Eu juro que eu queria sair correndo dali e ir para o mais longe possível. Não sabia se estava prestes a morrer de vergonha ou medo da reação de Dandara.
— Vamos embora, pai. — levantei da cadeira.
— Meus sapatos. — Dandara sussurrou.
— Pedro e Paulo, venha já aqui! — ordenou o meu pai.
Os meninos se aproximaram de nosso pai, e já foram culpando um ao outro.
— Foi o Paulo. — disse Pedro.
— Mentira, papai, foi ele! — Paulo acusou, apontando para o irmão.
— Você que pediu para eu te carregar, para pegar aquele sapato que estava lá em cima. — Pedro cruzou os braços, chateado.
— E você obedeceu? — perguntei — Pedro, você tem oito anos, deveria saber...
— Joyce, deixe que eu resolva. — o meu pai me cortou.
Suspirei e voltei a sentar na cadeira. Não estava com coragem para olhar para Dandara, então fiquei de cabeça abaixada.
— Meninos, não importa quem pediu o que, ou de quem é a culpa. Eu quero que os dois fiquem sentados ali — apontou para um canto da sala — Em casa conversamos.
Observei os dois abaixarem a cabeça e caminharem até o cantinho e sentarem no chão. Confesso que fiquei com pena, mas não fiz nada.
— Queira me perdoar, Dandara, por tudo isso. Os meus filhos são um tanto agitados. É claro que não puxaram para mim. — o meu pai tentou soar divertido.
Ouvi uma risada baixa vinda de Dandara.
— Está tudo bem, criança é assim mesmo.
Não estava nada bem, pois quando arrisquei olhar para a cara dela, pude sentir que ela queria nos matar.
— Então... Joyce ainda pode fazer o teste?
Virei a cabeça tão rápido para encarar o meu pai, que foi possível ouvir um estalo vindo do meu pescoço.
— Sim, claro.
— Muito bem, aqui está a minha carteira de identidade. — entregou o documento à mulher.
— Pai. — sussurrei.
Ele me olhou com uma expressão tranquila, como se o que estivesse fazendo não fosse nada de mais.
— O que?
— Eu vou poder fazer o teste?
— Mas é claro.
— Mas pai...
— Entregue logo a sua carteira de identidade a Dandara para adiantarmos.
Fiquei encarando ele, com a mente a mil. O meu pai era o cara. Naquele momento eu quis me jogar nos braços dele e enche-lo de beijos.
Pisquei os olhos e tratei logo de pegar a minha carteira na bolsa. Entreguei o documento a Dandara com o coração pulando de felicidade.
Senti uma imensa vontade de chorar, mas segurei as lágrimas. Enquanto observava Dandara escrever em seu computador, pensava em várias coisas ao mesmo tempo. Estava cada vez mais confiante. O meu pai me passou isso.
— Se eu passar nesse teste, serei colega da Isadora. — comentei com o meu pai.
— Você disse Isadora?
Olhei para a barbie humana.
— Sim, foi ela quem me indicou esse lugar.
— Nossa, ela é uma das nossas melhores modelos, como a conheceu?
— Sou amiga da avó dela, a mesma nos apresentou.
— Incrível. — os seus olhos estavam brilhando — Preciso que você preencha essa ficha. — me deu um papel e uma caneta.
Apoiei o papel em cima da mesa e comecei a preencher aquela ficha com o corpo trêmulo. A minha chance de mudar de vida estava tão próxima, e isso estava me deixando meio pirada.
Eu só pensava nisso, mudar de vida.
[...]
Quando o meu pai, os meus irmãos e eu chegamos em casa, já era noite.
Depois de eu ter preenchido a ficha, o meu pai ter feito o pagamento, Dandara nos devolveu os nossos documentos e disse que me esperava na sexta-feira, e também me desejou boa sorte.
Mas antes de sairmos de sua sala, o meu pai e eu arrumamos a bagunça que Pedro e Paulo fizeram.
— Como foi lá na agência? — a minha mãe perguntou.
Estávamos jantando. Esse era um dos momentos que tínhamos para conversar.
— O meu pai pagou trinta reais para eu fazer o teste. — falei.
A minha mãe, que estava com comida na boca, acabou se engasgando e começou a tossir.
O meu pai se levantou e foi até ela. Ele começou a dar tapinhas nas costas dela, até a mesma se recompor.
— Obrigada, meu amor.
— Por nada. — ele voltou para o seu lugar.
— Trinta reais, Mias?! — ela perguntou.
— Foi. — respondeu ele com uma certa naturalidade.
— Foi?! Meu Deus. — ela passou a mão no rosto — Você pirou, Jeremias?!
— Não. Qual o problema de investir no futuro de nossa filha?
— Nenhum, mas... é só para fazer o teste, e se...
— Ela vai passar. Ela é linda e vai se sair muito bem, eu acredito nisso.
A minha mãe respirou fundo e voltou a comer.
Eu não me senti muito bem em ver eles discutindo por minha causa. Mas admito que amei ter visto o meu pai falar de mim daquela forma, demonstrando confiar na minha capacidade, acreditando em mim. Isso me deixou mega feliz.
— Me perdoe, Joyce. — a minha mãe pediu — É claro que você vai passar. Puxou a mim. — falou com graça.
Depois dessa, aquele clima ruim foi embora e começamos a conversar sobre o teste. É óbvio que o meu pai não deixou de falar sobre a bagunça que os meninos fizeram com os sapatos de Dandara. A minha mãe achou graça e riu muito da situação.
Pedro e Paulo respiraram de alívio, pois o meu pai não brigou com eles pelo o que tinham feito.
E eu estava feliz. Muito feliz.
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Mas Ela É Negra![repostando]
RomanceUm metro e oitenta de puro charme e beleza. Trinta e quatro anos de idade, mas que aparenta ser uns dez anos mais nova. Negra! Esta é Joyce! Uma mulher que sofreu muito na sua infância e adolescência, mas conseguiu vencer na vida. Descubra como foi...