CAPÍTULO 36: Fora do radar

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Pegue sua escova de dentes, querida
Pegue sua blusa favorita
Porque se nós não deixarmos esta cidade
Nós provavelmente nunca sairemos
|Sleep On The Floor - The Lumineers

DANIEL

     QUINTA-FEIRA: É PRECISO NÃO SENTIR MEDO - mentalizei pela quinquagésima vez na minha cabeça. Não acredito que aceitei viajar com a Sophia.

─ Eu não acredito que to viajando com você.

─ Nem eu. ─ a garota ao meu lado soltou um riso nervoso e me olhou com expectativa. ─ Não acredito mais ainda que a sua mãe caiu na sua mentira. Ela foi péssima.

─ É, eu sei. ─ revirei os olhos.

Falei descaradamente para a minha mãe que as provas finais - que eu sempre fazia em casa, de frente para o computador com um olheiro pela webcam - iria ser, pela primeira vez, na biblioteca da cidade.

Ela me levou até lá, de carro, tão animada que me deu pena e eu quase contei toda a verdade.

─ É melhor o seu pai ser tão incrível como você... ─ coloquei o sinto de segurança e tentei fazer as minhas mãos pararem de tremer. ─ P-porque eu to... arriscando tudo.

Virei o rosto e olhei para Sophia, que encarava o volante sem piscar. Em sua mente, parecia já estar viajando.

─ Tudo bem. ─ ela finalmente me olhou, hesitante. ─ O carro é alugado e como eu ainda não tirei a carteira, a gente vai ter que parar para dormir em algum lugar.

  ─ Merda... ─ resmunguei. O que eu iria falar para a minha mãe? Eu estava ferrado, com certeza.

─ Mas não se estresse, não é nada demais, vão ser apenas dois dias... ─ respondeu apressada. ─ Ok?

─ Ok.

─ Vai dar tudo certo.

─ Ok. ─ repeti.

─ Ok.

─ Se você matar a gente... ─ olhei para ela. ─ Eu te mato.

Sophia abriu um sorriso, soltando uma gargalhada engraçada e ligou o carro, colocando o sinto de segurança logo depois.

Respirei.
Calma Daniel.
É preciso não sentir medo.

Porque afinal, ela está seguindo um sonho. E não importa o quanto esse sonho for sem noção, já que eu gosto muito dessa garota, preciso apoiá-la.

Ou, reconsiderando tudo, talvez exista mesmo um maluco nessa história. E esse maluco sou eu, que aceitei fazer essa viagem sem noção com a Sophia.

Ainda não acredito que isso está acontecendo.

─ Está nervoso? ─ ela perguntou, assim que saímos da divisa da cidade.

A paisagem e as árvores não me deixavam calmo, mas pelo menos me distraiam.

─ Você está? ─ revidei.

─ Um pouco...

─ A última vez que eu viajei eu tinha quinze anos e foi com a minha tia Silvia... ─ revelei, para tentar distraí-la.

─ Tia Silvia?

─ É... ─ sorri, ao lembrar da irmã da minha mãe. ─ Ela era tipo você. Com essas bochechas grandes, os olhos brilhantes... e também era muito tagarela.

Escutei Sophia soltar um risinho.

─ Sabe... quando eu tinha onze anos, foi ela que me contou de onde vinha os bebês.

─ Não acredito.

─ Acredite. ─ ri. ─ Quando a minha prima Sasha engravidou, ela contou que um anjo esfregou as asas no rosto dela.

E então o som da gargalhada de Sophia inundou o carro e o dia pareceu mais colorido. Olhei pela janela e realmente, o sol estava com um brilho bem incandescente.

─ Posso te contar os detalhes se quiser.

─ Não, obrigada. ─ ela sorriu. ─ Eu também tenho a história engraçada!

─ Pode ir falando.

─ No meu aniversário de oito anos, a minha mãe contratou um palhaço e no final da festa, ele acabou indo preso.

─ O quê? ─ franzi as sobrancelhas e olhei para ela, que se concentrava na estrada. ─ Como assim ele foi preso?

─ Eu não sei! ─ ela riu. ─ Eu tinha oito anos.

─ Sua mãe é maluca...

─ Ela é mesmo.

Soltei um riso baixo e me inclinei para pegar dentro da minha mochila, um CD personalizado que eu tinha passado a noite toda organizando. Musicas minhas e musicas dela. Uma mistura que combinava muito bem.

─ Fiz uma playlist pra nós. ─ encaixei no dispositivo. ─ Espero que goste.

─ Ninguém nunca tinha feito uma playlist pra mim... ─ Sophia sussurrou mas eu acabei ouvindo.

Sorri.
É, isso é real.

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