DANIEL
O ESSENCIAL É INVISÍVEL aos olhos. A frase clichê do livro que Sophia tinha me emprestado, e que eu não li - confesso.
E eu até queria ter lido, mas tinham tantos pensamentos misturados passando pela minha cabeça que ficava impossível eu me concentrar em alguma coisa.
─ Ai. ─ reclamei, enquanto sentia as mãos de Paula massagearem a minha perna rapidamente.
─ Desculpa, vou desacelerar o ritmo.
Mordi os lábios de propósito. As vezes nem doía tanto quanto eu fazia parecer.
─ Você está precisando de vitamina D. Sabe, tomar sol.
Assim que terminou, ela continuou falando, enquanto guardava os cremes e os outros materiais.
─ Sei que você não consegue sair de casa. Mas pelo menos senta em frente à janela sem a prótese e fica uns minutos até o seu membro residual receber a luz natural do sol.
Franzo as sobrancelhas e tenho vontade de rir pelo modo que ela pronunciou "membro residual" e "luz natural" ao mesmo tempo, mas aguento.
─ Tudo bem. ─ concordo.
─ E ah, quando sua mãe chegar, avise a ela para me ligar. ─ sorriu. ─ Diga que eu preciso conversar uma coisa muito importante.
Balanço a cabeça.
─ Por acaso essa coisa muito importante é sobre mim?
─ Não se ache tanto, Daniel. ─ disse, soltando uma risada.
Eu sorri de lado e comecei a colocar a minha prótese de volta na perna. A cada dia que passava, eu ia tropeçando menos e me acostumando um pouco mais com o peso.
─ Tchau. Até a próxima.
─ Tchau.
Depois que ela saiu, aproveitei que estava sozinho em casa e fui direto para o meu quarto. Coloquei o CD do Coldplay e aumentei o volume bem alto, para que a música escoasse em toda a casa.
Comecei a pensar em todos os acontecimentos da minha vida. Ou melhor, o momento exato em que tudo na minha vida mudou e começou a desandar. O desmoronamento. O início do fim. E eu poderia começar desde o meu nascimento, quando o pai que eu deveria ter caiu fora e nos abandonou - não que ele faça alguma mínima falta, conseguimos viver muito bem sem ele - mas vou tentar não ser tão dramático e me vitimizar.
O início do fim. Quando eu penso nessa frase, todas as coisas que vem na minha cabeça são, exatamente nessa ordem:
Vida.
Todd.
Carro.
Sangue.
Morte.
Vida.
Cemitério.
Dor.
Vazio.
Bullying.
Medo.
Casa.Eu poderia continuar com tudo oque aconteceu em seguida. Mas aí não seria mais o meu início do fim. Acho que desde que recebi a carta de aprovação da Universidade de Wisconsin, tudo está começando a se tornar um novo começo. É, isso soa bem mais esperançoso, positivo e estranho do que eu imaginei.
Piano.
Música.
Dor.
Carta.
Música.
Sophia.Talvez esse seja meu recomeço. E por mais que eu odiasse admitir, Sophia fazia parte dele.
No album, começou a tocar "Paradise" e eu me levantei de onde estava. Baixei o volume e fui em direção à sala de música. Eu conseguia escutar a melodia do som vindo do meu quarto. Sentei no banco do piano e abri a tampa de proteção. Observei os teclados limpos, sem nenhuma poeira.
Paradise tinha sido uma das primeiras músicas que eu aprendi a tocar no piano. Foi fácil. Aprendi em um dia só, assim que ganhei o grande instrumento.
Com calma, deitei meus dedos levemente nas teclas e apertei uma, que soou agudamente. Logo, depoisitei minha outra mão e comecei a dedilhar de dois em dois.
Quando percebi, já estava tocando a música, acompanhando a melodia do refrão que vinha do meu quarto. Meus dedos passavam e deslizavam por uma tecla do lado direito e por duas do lado esquerdo. Tudo tão leve e fácil. E soou tão lindo. Nem parecia que eu tinha parado de tocar.
Quando terminei, me senti leve. Como se um grande saco de peso fosse retirado de de dentro de mim, e da minha alma.
É, parecia que eu estava quase pronto para a Universidade de Wisconsin. E se as coisas continuassem indo como estavam, não demoraria muito. E eu iria me esforçar e começar um novo capítulo da minha vida. Talvez esse fosse mesmo um novo começo - eu só precisava resolver a minha maldita agorafobia.
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vou tentar escrever
mais e voltar à rotina
antiga, prometo <3
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I See You
Novela JuvenilDaniel tem uma fobia que o impede de sair de casa e Sophia precisa de dinheiro para encontrar o pai que não vê a 6 anos. O destino dos dois se cruzam quando Soph começa a dar aulas particulares ao Dan, e juntos, desenvolvem uma amizade fiel e compa...