CAPÍTULO TRÊS - A DECISÃO

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Passei o resto do dia trancada em meu quarto, sentada no peitoril da janela, olhando para fora, como se esperasse que a neve infinita de Yas trouxesse uma resposta para mim.

Meu quarto ficava dentro da ala das mulheres, na parte separada para os membros da família real. Eram os maiores e melhores cômodos e mesmo assim minha tia-bisavó, uma velha enrugada de quase noventa anos, dizia que vivíamos como animais em um estábulo.

Uma centena de anos atrás, aquela castelo servira apenas para o rei, seus filhos e membros da corte escolhidos a dedo, mas agora aquelas muralhas protegiam e guardavam tudo o que restava dos súditos de Yas. Pouco mais de três mil pessoas.

Famílias inteiras de grande importância, cujos antepassados um dia possuíram terras a perder de vista, hoje viviam em um único cômodo. Atualmente os únicos a terem direito ao próprio quarto, além do rei e da rainha, éramos mamãe, Kari e eu.

Meu quarto é um espaço confortável com uma cama, uma mesinha onde faço minhas lições, uma poltrona e um baú, que guarda todo o meu vestuário. Oito vestidos de cores sóbrias e mais minhas roupas de baixo. Isso nunca me pareceu pouco. Na verdade, sempre entendi o grande privilégio em que consistia minha vida. Minha amiga Eira dormia na mesma cama que suas duas irmãs, no mesmo cômodo que seus pais e mais o irmãozinho. E seu pai era um duque.

Os criados compartilhavam labirintos de camas e colchões de palhas, amontoados nas alas dos serviçais e ocupando até mesmo as masmorras.

Fiquei pensando nas palavras de meu tio, no mundo de paz ao qual só eu possuía a chave para adentrarmos. Como seria esse novo mundo? Seria melhor que o que vivíamos hoje? Seria mais feliz? Mais justo? E onde ficava a minha felicidade pessoal no meio disso tudo? E eu tinha o direito de sequer pensar nisso?

Os feridos de guerra chegavam uma vez por semana. Mais uma batalha perdida. Mais terreno entregue ao inimigo. Homens e meninos com cicatrizes, aleijados, traumatizados para o resto da vida. E esses eram os que tinham sorte. O resto, chegava amontoado nas carroças, corpos sem vida.

Eu não via nada disso, é claro, minha mãe não deixava. Eu só via os jovens meninos orgulhosos e felizes, saindo com suas espadas que brilhavam, lançando "tchauzinho" por cima do ombro, enquanto a ponte se erguia de novo, lentamente nos fechando em nosso mundo resguardado. Nunca os via quando voltavam com os olhos apagados pelos horrores da guerra ou os peitos imóveis e sem respiração.

De vez em quando, como uma forma de mostrar que a família real era grata aos seus soldados, minha mãe, eu e outras mulheres da alta nobreza ajudávamos a cuidar de alguns feridos. Mas eu sabia que esses eram escolhidos a dedo para nós. Aqueles com pequenos ferimentos, cortes superficiais, tornozelos torcidos. Nada além disso.

Como seriam as coisas em Agneya?

Eu sabia tão pouco do mundo lá fora. Ninguém gostava de admitir, mas eram eles quem estavam vencendo, pouco a pouco. Será então que a vida deles era muito diferente da nossa? Que seus espaços eram maiores? Sua fortaleza protegia mais pessoas?

A porta do meu quarto abriu de supetão e levei um susto ao ver Kari entrar.

– O que você está fazendo aqui? - perguntei me sentindo ao mesmo tempo nervosa e aliviada de tê-lo ali.

– Estava te procurando - ele respondeu com um sorriso no rosto.

Kari e eu éramos tão parecidos quanto irmãos gêmeos, mas isso não era nenhuma grande surpresa. Em Yas éramos todos parecidos uns com os outros. Tínhamos cabelos escuros e olhos que brilhavam como dois botões negros, fazendo um belo contraste com nossas peles tão brancas quanto a neve.

Princesa de Dois Reinos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora