CAPÍTULO 06: Cinema em casa

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                                         DANIEL

     HOJE É QUARTA-FEIRA E ISSO me lembra de que mais tarde teremos pizza no jantar e um filme para assistir.

O que seria bom, porque as memórias do ataque que eu tive ontem ainda estão assombrando a minha cabeça e eu preciso definitivamente de uma distração. Ou talvez oque eu estivesse precisando mesmo é ficar bêbado, e vomitar o maior número de porcarias que eu conseguir.

Mas isso seria algo praticamente impossível. A única vez que eu bebi foi com o Todd, ano passado, em uma festa da escola. A gente entrou de penetra. Bebemos tanto que acabamos vomitando tudo no jardim da casa do Peyton - o garoto que deu a festa - e depois disso, ele nos expulsou.

Foi legal, tinha sido interessante o nosso primeiro contato com o álcool. Lembro de termos ficado olhando um para a cara do outro e rindo sem parar, até as nossas bochechas doerem.

Nunca vou sentir isso de novo.

─ Daniel! ─ escuto Mia gritar atrás da minha porta. Um milagre ela ainda não ter entrado por conta própria. ─ Dois minutos!

Obrigo o meu corpo a levantar e preguiçosamente, vou até a sala de estar.

Apesar de no início eu ter sido totalmente contra essa reunião familiar semanal, até que estava começando a gostar. Era bom fazer algo diferente e que te tire do cotidiano chato. Faz a semana passar mais rápida - principalmente quando você é um aleijado que tem agorafobia e não sai de casa.

Mussarela ou Parmesão? ─ Dona Eduarda afastou o telefone do ouvido e me encarou, esperando por uma resposta. Ela estava pedindo pizza.

─ Catupiry.

Desviei o olhar e sentei no sofá, ao lado da minha irmã que procurava um filme para a noite de hoje.

─ Posso procurar?

─ Sem chance, maninho.

Revirei os olhos e cruzei os braços enquanto observava Melissa selecionar e passar com o controle nos ícones dos filmes disponíveis da Netflix.

─ "Peles"? ─ exclamei ao ver o que ela tinha selecionado. ─ De novo não, esse filme é horrível.

─ Não é não. Só é um pouco estranho.

─ Um pouco? ─ arqueio as sobrancelhas. ─ A garota tem diamantes no lugar dos olhos, aquele cara se automotila porque quer ter uma cauda de peixe...

Ela joga uma almofada na minha direção, que eu desvio na mesma hora e acaba caindo no chão.

─ É uma cauda de sereia, não de peixe.

─ Tudo a mesma coisa. ─ dei de ombros.

─ Sobre qual filme estamos falando? ─ minha mãe chega na sala e senta no meio do sofá, com uma garrafa de refrigerante.

─ "Peles".

─ Ah, esse filme é muito estranho.

─ Eu falei!

─ Não é nada! ─ Mia resmungou. ─ Vocês que não entenderam o conceito!

Minha mãe e eu rimos.

─ Juro que se você me mostrar um filme mais estranho que esse, eu faço oque você quiser por uma semana. ─ eu disse e parece que ela levou no sentido literal porque respondeu:

─ Tá apostado.

Estava pronto para retrucar quando a minha mãe me interrompeu:

─ Por que a gente não assiste aquele que você alugou semana passada?

─ "A Bruxa"? É, pode ser. Vou pegar lá no meu quarto. ─ Mia pulou do sofá e saiu correndo.

O telefone tocou e minha mãe atendeu, sem preocupação.

No mesmo momento, a campanhia tocou e eu levantei com dificuldade, indo em direção à porta. Abri o olho mágico e estiquei o dinheiro, que logo foi tomado da minha mão. E então, me escondi atrás da porta enquanto com o braço esticado, recebi a caixa grande da pizza.

As vezes ficava até difícil ter contato visual com as pessoas. Por mais mínimos que esses fossem.

Aproveitei e fui até a cozinha, pegando copos descartáveis e uma garrafa de refrigerante na geladeira. Com dificuldade, tento equilibrar todas a coisas em cima da caixa de pizza sem amassa-la e quando estou atravessando o corredor, me desequilibro e caio no chão.

Escuto Melissa correr até onde eu estou e logo depois, minha mãe - que antes falava no telefone com uma expressão alegre, e agora me encarava preocupada.

─ Ai meu Deus, você está bem? ─ Mia exclama e quando acho que vai esticar a mão para me ajudar, agarra a caixa de pizza que - ainda bem - caiu do meu lado completamente sã e salva.

Eu solto uma risada baixa, junto com um suspiro cansado.

─ Melissa! ─ dona Eduarda afasta o telefone e exclama na direção da Mia. ─ Ajude o seu irmão!

Primeiro ela pega as outras coisas que estão caídas no chão e coloca em cima da mesa. Logo depois, agacha e me ajuda a levantar.

─ Esse negócio está bem encaixado? ─ perguntou enquanto me levava até o sofá, se referindo a prótese.

─ Sim. ─ suspirei e lembrei da minha fisioterapeuta. ─ A Paula disse que é normal eu me desequilibrar ás vezes. A prótese é pesada.

─ Hum. ─ Mia organizou as coisas em cima da bancada. ─ Bom, poderia ser pior.

Revirei os olhos. Ela estava tentando me consolar e isso não era legal.

─ Uhum. ─ cruzei os braços.

─ Imagina se o seu pênis não funcionasse mais... ─ balançou as sobrancelhas e sorriu atrevida. ─ Isso sim seria frustrante.

─ Cala a boca, Melissa.

E então, escutei sua gargalhada. E logo, minha mãe apareceu sorridente, com o telefone na mão me encarando.

Dani, eu tenho ótimas notícias!

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alguém aí
já assistiu
"Peles"?

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