Quanto mais a carruagem avançava, mais pesado eu sentia meu coração, como se parte dele tivesse ficado para trás, nas mãos de minha mãe e Kari. E meu único consolo, que era saber que o homem que me guiava era um leal soldado de Yas, estava para chegar ao fim em breve. Assim que atingíssemos a fronteira entre os dois reinos, o príncipe Nicolai e uma comitiva estariam me esperando. E dali eu seguiria sozinha, deixando para trás qualquer resquício do reino que eu já não poderia mais chamar de meu.Eram duras horas de lenta movimentação até lá. A carruagem seguia com cautela pela estrada em meio a neve, e com aquele balançar vagaroso e ritmado, eu acabei caindo no sono.
Acordei com o céu se tornando cinzento, o prenúncio do fim de tarde, e levei um susto quando vi que a neve que me cercara a vida toda havia praticamente desaparecido. O que restava eram pequenos flocos espalhados por um campo de vegetação rasteira.
Em Yas nevava durante todo o inverno e mesmo no verão, a neve espalhada pelo chão não cedia. Frio, gelo e neve, esse era o meu mundo. Perto dele, aqueles matinhos acanhados pareciam insignificantes.
A carruagem parou não muito depois e seu estancar súbito foi como um nó no meu estômago. Havíamos chegado.
O soldado abriu a porta da carruagem pra mim e me deu a mão para descer, parecendo um pouco desajeitado. Ele não era um criado de quarto. Sua função não era segurar mãos de donzelas e ajuda-las a descer degraus. Assim como todos os outros homens que nasciam em Yas, sua vida era brandir uma espada e defender seu reino. Então, por sua falta de jeito – e meu nervosismo – acabei tropeçando e teria caído de joelhos se não tivesse conseguido me segurar no último segundo.
Senti o suor escorrendo por minha testa. A primeira impressão que eu dava para meu futuro marido era de uma princesa estabanada e desajeitada.
Só depois de me recuperar consegui olhar para frente, receosa da recepção que enfrentaria a partir dali.
Uma carruagem muito maior e mais luxuosa que a de meu tio estava parada diante de mim. A frente dela dois soldados pareciam prontos para partir. Ao lado deles, um homem alto e magro e uma mulher gorducha estavam parados um passo atrás de um jovem rapaz.
Príncipe Nicolai.
Caminhei na direção deles, lentamente, para poder dar uma boa olhada em meu noivo.
Não sei dizer exatamente o que estava esperando do herdeiro de Agneya. Que ele fosse vaidoso, como minha dissera que todas as pessoas de lá eram? Que tivesse um orgulho exagerado nos olhos? Uma expressão de frivolidade e tolice? Só consigo afirmar que a cada passo que eu dava para mais perto dele, menos qualquer uma dessas características me parecia fazer parte daquele jovem, daquele rosto.
O príncipe Nicolai era tão alto quanto meu irmão Kari e assim como ele, parecia magro e ágil. Sua pele era mais rosada que a minha, quase dourada, e seus cabelos eram de um loiro pálido. Pareciam anelados, mas estavam tão penteados e lambidos para o lado que não era possível ver direito. Suas roupas eram muito superiores as minhas. Não só os tecidos e o material, mas a quantidade de firulas, bolsinhos, botões. Nunca havia visto uma pessoa vestida daquela maneira, nem mesmo minhas amigas mais vaidosas. Era curioso como aquelas roupas e aquele penteado exagerado pareciam não combinar com seu rosto. Com seus olhos verdes, sua boca de lábios finos e sua expressão meio hesitante. Notei que seu nariz não era bem feito, era um pouco torto, e gostei daquilo, daquele pequeno traço de imperfeição.
Fiz uma leve reverência e ele me devolveu com outra.
– Príncipe Nicolai – falei sentindo minha garganta seca.
– Princesa Kaya – ele respondeu e o som de sua voz não continha um pingo de arrogância – Esse é meu lorde protetor e essa é uma criada do castelo de Agneya, que está aqui a seu dispor. E, é claro, os soldados que nos escoltarão de volta ao castelo.
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Princesa de Dois Reinos [CONCLUÍDO]
Teen FictionPara quem ama "A Seleção"! A princesa Kaya sempre achou que por ser apenas sobrinha do rei - e ainda por cima uma mulher - poderia levar uma vida reservada e sem grandes responsabilidades. Mas ela estava errada. Quando o rei tem a chance de encerrar...