Capítulo 123 - O dia que eu tive coragem de te visitar

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... mais tarde.★

— Quando é o enterro? — criei coragem para perguntar.

— Ele foi hoje pela manhã — disse minha madrinha com cuidado e com uma expressão triste.

Soltei um longo suspiro, sem saber mais o que dizer. Minha madrinha faz um gesto como se quisesse que o Dani saísse e ele simplesmente assente e vai embora.

— Querida, eu conversei com seu pai e você vai morar com a gente, tudo bem? — diz ela, passando a mão por meu braço como um afago.

— Mas ele não me quer lá...

— Eu sei que não, mas talvez os dois só precisem de algum tempo juntos pra finalmente se entenderem.

— Não acho que vai ser uma boa ideia, madrinha.

— Por favor, Ale. Não torne as coisas mais difíceis pra si mesma. Prometo que vou fazer de tudo pelos dois. Você sabe muito bem que não concordo com o que ele faz com você.

Assenti levemente com a cabeça.

— Quando vou poder ir embora daqui?

— Eles haviam me dito que você sairia quando acordasse. Não foi uma coisa tão feia pra você. O que houve foi que você foi arremessada e bateu a cabeça, por isso perdeu a consciência. Já a sua mãe... quando estavam tentando tirá-la das ferrugens, o carro explodiu. O velório teve que ser com o caixão fechado porque não sobrou nada — disse ela, tentando ser o mais delicada possível. — Aliás, foi seu namorado que ligou pra ambulância. Ele estava seguindo vocês, por pouco não se acidentou também.

— Eu não tenho namorado nenhum — murmurei, mas ela acabou ouvindo.

★Dica 611 = Da próxima vez que for murmurar alguma coisa, não murmure alto demais.★

— Como? Pensei que aquele rapaz era...

— Ele era, madrinha. Só que a gente terminou porque flagrei ele me traindo com outra. Daí tem dias que ele tenta falar comigo. Deve ter sido por isso que ele estava me seguindo.

Por um momento ela parecia que não sabia o que dizer.

— Desculpa, eu sinto muito. — A mesma suspirou. — Vou conferir se você já pode ir pra casa agora que acordou. Você merece descansar melhor.

Assenti e ela se foi.

Os dias que se seguiram acho que foi os piores da minha vida. Agora eu ando morando na casa do meu pai e ele continua com aquele gelo que já dura cinco anos. Demorou uma semana até eu ter coragem de ir visitar minha mãe no cemitério. E cá estou eu em frente ao túmulo dela, segurando uma rosa azul, com os olhos encharcados. Não havia tantas flores assim pra ela. A maioria era branca que talvez significasse paz. Eu escolhi azul porque lembrava as minhas mechas. Ela merecia algo ao qual pudesse se lembrar de mim, se é que era possível.

Eu trajava um casaco preto que batia nos joelhos com um vestido simples preto por baixo. Era finalzinho de tarde e eu tinha prometido a mim mesma que ficaria até que as estrelas aparecessem. Com o passar do tempo, no luto sem fim que eu sofria, acabei por aceitar a teoria do Dani. Pra mim, minha mãe era uma estrela. E eu queria vê-la e dizer um último adeus.

Coloquei a rosa azul delicadamente no meio das outras. Gostava da maneira como ela se destacava por ser diferente. Era até engraçado porque no começo da minha adolescência, eu queria ser assim, sabe? O destaque na multidão. Minhas mechas azuis já não eram mais as mesmas. Fazia muito tempo que não retocava a tinta, então ela estava desbotada e mais pro verde-água do que pro azul. Pra ser sincera, eu não pretendia voltar a pintá-las por causa das lembranças amargas.

Levei dois dedos indicadores à minha tatuagem de estrela no pescoço. Depois levei esses mesmos dedos para meus lábios e por fim para a lápide. Então tirei um papel amassado do bolso e passei a recitar uma música com algumas modificações:

Mãe, eu vim te agradecer. Mesmo que ainda machuque. Eu irei dizer: "abençoada seja você". Eu quero dizer mais um pouco. Você deu seu melhor, não deu? Às vezes eu penso que odeio você. Me perdoe, mãe, por sentir isso. Eu não acredito no que estou dizendo. Eu sei que você tinha seus problemas. Eu sei que você nunca teve a chance de ser você, de ser o melhor de você. Eu espero que o céu tenha te dado uma segunda chance.

Quando dou por mim já estou chorando. Dobrei o papel e coloquei perto da minha flor, mesmo que eu soubesse que uma hora ou outra iria voar.

★Dica 612 = Por mais que você sabe que algo pode simplesmente ser levado pelo vento, não deixe de fazer se for importante.★

Segundos depois ouço passos ao meu lado. Por um momento ignoro e continuo encarando a lápide da minha mãe, desejando que eu pelo menos pudesse ter visto o enterro dela. Os passos ficam mais altos e se transformam em choro. Viro o rosto por curiosidade e arregalo os olhos ao ver a pessoa chorando. Era a diretora. Me mantive em silêncio enquanto ela colocava flores em dois túmulos.

— Quem são eles? — me atrevo a perguntar depois de um tempo.

Ela vira o rosto pra mim e se assusta um pouco ao me ver, mas por fim sorri tristemente.

— Minha filha e meu ex-marido. Tem anos que eles morreram, só não superei ainda. Dizem que o luto tem cinco estágios: negação, revolta, barganha, depressão e aceitação. Bom, eu ainda estou presa no primeiro estágio.

Sinto pena dela de imediato. Assim que nós duas levantamos, não perco a oportunidade de abraçá-la.

★Dica 613 = Não deixe de abraçar alguém para demonstrar que realmente se importa com aquela pessoa.★

— Me contaram uma vez que a senhora nunca conseguiu ter filhos — digo quando o abraço chega ao fim.

— Mais ou menos isso. Eu consegui, mas ela morreu com poucos meses de vida. Sempre a imaginei meio bagunceira, igual você.

Solto uma risadinha nervosa e baixa.

— Deve ser por isso que cuida do povo lá do colégio.

— Todo mundo lá são como filhos que nunca pude ter e nem vou poder. Não me importo de aturar aquelas bagunças. Gosto de fingir que sou mãe as vezes.

Assenti um pouco triste por ela.

— Falando em mãe, perdi a minha faz pouco tempo num acidente.

Ela pareceu surpresa.

— Puxa, sério? Não estava sabendo. Sinto muito.

— Pois é... — Suspirei. — Estou morando com meu pai que me odeia tem cinco anos e com minha madrasta que é um amor, mas sei lá... É como se ela nunca substituísse minha mãe e mesmo que me ame, também não substituí meu pai. Eu só queria poder ficar longe dele porque a cada dia que passa, ele me deixa mais triste com seu ódio.

— Nunca pensou em morar com outra pessoa? Não tem ninguém mais que pode te acolher?

— Quem? A família do meu pai é toda composta de esnobes que também me odeiam e a da minha mãe... Eu nunca tive chance de conhecê-los direito.

Tudo fica em silêncio por um momento e eu meio que acabo ficando constrangida.

★Dica 614 = Dê um jeito de acabar com o silêncio constrangedor de imediato, ainda mais se for uma história pessoal sua.★

— Não precisa se preocupar com isso...

— E se eu adotasse você?

Aquela pergunta me pegou de surpresa.

— Eu... confesso que nunca pensei nisso.

— Se você quiser, só entrar em contato comigo, tudo bem?

Assenti devagar e mostrei um sorriso fraco para ela, enquanto a mesma já ia embora. Por um momento olhei as lápides do ex-marido e da filha dela. No do ex-marido estava escrito "uma pessoa que vou sentir muita falta" e no da filha "nunca vou descobrir qual é sua personalidade, mas sei que é a que sempre sonhei". Novamente aquele sentimento de pena me invade. Se eu que só perdi a mãe me sinto mal, imagine ela que perdeu duas pessoas que amava.

★Dica 615 = Tente pensar no lado de outra pessoa que possa estar numa situação pior que a sua. Talvez assim você pare de reclamar o quanto sua vida é "ruim".★

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