CAPÍTULO 16: Mundo dos vivos

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DANIEL

SOPHIA ANDAVA PELO MEU quarto devagar, movimentando os olhos em cada canto, parecendo querer conhecer e gravar a imagem daquele local em sua memória.

─ Você dança? ─ perguntou, passando a mão na minha estante, onde tinham alguns cds e gravações que eu fazia quando tocava piano.

─ Não.

─ E por que tem tanta música?

─ Para escutar. ─ respondi. ─ Fico sentado e aprecio a música.

Ela se virou na minha direção e eu a observei pensar duas vezes antes de dizer:

─ Eu vi um piano lá embaixo. ─ colocou as mãos atrás de si mesma. ─ É seu? Você toca?

─ Eu tocava.

─ Ah.

Fiquei em dúvida se continuava a falar sobre o piano ou não. Eu queria, porque apesar de eu não tocar mais, era um dos meus assuntos favoritos. Música. Mas acabei não falando mais nada.

─ E por que não toca mais?

─ Não consigo. ─ era uma resposta idiota mas foi a única que eu consegui dar. Me senti patético.

Sophia veio na minha direção e sentou-se na mesa onde eu estava. Ela começou a tirar seus materiais e então, retirou vários bloquinhos coloridos de papel.

─ Pra quê isso?

─ São post-it. ─ disse e eu quis responder que, sim, eu sabia oque eram post-it. ─ Me ajudam a deixar o caderno organizado.

Dei de ombros e começamos a estudar alguma coisa relacionado a geografia, climas, estações, posição do sol, nuvens e etc. Eu não estava prestando muita atenção.

─ Sabe... também não estou afim de te ensinar hoje. ─ depois de alguns minutos Sophia me olhou, e começou a guardar os cadernos.

─ Ok.

─ Vamos conversar. ─ ela sorriu e eu tentei ao máximo não ser grosseiro:

─ Não quero conversar.

Existiam dias estranhos em que a gente só quer ficar quieto num canto, sem falar nada, sem fazer nada - sem querer sentir nada. Era assim que eu estava me sentindo. E não há nenhum problema nisso. Não há nenhum problema em não ter ninguém pra conversar, também. O único problema é que ao estar sozinho, sua mente é a sua única companhia, e nem sempre ela é sua amiga - oque acontecia sempre comigo.

─ Daniel, não podemos falar do mundo real se você não falar.

Franzi as sobrancelhas.

─ Tudo bem, nada de falar do mundo real então. ─ ás vezes eu conseguia ser bem teimoso.

Esperei ela insistir - porque Sophia era uma garota que não desistia fácil - mas ela não disse mais nada. Pegou um bloquinho azul dos post-it e antes de escrever alguma coisa nele, olhou para mim.

─ Qual a sua cor favorita?

─ Hum... verde. ─ não fazia a mínima ideia porque era verde, mas era. ─ Por quê?

─ Nada, só curiosidade. ─ e então ela começou a escrever no papelzinho. ─ A minha é azul.

Queria perguntar o porquê, mas não perguntei. Ela continuou escrevendo rapidamente no papel e logo, o colou no meu caderno, de frente para que eu possa ler.

Me surpreendi quando não tinha nada escrito e sim um desenho. Era um esboço bem simples, tinha um bonequinho com a letra "D" que eu suponho que deva ser eu, e um círculo ao redor dele, que parecia o mundo visto do espaço.

─ Vem, vamos ver o mundo lá fora. ─ ela levantou e eu automaticamente travei na cadeira.

─ O quê? Não, eu não posso sair.

─ Ninguém disse sair. ─ sorriu, inclinando a cabeça. ─ Vamos dar uma olhada pela janela.

Eu resmunguei e me levantei a força, questionando o motivo daquela atitude:

─ Por quê..?!

─ Ah, não me diga que não consegue nem vir até a janela...! ─ era impressão minha ou Sophia estava debochando da minha cara? ─ Que covarde.

Soltei um riso amargo e me aproximei de onde ela estava. A visão da janela do meu quarto era simples: a rua da frente cheia de casas e um terreno vazio, de onde dava para ver - as vezes - o sol se pondo.

Eu conseguia me aproximar da janela mas não costumava ficar muito tempo nela. A luz do sol, os barulhos dos carros e das pessoas que passavam lá fora me incomodavam.

─ Tem certeza de que não quer tentar sair lá fora?

Cruzei os braços e não respondi.

─ Você está vendo, a rua está vazia. ─ continuou. ─ Não vai te fazer mal nenhum.

─ Que merda, Sophia. ─ disparei, ríspido. ─ Eu não quero sair.

Houve um breve silêncio e logo depois, ela murmurou:

─ Tudo bem, desculpa... Só não esqueça que, um dia, terá de voltar.

Eu engoli seco e mantive meus olhos em um ponto fixo do lado de fora da janela. Não posso sair. Não posso voltar. E se alguém da escola me ver? Não posso viver sendo a pessoa que eles acham que eu sou. O Daniel-alejado-e-isolado.

─ Minha mãe já deve estar chegando, vou esperar lá fora. ─ disse e acho que ela mentiu, porque, ainda não tinha dado o horário que a mãe dela ligava.

Ela saiu do meu lado e provavelmente foi arrumar suas coisas. Permaneci no mesmo lugar, tenso.

Me virei, e andei até a porta - com intenção de fechá-la. Foi quando vi um dos post-its que Sophia usava, colado na parte de trás da madeira. Um azul - onde ela tinha feito o desenho minutos atrás, e outro amarelo, escrito:

"Lá fora está o mundo dos vivos. Não se esqueça de que você também faz parte dele".

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