CAPÍTULO DOIS - A PROPOSTA

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Eu não devia ter mais de que cinco ou seis anos quando entendi as vantagens que vinham agregadas ao fato de ser a sobrinha do rei. Eu tinha todos os privilégios de ser uma parente tão próxima e praticamente nenhuma das responsabilidades que eu teria se fosse filha e, portanto, herdeira direta do meu tio Jasper.

Meu irmão Kari e eu tivemos uma criação leve e despreocupada, pois quando nascemos meu tio já era pai de três meninos e naquela época ninguém poderia ter previsto o futuro.

Primeiro foi o filho mais velho do rei, morto no campo de batalha aos dezesseis anos. Depois o filho do meio, que morreu de pneumonia aos quinze, seguido do filho mais novo, que caiu do cavalo durante o treino e morreu imediatamente, aos quatorze anos. Então Kari se tornou o herdeiro de meu tio antes de completar doze anos. A vida de meu irmão mudou completamente naquele momento e eu me senti ao mesmo tempo culpada e aliviada de ser apenas uma menina e a filha mais nova de minha mãe, a irmã do rei.

Foi só quando eu completei dezesseis anos e o primeiro mensageiro de Agneya pisou no castelo depois de quase um século, que eu entendi que todos aqueles anos dizendo para mim mesma que eu era um membro da nobreza sem importância, havia sido um engano. Aos olhos de meu tio eu era apenas mais um peão para ser negociada e vendida para quem oferecesse o maior lance.


O mensageiro  de Agneya foi levado diretamente a presença de meu tio, passando praticamente sem ser notado por ninguém. Seu encontro com o rei durou menos de duas horas e do mesmo jeito que chegou, ele partiu, como um fantasma, um homem invisível. Imediatamente após sua partida eu fui chamada a comparecer à sala de estudos do rei.

Caminhei pelos corredores gelados e escuros sem saber ao certo porque minha presença havia sido requisitada.

Aos dezesseis anos eu já não fazia mais travessuras amarrando as cordas das botas nos nobres por debaixo da mesa ou lançando pássaros para dentro do salão e trancando a porta pelo lado de fora, como quando era criança. Eu já me comportava como a jovem adulta que eu era, passando tardes entediantes sentada junto da janela bordando flores em lenços ou caminhando pelo pátio com outras jovens nobres e lançando sorrisos para os meninos que começavam seus treinamentos antes de partirem para a guerra. Eu sorria e logo em seguida escondia meu sorriso por trás das peles do meu casaco, como minha amiga Eira me ensinara, mas no fundo eu me sentia boba fazendo aquilo. Todos aqueles meninos eram bonitos, cada um a sua maneira e seus olhos brilhavam de excitação pela guerra que logo iriam enfrentar, mas eu olhava para eles e não sentia nada. Eira por sua vez vivia sempre apaixonada por três ou quatro meninos ao mesmo tempo, enquanto eu me perguntava se ela sabia mesmo o que era amor e se isso realmente existia.

Naqueles últimos anos o castelo parecia ter se tornado mais sombrio para mim, com seus infindáveis corredores de pedra que ecoavam os sons dos meus passos. Não sei dizer se eu me sentia dessa maneira porque não podia mais passar os dias com meu irmão Kari, que tinha sempre compromissos e lições para participar, ou simplesmente porque eu estava ficando mais velha.

Bati duas vezes na porta de madeira escura e logo ouvi a voz de meu tio lá dentro, anunciando que eu poderia entrar.

– Boa tarde, tio – falei, fazendo uma reverência delicada.

– Entre e feche a porta, Kaya – a voz de minha mãe me espantou, não havia percebido que ela também estava ali.

Fechei a porta e caminhei ate o fundo da sala, parando diante dos dois.

Minha mãe e meu tio tinham a mesma diferença de idade que Kari e eu. Tio Jasper era só um ano mais velho que minha mãe. Mas vendo os dois lado a lado era possível confundir o rei com alguém de idade muito mais avançada. O tempo em que meu tio me levantava no colo e brincava comigo havia ficado para trás. Não só porque agora eu não era mais uma criança, mas porque qualquer traço de leveza ou alegria havia sido varrido do rosto de meu tio com a morte de seus três herdeiros. E todos no castelo cochichavam que ele e a rainha não podiam ter mais filhos, tornando a existência de Kari algo ainda mais imprescindível para todo o reino.

Princesa de Dois Reinos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora