomasse um soco, ou um choque, ou um raio na cabeça. Qualquer coisa que possa ser uma surpresa meio dolorosa e inesperada. Clara se levanta do degrau onde estava sentada e sorri.
Minha boca se abre e parece que sinto o queixo bater nos pés. A minha primeira namorada, e primeiro amor diga-se de passagem, me encontra depois de quase quinze anos e a única coisa que eu consigo pensar é que Brandon ainda está parado atrás de mim.
Olho para trás e aceno infantilmente.
Quando me viro pra frente dou um pequeno sorriso e Clara me abraça. Uau. Um belo abraço.
Ela está com os cabelos super curtos, raspados na lateral com uma onda bem desenhada no topo da cabeça, sua regata mostra tatuagens do pescoço até as mãos, e os olhos super marcados com um delineador preto ainda são os azuis mais brilhantes que eu já vi. Ela é mais linda do que eu me lembrava.
Quando saímos do abraço eu consigo esquecer o choque inicial e sorrir. Ela me corresponde e esse momento de visita ao passado me tira o foco de Brandon. Eu a chamo para entrar. Dentro do meu apartamento ela deixa uma mochila de lado, ofereço um vinho e sirvo duas taças.
- O moreno dentro do carrão, é seu namorado, além de seu chefe? - ela pergunta assim que me sento em sua frente no sofá.
- Não. - respondo rápido. - Como você sabe que ele é meu chefe? - fico confusa.
- Eu li em algum lugar na internet que ele é um figurão da música e que estava reinaugurando um clube noturno após comprá-lo por uma pequena fortuna. - a voz de Clara é macia e ela continua encantadora, falando lentamente, como uma melodia.
- Ok. Eu li essa reportagem. - me lembro da minha pesquisa sobre a publicidade da festa.
- Havia boatos que a festa teria um tema controverso como o próprio Brandon McAllister, mas eles não conseguiram confirmar a informação nem em contato com a assessoria dele, nem diretamente com a assistente pessoal, Danielle Riggs. - ela sorri. - Depois que eu cheguei na cidade foi fácil achar seu endereço.
- Praticamente uma investigadora. - eu brinco.
- Sei que foi intempestivo vir assim sem avisar. Sinto muito. - Clara parece repentinamente preocupada com a impulsividade. Eu só estou feliz em vê-la.
- Não se preocupe, Clara. Depois que fomos para a faculdade, e depois que você começou a namorar aquela garota que me chamava de baleia, acabamos nos distanciando. Mas eu sempre quis te ver denovo. - digo pegando em sua mão.
Ela sorri. Ainda é mágica a forma como ela fala, ou simplesmente existe. Minha cabeça me trás as melhores memórias da minha vida.
- Eu senti sua falta. Quase 15 anos de saudades. - ela me aperta a mão.
- Também senti. - digo honestamente.
- Então, com o chefe no sábado. Trabalho ou prazer? - ela corta o pequeno clima melancólico entre nós. - Como você está usando roupas dele, tenho quase certeza que é prazer.
Eu rio meio envergonhada.
- Eu vou colocar roupas minhas, e podemos sair pra jantar juntas. - digo disfarçando o flagra de Clara em mim. - Fique à vontade. Você chegou quando na cidade?
- Hoje mesmo. - ela responde e penso que deve estar exausta.
- Quanto tempo ficou me esperando ali fora?
- O suficiente. - ela sorri. - Você continua achando que o que as pessoas fazem por você é um sacrifício, Dany?
Lembro de todas as coisas que Clara me dizia, que ajudaram a construir minha autoestima e minha postura atual. Eu devo muito a ela, mas até pensar isso a ofenderia. Clara sempre me disse que eu valia a pena e que nada do que fizessem por mim era favor.
Eu nunca pensei em como sentia falta dela até esse exato momento.
- Estou feliz em te ver, Clara. - falo antes de ir pro quarto.
Seco rapidamente o cabelo e coloco uma roupa. Em pouco tempo estamos andando pelo meu bairro, onde há uma cantina que eu adoro.
- Comida italiana? - pergunto e Clara concorda. Eu me lembro que andávamos na rua desse mesmo jeito, doidas pra segurar as mãos uma da outra, num sentimento de que estávamos contra o mundo pra poder ser nós mesmas. Eu me sinto um pouco como essa adolescente.
- Relacionamentos, Dany? Garotos e garotas? Só garotos? - ela pergunta casualmente.
- Só namorei mulheres até hoje. Quase me casei, mas acabou não dando certo. - conto e ela sorri.
- E o velho coronel Riggs? Como poderia reagir a este casamento? - ela pergunta sobre meu pai e eu entendo a ironia. Afinal, foi ele que acabou nos separando mesmo sem saber que estava fazendo isso.
- Meus pais já sabem que eu gosto de mulheres. Mas torcem desesperadamente para que um homem me apaixone loucamente. - rio e ela me encara. - Nem todos os pais são como os seus, Clara.
Ela se assumiu gay durante os anos da faculdade e seus pais foram compreensivos e a apoiaram. Eu nunca pude me declarar exclusivamente homossexual. Apesar de gostar mais de me relacionar com mulheres, eu também gosto de sexo com homens. Sou o B em LGBT, embora eu odeie rótulos.
Acabei de ter uma maratona sexual com um voyeur sádico. Acho que se me apegar a rótulos eu não transo com mais ninguém.
Rio sozinha de toda essa mistura.
- Como só namorou garotas acho que ainda não conheceu esse salvador de lésbicas, né? - ela me questiona.
- Não. - eu sei onde ela quer chegar. - Eu não sei exatamente o que está acontecendo comigo e Brandon. - entrego o que ela quer logo saber e a vejo me encarar meio aliviada.
Eu não sei como me sinto a respeito de Clara, eu sei que eu já a amei muito, e tive com ela coisas fortes e muito íntimas. Ela mudou sua casca, mas a essência ainda é a mesma, encantadora, gentil e delicada. Em contrapartida, eu não mudei a casca, mas meu interior é completamente outro. Talvez ela não goste de quem eu me tornei, meio desapegada e insolente.
Penso em Brandon e tenho a sensação estranha de estar traindo ele, mas sei que não estabelecemos nada pra nós. Foi um momento de entrega, mas ele mesmo pediu para não pensarmos muito pra frente quando questionei se ele me trataria como tratava Larissa.
Eu xingo mentalmente meio raivosa por me sentir confusa. Eu não sei o que espero de Brandon. Não sei o que espero de Clara. Não sei o que esperar de mim mesma.
- E você? - pergunto e Clara enfia as mãos no bolso.
- Só garotas. Morei junto com minha ex por cinco anos. Não deu certo. Ela vivia sob a constante ideia de que ela não era o amor da minha vida. - ela me conta meio incomodada.
- Sinto muito. - digo apontando a porta do restaurante.
- Não sinta. O mínimo que a gente espera de quem gosta de nós é que se importem o suficiente pra dizer a verdade. - ela sorri e seus olhos se tornam mais vivos.
Ela tem uma sabedoria imensa dentro dessa única frase. Mesmo após tantos anos parece que Clara ainda tem uma tonelada de coisas a melhorar em mim.
- Vamos comer, ainda preciso que você me ajude a achar um hotel. - ela abre a porta e eu entro.
- Bobagem. Você pode ficar lá em casa. - digo sentindo um arrepio de incerteza me percorrer.
![](https://img.wattpad.com/cover/154595442-288-k117697.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Peculiar
Storie breviDanielle é peculiar. Com a ajuda de Clara, sua amiga da adolescência, ela se tornou destemida, encarando de frente os desafios de sua vida e a incansável luta de ser uma mulher fora dos padrões. Ela prefere ser chamada de gorda mesmo. Por que? Porqu...