Capítulo 4

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Brandon McAllister, 2018.

Olhando pela janela do escritório quase que a chuva me lembra um canal fora do ar na televisão. A manhã foi improdutiva, completamente chata e só ouvi coisas ruins. É impressionante o número de pessoas que acha que tem talento no mundo. Eu gosto de escutar tudo que chega até a produtora e não confio nos ouvidos de muito mais gente.
Já lancei artistas que me fizeram vertiginosamente rico e um dos maiores produtores musicais do país. Em compensação, isso faz com que eu perca muito do meu tempo ouvindo músicas ruins de gente mediana.
É a primeira vez que fico sem um assistente. A primeira vez em quinze anos que não tenho alguém que conhece meus gostos e discute comigo. Eu nunca devia ter promovido Mark. Segundo o departamento pessoal hoje eu deveria receber alguns candidatos, mas até agora não recebi ninguém.
Mark parece adivinhar que eu estava pensando nele. Ouço as batidas na porta aberta e viro a cadeira da janela para a entrada da sala. Ele me cumprimenta rapidamente e se senta no sofá na pequena área de estar do escritório. Eu me levanto e vou até ele.
- Se veio pedir seu cargo de assistente de volta, desista. Eu não preciso mais de você. - digo me sentando de frente para ele e servindo dois corpos de bourbon da garrafa de cristal sobre a mesa de centro.
- Isso só seria verdade se você não estivesse ouvindo este lixo. - ele aponta pro ar como se fosse possível enxergar as ondas mecânicas do som.
Realmente a banda que está tocando é uma bosta. Mas a voz do vocalista até que seria decente numa música pop.
- Só se salva o vocalista. - Mark observa e dou um meio sorriso.
- Te ensinei direito, pelo menos. - falo orgulhoso. Mark trabalhou nos últimos dez anos como meu assistente e era quase tão bom quanto eu. Eu disse QUASE.
- Você também me ensinou que não adianta fazer um trabalho pela metade. - ele alcança o controle remoto e desliga o som. - Se só metade da banda é boa, ou neste caso, só um quinto, é melhor passar pra próxima música.
Rio num misto de orgulho e satisfação. Você sabe que é bom em algo quando seu pupilo se torna tão ofensivo quanto você.
- Não era hoje que você entrevistaria assistentes? - ele pergunta fazendo uma careta depois de engolir o bourbon.
Abro os braços em um questionamento gestual. Era hoje. Aparentemente.
- Sr. McAllister. - meu secretário Jeremy aparece na porta. "Que porra aconteceu com o interfone?", suspiro impaciente. Hoje não é meu melhor dia, odeio chuva e esse clima cinzento.
Apenas o encaro e levanto as sobrancelhas.
- Tem uma srta. Danielle Riggs para vê-lo. Ela veio do RH. - Jeremy anuncia.
"Srta? Cacete, eu já pedi milhões de vezes pra não me mandarem mulheres!", prendo a mandíbula irritado enquanto Mark observa minha reação.
Eu não gosto de trabalhar com seres passíveis de TPM e rompantes de choro. Meu temperamento não é dos mais amenos, eu grito e xingo o tempo todo.
Acho que vou ter que desenhar minhas restrições daqui pra frente.
- Mande-a de volta e agradeça por seu tempo. - ordeno pronto para enviar um e-mail mal educado para Francis do Departamento Pessoal.
- Sr. McAllister, o RH já disse que não tem mais ninguém pra vaga. - Jeremy diz meio incerto. Ele sabe que não gosto de insistências.
- Como assim não tem mais ninguém? - fico meio ultrajado.
- Brandon, isso pode parecer um choque, mas não tem exatamente uma fila de gente se acotovelando pra disputar uma vaga de trabalho diretamente com você. Nem o pessoal da própria empresa se inscreveu. - Mark me olha com um pouco de satisfação. "É um filho da puta sarcástico.", rio com ele da ironia do momento.
- Mande a tal Riggs entrar, Jeremy. Eu mesmo me encarrego de fazê-la desistir do emprego. - bufo meio descontente.
Olho para a figura parada na minha porta. Os cabelos castanhos fazem ondas tão grandes quanto os peitos que as acolhem. Ela está com um vestido justo que termina nos joelhos. Tem maçãs do rosto protusas e olhos expressivos, apesar de pequenos. Ela tem um sorriso simpático e um rosto bem estruturado. A olho de cima a baixo e não consigo evitar em franzir as sobrancelhas.
- É um prazer, Sr. McAllister. - ela tem a voz um pouco oscilante, mas doce. A voz combina com o sorriso. É uma sinestesia perfeita.
- Srta. Riggs. Eu não costumo contratar mulheres pra trabalhar diretamente comigo. - já adianto. - Obrigada pelo seu tempo.
- Me formei em música em Julliard, Sr. McAllister. Tenho ótimas referências e certeza que poderia ser ótima pra trabalhar aqui. E o senhor está me recusando porque eu tenho uma vagina? - ela fala tão segura quanto seu corpo parece ao sentar no sofá.
Mark arregala os olhos pra mim e até se ajeita, endireitando as costas como se estivesse prestes a assistir um lance imperdível de futebol.
Eu pretendo abrir minha boca. Mas ela me interrompe antes mesmo que eu comece.
- O senhor não contrata mulheres por que, exatamente? - ela cruza as pernas e me encara.
- Eu que faço as perguntas aqui. - digo completamente irritado com a ousadia dela.
- Já fui rejeitada e a entrevista acabou há dois minutos. De qualquer forma, vejo que o senhor não é gay, sua decoração é industrial demais. Me corrija se eu estiver errada. - ela levanta as sobrancelhas pra mim.
Eu nem me inclino a responder, apenas passo a mão pelo meu queixo com vontade de enxotar o traseiro dela porta afora.
- Ok, não é gay. Então não contrata mulheres porque não consegue manter dentro das calças? - ela fala com tanta naturalidade que Mark até engasga com o bourbon. - Eu sou gorda, definitivamente não faço seu tipo. Já vi fotos do senhor e sua namorada loira magra e linda em diversas revistas. Pra que continuar preso a frivolidades, não é mesmo? Ah, deve ser só a sua personalidade superficial mesmo. - ela dá um sorriso e eu mal consigo acreditar que ela está me afrontando dessa forma.
Quero dobrá-la em meu colo e bater em sua bunda como se faz com crianças respondonas.
Ela se estica e toma meu bourbon num gole só. Se levanta e pega suas coisas, rumando para a porta.
- Não se preocupe sr. McAllister. O senhor não faz meu tipo. Eu gosto bem mais da sua namorada do que do senhor. - ela dá uma piscada e eu rio por dentro.
- Nos seus sonhos. Você não faz o tipo de Larissa, Riggs. Nem o meu. Você é grande demais. - só consigo dizer isso, como numa competição infantil de egos. "Gorda mal educada!", meu sangue ferve.
Ela se vira e aperta os olhos pra mim.
- Pode dizer a palavra. É gorda. Não é contagioso. - ela fala entre os dentes. - E estou pensando tantas coisas do senhor agora que você me chamar só de gorda ainda é elogio.
- Meu Deus, está contratada.- Mark grita saltando do sofá. - Pra trabalhar comigo.
Ela parece surpresa. Mas não mais do que eu.
- Sinto muito, Brandon. Eu não posso deixar ela ir embora. - ele se adianta para a porta e a pega pelo braço.
- Mark! - eu quase grito e ele me encara.
Eu sei que não há nada que eu possa fazer. Eu mesmo dei a ele a autonomia e ele vai contratá-la somente pelo show que ela deu me ofendendo expressivamente.
- Brandon, ela é formada em Julliard. É inteligente e sarcástica. Ela é ótima pra trabalhar aqui. - ele defende a mulher me olha como quem diz "Está vendo?!".
De qualquer forma, ela foi a única que apareceu mesmo e eu já não posso mais ficar sem um assistente. No caso UMA. E das grandes.
- Ainda quer o emprego, srta. Riggs? - dou o braço a torcer extremamente descontente.
- Quero, mas só se não me fizer pedir desculpas. Ainda acho tudo que eu disse. - ela é assertiva.
- Ótimo. Eu também. - afirmo. - Começa amanhã. Venha bem cedo e deixe um pouco do seu sarcasmo em casa. É uma ordem.

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