CAPÍTULO QUATRO - A PARTIDA

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Tive uma ingênua esperança de que, depois de comunicar minha mãe e meu tio da minha decisão de aceitar a proposta de casamento, eu entraria em um período de um longo noivado e detalhados preparativos que poderiam durar meses e até um ou dois anos. Mas foi tudo feito com a maior rapidez possível, quase como se tudo já estivesse pronto e preparado desde o momento em que eu nasci.

Como eu ainda tinha só dezesseis anos, meu tio tomou a decisão de só autorizar meu casamento quando eu completasse dezessete, dali há seis meses. Aquilo me deu um alívio imediato, pensar que eu ainda teria mais metade de um ano fazendo parte do único mundo que eu conhecia, cercada das pessoas que eu amava. Mas de novo, eu me enganava. Esses meus seis meses de noivado seriam vividos já em Agneya, para que eu pudesse lentamente me acostumar aos hábitos e costumes daquele reino e conhecer um pouco do meu noivo, antes de me casar.

"Antigamente era assim ou até pior" minha mãe me revelou "Muitas jovens só conheciam seus noivos no dia do casamento".

Aquele arranjo pareceu completamente absurdo para mim, criada desde sempre com todos os outros nobres do reino. Todos os casamentos ali eram arranjados entre meninas e rapazes que já se conheciam desde crianças e muitas vezes a decisão de casar partia até mesmo deles próprios. Casar com um estranho era uma noção estranha e cruel, mas mesmo assim, foi o destino que me coube.

Tudo foi arranjado no curso de vinte dias. E, em uma manhã gelada de outono, eu acordei com minha mãe entrando em meu quarto para me avisar que a carruagem já estava me esperando no pátio do castelo.

Ela sentou-se ao meu lado e alisou meus cabelos como fazia quando eu era criança.

– Kaya, você sabe que não pode mais voltar atrás na sua decisão, não é?

Assenti com a cabeça. Voltar atrás seria mil vezes pior que ter recusado o príncipe logo no princípio. Seria considerado uma afronta e as consequências poderiam ser pior do que uma guerra de cem anos, poderia ser uma guerra sem fim.

– Você é uma boa menina. Consciente de suas obrigações – minha mãe disse me enchendo de orgulho.

Então ela me mirou com seu olhar tão penetrante, como se quisesse ler meu coração.

– Mas o povo de Agneya... eles não são como nós. Não são sérios e honestos. Os homens são orgulhosos e tolos e as mulheres são fracas e submissas. É um reino de aparências sobre o conhecimento, de frivolidades sobre a sobriedade.

Aquele discurso ia me marcando e eu não podia deixar de me perguntar como ela sabia tanto sobre Agneya. Mas não ousei duvidar de nenhuma de suas palavras. Minha mãe não mentia. Fiquei em silêncio, tentando entender aonde aquela conversa iria chegar.

– Seu objetivo agora passa a ser se certificar de que o príncipe Nicolai também não queira voltar atrás em seu compromisso. Porque se ele decidir romper o noivado, seu tio terá de responder a altura.

Eu sabia o que aquilo significava. O retorno a guerra. A morte de mais tantos homens de Yas. A morte de Kari.

– Eu não vou deixar isso acontecer – falei com a voz decidida, enquanto uma outra voz dentro da minha cabeça afirmava: eu não vou deixar Kari morrer.

– Bom – minha mãe respondeu – Faça o que for preciso. Agrade ao príncipe. E assim que completar dezessete anos, case-se com ele.

Concordei com tudo que ela dizia, mesmo que eu não soubesse exatamente como eu – que mal sabia flertar com os jovens do castelo – iria ter condições de encantar um completo desconhecido e não fazê-lo duvidar, nem por um segundo, de que eu era a única mulher no mundo capaz de torná-lo feliz.

Mas não disse nada. Não ousaria confiar meus receios à minha mãe.

Ela ajudou a me preparar, colocando um de meus vestidos simples e de tecido escuro e fez uma trança em meus cabelos, enquanto eu amarrava minhas botas. Quando terminei, lancei um olhar no espelho. Eu não sabia dizer se eu era bonita, se eu era capaz de fazer um rapaz se apaixonar só de olhar para mim. Eu não tinha a graciosidade de minha amiga Eira ou o charme magnético que a seriedade de minha mãe exalava. Meus cabelos eram compridos e grossos, batiam quase na altura do meu umbigo. Meus olhos eram pequenos e escuros e meu nariz às vezes me parecia bem feito, outras vezes parecia ter sido herdado de um porquinho. Meu corpo ainda tinha traços de criança. Eu não tinha quadril como muitas das minhas amigas e meus peitos estavam começando a se fazer notar sobre o decote do vestido.

Me forcei a acreditar que eu era bonita e abandonei meu reflexo no espelho.

No pátio do castelo, me despedi de meu tio e minha tia fazendo uma reverência. Minha mãe me deu dois beijos no rosto e Kari me apertou tão forte que quase fiquei sem ar.

– Quando as coisas começarem a mudar, nosso tio disse que um dia poderemos até mesmo visitar você em Agneya, no castelo do rei Alev.

Olhei para ele, encantada. Será que aquilo era mesmo verdade? Será que um dia as coisas mudariam tanto assim?

Só dependia de mim. E eu daria o meu melhor para que aquilo se tornasse verdade.

Entrei na carruagem e quando ela se colocou em movimento ainda fiquei um tempo olhando para trás, dando adeus à minha família, ao castelo, à minha vida. Então quando eles já não eram nada além de pontinhos indecifráveis, olhei para frente e encarei aquele novo caminho, aquele mundo no qual eu nunca pisara e nada sabia.

O mundo para além da fortaleza de Yas.


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Próximo capítulo: 21 de janeiro

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Princesa de Dois Reinos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora