CAPÍTULO 08: Dia de fisioterapia

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DANIEL

MEU DEUS DANIEL, O SEU quarto está mais bagunçado que o meu. ─ Mia abre a porta e entra no meu templo sagrado. ─ Quem diria que um dia isso aconteceria.

Viro meu rosto para encara-lá. Ela está em pé, chutando algumas roupas e outros objetos que estão espalhados pelo chão.

─ E esses lenços de papel? ─ me olhou com uma expressão divertida. ─ Você por acaso tem visto filme pornô?

Eu arqueei as sobrancelhas sugestivo e então ela pulou e desviou dos lenços, fingindo um vômito logo depois:

─ Ah, que nojo. Seu nojento.

Comecei a gargalhar. Os lenços não eram pelo motivo que ela tinha dito mas não fazia mal se ela achasse que fosse. Assim, quem sabe, evitaria entrar mais no meu quarto.

─ Vai logo para a sala. ─ disse, se jogando na minha cama e tomando o notebook das minhas mãos. ─ Sua fisioterapeuta chegou, ela está te esperando.

Suspirei e levantei, indo em direção a um dos meus antigos cômodos preferidos da casa: a sala de música. Na verdade, era só uma sala qualquer com um piano no meio - um instrumento que eu não tocava há dois meses. A magia daquela sala desapareceu assim que os esquipamentos de fisioterapia chegaram e se instalaram lá.

─ Boa tarde, Daniel. ─ Paula sorriu e levantou-se do sofá, vindo na minha direção. ─ Como você está?

─ Bem.

Sentei no banco que era parecido com uma maca de hospital e ela foi em direção ao balcão perto do piano, pegar sua caixa com os materiais médicos.

─ Eduarda me disse que você caiu três vezes só nessa semana. ─ apertou um botão que tinha na prótese e destravou, deixando-a folgada.

─ É, eu meio que me atrapalhei algumas vezes.

─ Uhum. ─ ela retirou com cuidado a prótese e eu imediatamente senti uma leveza. ─ Mas quero que saiba que é normal. Você está se adaptando.

─ Sei disso.

Ela retirou o liner - que é uma faixa de silicone que eu uso por dentro da prótese para cobrir e proteger a parte da minha perna que sobrou - e eu desviei o olhar.

Olhar para a perna - pelo menos oque restou dela - era doloroso. Uma parte de mim que foi retirada e que nunca seria recuperada. Lembrar de todas as coisas que eu fazia e que sou impedido de fazer  hoje, por causa desse fato, é muito doloroso.

─ Você têm considerado a terapia em grupo? ─ perguntou. Já fazia alguns meses que Paula tinha mencionado terapia em grupo com pessoas que sofreram amputações como eu. ─ Estudos comprovam que dialogar com pessoas que já passaram pelo mesmo que você, é bem útil, Daniel.

─ Não acho que seja verdade.

─ Claro que é. ─ respondeu como se fosse óbvio. ─  Você veria como cada pessoa lida com a mudança. Seria também uma troca de dicas.

─ Não sei se consigo levar isso a sério.

─ Deveria. ─ me olhou com o canto dos olhos. ─ Além de te encorajar, vai ser um lembrete de que você não está sozinho.

Senti vontade de rir - porque eu estava sozinho e não tinha ninguém que me fizesse acreditar o contrário - mas então, um sentimento entranho passou pela minha barriga. Como se estivessem borboletas furiosas brigando e batendo suas asas - e eu fosse vomitar.

─ Mesmo se eu quisesse... ─ a observei enquanto limpava a prótese. ─ Não consigo sair de casa.

─ Você poderia fazer um esforço.

Revirei os olhos e voltei a observar o piano. Eu não podia simplesmente fazer um esforço. Já tentei. Tentei mesmo sair de casa. Eu simplesmente não conseguia. Como se a minha respiração travasse e eu perdesse o ar. E o pior de tudo era que ninguém entendia.

─ É, acho que sim. ─ respondi baixo, para ela esquecer de vez essa história e mudar de assunto.

Paula começou a passar os cremes diários na minha perna - que evitava que a minha pele ficasse seca e irritada, além de ajudar na cicatrização do tecido e de outras coisas relacionado a proteção.

Logo, a pior parte começa. A hora dos exercícios. Ela massageava e esticava delicadamente a parte da minha cicatriz - que me trazia um incômodo enorme - me induzindo a repetir alguns dos movimentos que, de acordo com ela, previnia o enjericimento dos músculo e das articulações.

─ Prontinho, garotão. ─ colocou o liner e a prótese de volta na minha perna, me ajudando a levantar. ─ Continue exercitando. Te vejo semana que vem.

─ Ok.

Assim que ela saiu, eu sentei com dificuldade no sofá. Estava cansado e sem nada pra fazer. Escutei o som alto no quarto da Mia, tocando algum pop animado e fui em direção à sala de música, novamente.

Sentei no banco do piano e fiquei encarando o teclado dele. E então, outro pensamento me veio na mente: Como eu iria entrar na Universidade de Wisconsin se nem conseguia mais tocar?

Era como se eu tivesse não só perdido a perna e meu melhor amigo, mas a mim mesmo. E não sabia onde me encontrar. Estava enferrujado. Como se as coisas na minha vida estivessem passando aos meus olhos e eu não desse a mínima, não ligasse para as consequências.

Uma vibração no meu bolso me desperta. Retiro o celular e leio a mensagem que minha mãe tinha enviado:

"Consegui alguém para te ajudar
com as matérias que está precisando.
Quando eu chegar nós conversamos melhor. Te amo muito."

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