CAPÍTULO DEZESSETE - FUGIR OU LUTAR

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– O que você quer dizer? – eu pergunto com a voz tremida – Como assim uma armadilha?

Não consigo deixar de pensar nas armadilhas que os criados em Yas faziam para os ratos que nasciam e se reproduziam nas masmorras e que nos meses menos frios se espalhavam por todo o castelo. Eles eram verdadeiras pragas que se multiplicavam em uma rapidez impressionante. Devoravam nosso estoque de comida e espalhavam doenças que podiam matar. Lembro das engenhocas com pedacinhos de pão bolorento e carne apodrecida que os criados preparavam com tanto cuidado. E do som que ecoava pelo salão quando um deles caía na armadilha. Penso nesse som seco e assustador. O som que é o prenúncio da morte. E penso em mim mesma como uma ratinha sendo pega de surpresa por aquela revelação.

Lucas tem lágrimas nos olhos, que ele enxuga envergonhado.

– O rei Alev nunca pretendeu por um fim a guerra. O que ele queria era vingança.

– Contra o quê?

– Contra seu tio, pela morte do filho dele, Alexander, o irmão mais velho de Nicolai.

Penso no príncipe herdeiro que nunca foi mencionado. Nem por Nicolai, nem Maxine e muito menos pelo rei Alev. A ideia daquele príncipe como alguém que existira um dia, como alguém tão vivo quanto eu ou Lucas ou Kari me parecia estranha. Mas acima de tudo sempre me pareceu que ninguém se importava com ele, ou ao menos não suficiente para sequer pronunciarem seu nome. Eu via agora que talvez fosse exatamente o contrário. Que seu nome talvez despertasse tanta dor que era melhor não dizê-lo. Como meu tio nunca dizia o nome seus próprios filhos.

– Depois que Alexander morreu, o rei também quis tirar de seu tio o que ele possuía de mais precioso. Seus herdeiros. Você era a presa mais fácil. E seu irmão seria o próximo, assim que fosse enviado para o primeiro campo de batalha.

Levo as mãos a boca sem conseguir acreditar. Primeiro eu e depois Kari. Só de pensar como aquilo devastaria meu tio e minha mãe tenho vontade de chorar.

– Depois que você morresse o rei iria acusar os próprios soldados de Yas e assim dar continuidade a guerra, mas antes disso ele precisava de uma desculpa convincente o suficiente para conseguir tirar você de trás das muralhas de Yas, tirá-la de sua família e deixá-la completamente indefesa.

A proposta de casamento. A oferta de paz entre os reinos.

Não consigo dizer nada, não consigo fazer nada a não ser ouvir em silêncio toda aquela trama cruel criada pelo homem que jurou a meu tio que iria me proteger.

– Como você sabe tudo isso? – sussurro.

– Quando o rei preparou a escolta que iria encontrá-la na fronteira, ele precisava de alguém para sobreviver e se certificar que o serviço fora bem feito. Eu iria ser nomeado barão e ganharia minhas próprias terras... se eu tivesse deixado você morrer.

– E o que aconteceu? – eu pergunto como se eu mesma não tivesse estado lá, como se eu já não soubesse o que ele iria dizer.

– Eu te salvei. E você me salvou – ele fala secando as lágrimas que insistem em cair – Eu não pude. Não pude deixar aquilo acontecer. Você parecia tão... pura, tão inocente. Você não merecia aquilo. Quando você chorou dentro da carruagem... foi quando eu soube que não conseguiria.

– E as outras pessoas? Os soldados? A criada?

– Eles sabiam. E sabiam que não poderiam sair vivos dali. Eles aceitaram. Estavam servindo ao rei e ao reino de Agneya.

Caio de joelhos sem aguentar ouvir mais nada. Penso naquela estranha comitiva, aqueles olhares duros e frios de quem já sabia que estava morto antes de morrer. Eles perderam suas vidas apenas para que eu pudesse perder a minha também.

Princesa de Dois Reinos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora