Capítulo 37

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Danielle

Eu sempre pude procurar Clara durante nossos anos separadas. Sabia onde ela estava, o que fazia e vice versa. Nenhuma de nós duas teve a iniciativa em todos estes anos, simplesmente porque você acredita que quando as coisas são parte do passado, elas devem morar em um lugar longe do que vivemos atualmente.
Sempre que se pensa em alguém do passado há uma dúvida persistente se vamos passar vergonha em ainda pensar naquela pessoa. Se ela ainda pensa em você também.
Então os dias vão somando tempo entre as distâncias do que tudo significou. As inquestionáveis certezas viram meras e fracas possibilidades. E a intensidade dos sentimentos acaba virando uma fumaça esparsa, como uma lembrança que ainda parece respirar, mas com a ajuda de aparelhos.
Minha alma e meu coração sempre vão ter uma cicatriz feita por Clara, em sua incurável mania de me fazer me enxergar eu acabei deixando de vê-la. E quando a vi novamente eu estava tão envolta na atmosfera de Brandon que acabei sendo alguém ruim para quem foi boa pra mim. Eu preciso consertar isso.
Clara me olha assustada quando abre a porta. Acho que sou a última pessoa que ela esperava ver. Ela me abraça forte e de um jeito desesperado e eu sei nesse instante que fiz o certo em protegê-la. Ela não me faria mal. Nunca.
Ela afunda o rosto no meu pescoço, me pedindo desculpas sem parar, com uma culpa tão grande que chega a me apertar a garganta.
- Eu não queria machucar você, Dany. - ela me diz quando sai do meu abraço e fecho a porta atrás de mim.
Clara parece uma pessoa diferente, está com olheiras, torturada pelas coisas que devem ter passado em sua cabeça nesses últimos dias.
Me sento com ela no sofá e ela se encolhe, assustada e frágil.
- Clara, por que? - eu respiro fundo. Eu não queria mais torturá-la, mas eu preciso esclarecer tudo. Ela chora e baixa a cabeça sobre os braços apoiado nos joelhos.
- Eu vou ser presa, Dany. - ela e meu coração se aperta. Sei que Brandon pode não concordar em deixar que Clara saia desta confusão impunemente, ainda mais depois do que eu fiz para vê-la.
- Converse comigo. - peço tentando buscar uma forma de contornar todos os nossos conflitos, internos e externos.
- Eu não devia ter ido ver você. Tudo começou aí, quando eu recebi a maldita notícia que você era assistente do Brandon. - ela esfrega os olhos marcados por olheiras profundas.
- Recebeu? Você não disse que tinha visto num site? - pergunto meio confusa.
Clara respira fundo.
- Eu só posso te ajudar se você me contar tudo, Clara. - estico o braço e faço um carinho nela.
- Eu recebi a notícia, junto com seu endereço, Dany.
- Então alguém queria que você fosse me ver. - concluo e ela concorda com a cabeça. - Pra que?
- Pra que, Dany? Pra tirar você de Brandon, pra ele se indignar por você ficar comigo. Eu não sei. Só consigo pensar nisso. Porque ele me disse que você estava apaixonada por um cara que não te tratava bem. Mas quando eu vi você e Brandon juntos eu vi que era mentira.
- Ele quem, Clara? Quem te disse que Brandon não me tratava bem?
- Mark. - ela me encara e minha expressão deve ser espantosa.
- Mark. Claro. - sinto uma mistura de raiva e decepção. Enquanto eu estava distraída com Larissa, era Mark que agia.
- Ele sabia sobre nós, nossa história. Primeiro ele me enviou as notícias. Então quando eu questionei por que ele estava me falando de você, começamos a conversar. Ele pareceu um cara legal, disse até que tinha saído com você, mas você o trocou por Brandon.
Eu sinto um enjôo em imaginar a dissimulação de Mark em inventar todas essas coisas. E pra que?
- Depois que eu voltei pra casa ele me procurou novamente, Dany. Tentando me convencer a ficar com você. Mas eu disse que eu não ia interferir na sua vida. - Clara está em agonia e minha cabeça pesada demais com tudo que ela está me contando.
- Lógico. Se eu não estivesse no caminho, as coisas ficariam bem para Larissa.
- Eu conheci essa também. - ela suspira. - Perto do dia do noivado ela me ameaçou, dizendo que ia expor seu passado e nós duas publicamente. Ela tem fotos nossas de quando estive te visitando.
- Ah, Clara. - eu sei quão difícil é sofrer uma chantagem de Larissa, já que estou passando por confrontos constantes com ela. Minha sensação é que isso não vai acabar nunca. - Então por que o carro? Não faz sentido já que Larissa não quer que Brandon morra.
- Larissa queria que eu impedisse você de chegar ao noivado, ou pelo menos te atrasasse, porque ela queria expor a gravidez dela publicamente, já que haveria jornalistas lá. E fingir que você abandonou Brandon por isso. - Clara chora copiosamente. - Mas eu perdi o carro que achei que você estava, que saiu antes.
- Era Brandon indo buscar os pais dele, na verdade. - conto sabendo que não faria qualquer diferença.
- Então eu liguei dizendo que não poderia te atrasar pro noivado. Mas Mark que atendeu. Ele me disse que era pra eu dar um jeito, fazer alguma coisa, qualquer coisa para impedir que vocês ficassem noivos naquela noite. Eu fiquei com ódio. Raiva de alguém usar nossa história pra te prejudicar. Então depois saiu o carro de Brandon.
- Clara... - meus olhos se enchem de lágrimas.
- Eu não queria causar um acidente. Eu achei que talvez Brandon fosse parar o carro, caso eu batesse. Eu não sei o que eu pensei. Eu estava com muita raiva de tudo isso. Quando eu vi o acidente e soube que era você no carro, eu quis morrer, Dany. Eu jamais te faria mal.
- Eu sei, Clara. - eu a abraço. - Você não teve culpa.
- Dany, me perdoa. - ela pede e eu a aperto mais forte.
- Está tudo bem. - digo sinceramente.
- Ela não vai parar. Eles vão me entregar pra polícia. Só não entregaram ainda porque o carro alugado foi pago por Mark.
- Eles não vão fazer nada contra você, Clara. - digo sentindo um arrepio gelado me percorrer.
- Estou com medo. Eles vão expor você. Se não estiver grávida Larissa vai denunciar Brandon por agressão e estupro, é o que Mark dizia que estava acontecendo com você.
É a primeira vez que eu chego a desejar que Larissa esteja mesmo grávida de Brandon. Ela não vai querer desqualificá-lo sabendo que isso custaria milhões às contas dele e que ela vai ter acesso livre a todas com um herdeiro.
Meu coração está sobrecarregado.
- Isso é um pesadelo. - e eu queria muito acordar.
- Eu não sei o que fazer. Estou nas mãos deles. - ela me olha triste. - E quase matei você.
- Mas não matou. Por favor deixe de se culpar. - digo honestamente. Eu não tenho nenhum sentimento ruim por Clara, independente do que ela tenha feito pra mim. - Clara, eu amo você. Me desculpe por não ter demonstrado isso mais vezes ou da forma certa. Eu achei que havia sido por ciúmes de Brandon ou qualquer coisa assim, não imaginei o quanto você estava sofrendo.
- Eu tenho ciúmes, Dany. Lógico que sim. Mas eu nunca iria fazer mal a ele. Eu não quero você comigo porque a sua melhor opção não existe. - ela me acaricia o rosto e eu a beijo ternamente, encostando nossos lábios.
Eu aprendi com Clara diversas coisas sobre o amor e acabo de aprender mais uma. O amor de verdade não acorrenta. É forte e altruísta, e é capaz de nos fazer meter os pés pelas mãos, mas não é maldoso.
- Eu vou cuidar de você, Clara. Não vou deixar que seja presa. - digo certa de que preciso esclarecer tudo com Brandon o mais rápido possível.
E desta vez, se ele quiser sair correndo pra esfolar Larissa e Mark vivos, eu não vou impedi-lo.

Assim que saio da porta do prédio de Clara vejo Brandon descer do carro parado rente à calçada. Ele está muito bravo, praticamente me fuzilando com os olhos e o encaro prendendo os lábios.
- Entre no carro, Danielle. - ele ordena e eu obedeço.
O carro atrás de nós ganha a rua junto com a direção meio bruta de Brandon. Ele trouxe um time de seguranças gigantes para enfrentar a pequena e frágil Clara.
- Podemos conversar agora ou você só veio até aqui pra me levar em silêncio embora? - digo ainda exasperada pelas coisas que conversei com Clara. Embora ele esteja imerso em estoicismo, sei que está aliviado em me ver bem, e viva. Mal sabe ele das coisas que Clara foi capaz justamente para tentar me proteger.
- Ah você quer conversar? Achei que fizesse tudo tão bem sozinha que não precisasse nem de alguém para te ouvir. - ele despeja seu cinismo.
- Não deixe sua raiva pelo que eu fiz distorcer seu julgamento. Temos algo mais importante pra discutir. - peço vendo-o respirar fundo em irritabilidade.
Eu conto tudo pra ele no caminho e ele oscila entre alguma empatia por Clara e mais sentimentos ruins por Mark e Larissa.
Não preciso pedir muito para que ele se disponha a tentar ajudar Clara. Ele mesmo liga para seus advogados para explicar a situação toda e receber orientações.
Quando pensei em todas as batalhas que eu teria que travar para ficar com Brandon, nem nos meus sonhos mais delirantes achei que me envolveria numa história complicada e difícil como esta.
Sei que ele também pensa e reavalia todas as decisões que nos envolvem e tenho uma ponta de medo que ele sinta saudades da simplicidade que era sua vida antes de eu chegar me esparramando nela.
Em pouco tempo tudo mudou e agora estamos falando em crimes e prisões. Meu corpo se arrepia.
Brandon estica a mão e agarra a minha. Deixo de olhar pela janela do carro pra olhar pra ele.
- Vamos resolver tudo isso. - ele garante e eu acredito. Mesmo me achando meio doida por acreditar nele desse jeito meio cego. Eu acredito.
- Por favor não odeie a Clara. - peço segurando sua mão com força.

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