CAPÍTULO VINTE E NOVE - DEPOIS DA DOR

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Eu sempre me perguntei como minha mãe foi capaz de emendar seu coração após a morte de meu pai e seguir com sua vida. Quando tempo demorava para que um coração cicatrizasse e voltasse a bater sem sangrar pela perda da pessoa amada?

Mas agora eu sabia a verdade. Ele nunca cicatriza, nunca se refaz. E os olhos sem vida de meu tio Jasper após a morte de seus três filhos nunca fizeram tanto sentido para mim, porque esses eram agora os meus próprios olhos.


Quando acordei na primeira noite após Lucas ter me resgatado do palácio, senti uma desconforto tão grande na parte de trás do meu pescoço que gritei de dor. Tudo ao meu redor estava escuro e não fazia ideia de onde eu estava.

Assim que me ouviu mexer e gritar, Lucas correu até mim, com uma vela que lançava mais sombras naquele pequeno espaço do que luz.

– Calma, não tente se levantar ainda. A pancada que te dei foi bem forte.

Então todas as lembranças me atingem de uma vez só. Kari sendo degolado pelo rei. Kari em sua poça de sangue. Kari morto. A raiva e a dor em meu corpo me dão forças para ficar sentada e dar um tapa no rosto de Lucas.

– Você me tirou de lá! Você me tirou de perto de meu irmão!

Ele não reage ao tapa, apenas abaixa a cabeça como se aceitasse que merecia mesmo aquele tratamento.

– Eu sinto muito. Não havia nada que você pudesse fazer por ele.

É difícil aceitar que ele tem razão, ainda é cedo demais para isso.

Começo a chorar quando aquelas imagens terríveis voltam a minha mente. Meu irmão, minha outra metade, aquele que esteve comigo desde o momento em que abri os olhos pela primeira vez... morto, assassinado.

Choro até meus olhos estarem completamente embaçados e volto me deitar, soluçando baixinho.

Lucas não tenta me consolar. Ele se afasta e me dá espaço, porque instintivamente ele sabe que é isso que eu quero, que é isso que eu preciso.


No dia seguinte, acordo com a luz do sol batendo com tanta força sobre meu rosto que mal consigo abrir meus olhos. Olho em volto e analiso aquele minúsculo casebre, tão humilde e bem arrumado, como uma casinha de bonecas. Estou deitada na única cama, de onde enxergo uma lareira com uma panelinha sobre o fogo, um banquinho, uma mesa e um baú. Há um tapete rústico que cobre todo o chão e perto da lareira um travesseiro de palha, provavelmente onde Lucas passou a noite.

Não consigo ver o lado de fora porque não há janelas.

Lucas entra em silêncio e quando vê que estou acordada, corre até mim.

– Como você está? Posso ver seu pescoço? Se está inchado?

Viro o rosto de lado e deixo que ele me examine. Enquanto ele coloca as mãos sobre meu pescoço com cuidado, ao observo suas roupas, tão diferentes do seu uniforme de cavaleiro. Ele está vestido como um camponês.

– Que lugar é esse? – eu pergunto.

– Estamos na terra do meu tio, o Visconde. Depois que eu deixei o castelo, meu tio me cedeu essa casa e me deu um trabalho, chefiando os camponeses nas plantações.

Sinto um aperto em meu peito enquanto ele fala, porque ele não apenas deixou o castelo, mas foi mandado embora, porque estava planejando a nossa fuga. Perdeu seu título de cavaleiro e tornou-se um homem comum. Por minha causa. E ele também não menciona que aquele é o lugar onde nós iríamos morar, quando ele planejou nossa fuga pela primeira vez. Sinto lágrimas em meus olhos vendo aquele lar tão simples e aconchegante e penso como eu poderia ter sido feliz ali, ao seu lado. Se Nicolai nunca tivesse entrado em minha vida... e em meu coração.

Princesa de Dois Reinos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora