CAPÍTULO TRINTA - CAMINHOS DE NEVE

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Sei que Lucas não fica satisfeito com minha decisão.

Ele está preocupado com a minha segurança e, mesmo que não admita, também com o que isso significa para nós dois, para o nosso futuro. Mas ele não diz nada, não reclama ou protesta. Apenas concorda com a cabeça e diz que irá comigo.

Naquela noite deixamos a pequena casinha para trás e eu já sinto como se estivesse abandonando meu próprio lar. Ali vivi os piores dias da minha vida, sofrendo pela morte de Kari, mas foi também aonde me refiz, onde reencontrei não só Lucas, mas a mim mesma e testemunhei a força e a coragem que eu nunca achei que existisse dentro de mim.

Passamos as próximas horas caminhando em silêncio até alcançarmos a última cidade entre a fronteira dos dois reinos. Ali, vendemos meu pingente de esmeralda e compramos roupas apropriadas para o frio que iremos enfrentar, um cantil de água e carne seca para a longa jornada que teremos pela frente. Ainda restam muitas moedas de troco, que usamos para comprar um cavalo velho que certamente não vale o preço que aceitamos pagar.

O homem que nos entrega o cavalo comenta que a comitiva do rei passou por ali a menos de um dia e que eles estão marchando para por um fim aos malditos de Yas, de uma vez por todas. Lucas e eu nos entreolhamos e não comentamos nada, apenas concordando com a cabeça.

Sinto um aperto em meu peito, mas Lucas me tranquiliza afirmando que chegaremos lá muito antes deles, já que somos só duas pessoas sobre um cavalo e eles são um exército inteiro.

Subimos no cavalo e eu passo meus braços sobre a cintura de Lucas, apertando-o com força. Quando nos colocamos em marcha, lanço um último olhar por cima do meu ombro para o reino de Agneya que fica para trás. O reino que me deu tanto e me tirou mais ainda.

Provavelmente nunca mais pisarei aqui de novo, eu penso.

E sinto ao mesmo tempo alívio e uma tristeza profunda.

Cavalgamos por horas a fio. Vemos o céu escuro da meia-noite se transformar, ficando cada vez mais claro. Chega a madrugada e depois a manhã, e é só no prenúncio da tarde que paramos por um tempo, para que o cavalo descanse.

Não seguimos pela estrada oficial, a mesma que me levou para Agneya oito meses atrás, pois não podemos correr o risco de alcançarmos a comitiva dos soldados do rei. Depois de duas horas de descanso voltamos para cima do cavalo e já é quase noite outra vez quando vejo os primeiros traços de neve. Aquilo aquece meu coração e me sinto revigorada para cavalgar por mais um dia inteiro se for preciso.

Mas durante a madrugada precisamos parar de novo. Damos de comer ao cavalo e mastigamos a carne seca que está tão salgada que faz minha boca arder. Depois encontramos um cantinho escondido, em meio as derradeiras árvores da região, para descansarmos.

– Acho que deve ter sido mais ou menos aqui – Lucas fala, quebrando o silêncio.

– O quê? – eu pergunto.

– Que eu me apaixonei por você.

Sinto meu rosto ficar vermelho, mesmo que eu saiba que Lucas praticamente não me enxerga em meio à escuridão da madrugada. Ao mesmo tempo me lembro que a primeira vez que Lucas prestou qualquer atenção em mim foi quando passamos a noite na caverna, depois de sofrermos o ataque.

– Quando fomos atacados já estávamos muito mais próximos de Agneya do que isso – eu respondo.

– Eu sei. Estou falando de quando você foi descer da sua carruagem e caiu.

Me lembro daquele momento com uma pontada de vergonha. Eu estava tão nervosa. Mas sinto como se aquilo tivesse acontecido a uma outra Kaya que não eu. Tudo da minha vida anterior à Agneya me parece agora tão distante.

Princesa de Dois Reinos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora