eighteen

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Silvia nunca fora uma pessoa religiosa, sabia algumas orações porque Margaret havia se certificado de que ela e o irmão aprendessem, mas depois de uma certa idade essas orações haviam se perdido no tormento da sua mente. Ela também nunca fora uma pessoa que pede aos céus por algo, mas noite após noite ela começou rogar para que as lembranças que seu ex-marido havia despertado em sua mente, sumisse, não aguentava mais deitar a cabeça no travesseiro para dormir e a imagem do seu pai atirando em seu irmão surgir a sua mente. A senhora começará a se preocupar com a castanha, que passou a dormir com ela, porque tinha pesadelos durante toda a noite. Não queria pressionar Silvia a lhe contar o que Justin tinha falado ha algumas semanas atrás para que a tormenta-se tanto.

O mês se passava, e os fios castanhos dela continuavam sempre presos em um coque, já ela continuava presa em seu quarto sem ao menos aguentar a tormenta que era escutar a voz de qualquer pessoa, não conseguia sem escutar música que sempre foi uma de suas grandes paixões, passará dias e mais dias em seu quarto. Também passou a prender seus sentimentos naquele quarto para que a vida começasse a parecer normal novamente para ela, se bem que, a vida nunca foi normal para Silvia Navarro.

Era outubro e as folhas de outono começavam a cair. Já havia perdido a conta de quantos dias faziam que seu peito se resumia a dores e mais dores, será que estava fadada ao sofrimento eterno? Após tal feito de conseguir finalmente sair do seu quarto — sem ser para dormir com Margaret, como fazia todas as noites — se forçando a sair da bolha redonda de proteção que ela havia criado e se permitindo ficar na presença de outra pessoa que não a senhora.

Jorge…

Ele sempre vinha visitá-la, mas a castanha sempre se recusarva a recebê-lo, queria ficar sozinha e ainda sentia um pouco de vergonha por ter tomado a iniciativa de beija-lo naquela noite, só que naquele dia ela resolveu ceder a sua presença, de certa forma, estava com saudades dele. Ela usava um short jeans escuro, e uma blusa branca de manga curta e gola arredondada. Seu cabelo ainda preso em um coque que não fora feito com cuidado, então alguns fios desciam pelo seu rosto sem muita preocupação. O xerife passou horas conversando com a castanha, contou a ela que havia comprado uma casa e finalmente deixaria a pousada. Foi um papo agradável e conseguiu fazer Silvia esquecer da morte do irmão por hora. Jorge lhe fez café como ninguém, não é novidade que Margaret é péssima na cozinha, mas a castanha sempre achou seu café maravilhoso, até conhecer o do xerife.

Em um piscar de olhos já era novembro. Jorge passará a visita-la todos os dias, sempre trazia algo para ela e os dois sempre tinham uma conversa divertida, na verdade às vezes eles brigavam, mas eram trivialidades, nada que a fizesse querer parar de recebe-lo em sua cabana. Novembro era calmo como o desabrochar das flores. Era dia vinte e sete e o xerife havia comprado um livro, um romance para ser mais exato. Ele começará a ler para a Silvia que havia ficado irritada por ele não ter escolhido um drama, mas mesmo assim adorava escutar ele ler para ela.

Dezembro havia chegado fazendo a castanha ficar cabisbaixa, era o mês do natal e isso sempre lembrava o seu irmão, os dois adoravam o natal, mas agora para Silvia era só mais um mês que a fazia lembrar infinitamente do irmão. Hoje seria o dia que o xerife leria o último capítulo do livro que ele havia comprado, e ela estava ansiosa para saber com quem a protagonista ficaria.

— Tenho um convite para você — Jorge começou a dizer antes de começar a ler o livro — Irei fazer um jantar no natal na minha casa, eu queria, muito, que você fosse, e a Margaret também, não vai ter muita gente, só alguns amigos e a minha mãe… Aliás, o seu amigo vai também.

— O Sanchez?

— Sim, ele vai com a Anna, e eu não vou aceitar um não como resposta, então você já pode me dizer “sim” — Disse ele sorrindo.

A castanha apenas assentiu sorrindo.

Depois disso ele finalmente leu o último capítulo do livro, o que a deixou decepcionada ao saber que a personagem principal terminou sozinha. Um dia após o outro, ela vivia com calma enquanto as mãos do xerife pousavam em suas costas, era o que lhe dava segurança, como asas de anjo que cresciam lhe dando a liberdade de se permitir viver novamente. Ele ficava com ela durante todo o dia, os dois sorriam, comiam chocolate, escutavam músicas dos anos 70/80 e ele começou a ler outro livro para ela, dessa vez um drama.

Faltava uma semana para o natal, e Margaret havia saído para comprar alguns presentes, aproveitando o fato de Jorge está na cabana. Silvia estava quieta, ele pode notar, não falou quase nada desde que ele chegou e isso fez com que eles estranha-se a quietude dela. O xerife caminhou até o chão da sala, onde ela estava sentada, e sentou ao lado dela, ficando em silêncio por alguns segundos, até finalmente perguntar:

— Hey, o que houve?

— O Santiago adorava o natal… — Ela respirou fundo, deixando uma lágrima escorrer por seu rosto — É o terceiro natal que ele não está aqui, e é o primeiro em que eu me permito sentir sua falta, é o primeiro que eu não vou mentir dizendo que tudo que vivi nos últimos três anos foi um pesadelo e que a qualquer momento vou escutar sua voz conversando comigo sobre astrologia.

— Ele era muito importante para você, não é?

— Sim, era o meu porto seguro, era a pessoa que eu sabia que sempre estaria comigo, me apoiando, mesmo se eu estivesse errada, ele ficaria do meu lado… Ele me ensinou a ter coragem, me ensinou que a luz continua mesmo após a morte, ela é eterna, me ensinou que só pelo fato de existimos já é algo grandioso e belo… Eu daria qualquer coisa para ouvi-lo mais uma vez, para vê-lo novamente, sentir o seu abraço me aquecendo em noites chuvosas porque eu corria para o seu quarto com medo dos trovões, ou a forma como ele sempre me fazia ver o melhor de tudo, não importa o quão ruim a situação fosse, ele me fazia enxergar o melhor… — Ela respirou fundo sentindo um nó se forma em sua garganta — Eu daria tudo para passar só mais um dia ao seu lado.

Jorge piscou algumas vezes liberando as lágrimas que haviam se acumulado em seus olhos, odiava vê-la chorar, mas sabia que depois de tanto tempo sendo forte, Silvia precisava se permitir sentir a perda do irmão. Ele puxou-a para abraça-la, depositando um beijo no topo da sua cabeça, enquanto ela chorava em silêncio.

— Eu sei que não existe palavra que pode confortar você, mas quero que saiba que estarei aqui para o que precisar, a qualquer hora ou a qualquer momento — Disse o xerife — Deixe o tempo ir arrancando aos poucos a sua dor, quando a saudade apertar, procure um lugar que você goste, um lugar silencioso, feche os olhos e escute o seu coração — Ele colocou a mão sobre o peito dela — O seu irmão está vivo dentro de você e nada nem ninguém pode o tirar de dentro do seu coração, nem da sua memória.

— Obrigada — Ela murmurou.

— Shhi, não precisa agradecer Silv, como eu disse, eu estarei aqui para o que precisar — Ele deu novamente um beijo no topo da cabeça dela — Quer que eu pegue chocolate? Ela abriu um leve sorriso e assentiu.

— Chocolate melhora tudo — Ela disse repetido as palavras que o xerife havia lhe falado há algumas semanas.

Ele ficou de pé e caminhou até o armário, onde sabia que havia deixado alguns chocolates na semana anterior quando trouxe alguns para ela. Ficou alguns minutos parado do lado do armário, a observando. Silvia enxugava suas lágrima, e arrumou sua postura, Jorge sentou novamente ao seu lado, entregando um pedaço de chocolate para ela.

— Música? — Ele perguntou e a castanha assentiu comendo um pedaço do chocolate — Essa, você adora.

Silvia sorriu ao escutar In My Life dos Beatles. Os dois passaram o resto da tarde comendo chocolate abraçados enquanto escutavam música.

••• Ps.: Escutem a musica do vídeo, ela é linda (demora um pouco para começar) e tem relação com a fala da Silvia sobre o irmão.

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