CAPÍTULO 10: Primeira aula

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                                         DANIEL

     HOJE ERA O DIA E EU NÃO estava nenhum pouco preparado. E juro, quando a minha mãe disse que tinha encontrado alguém para me ajudar com algumas matérias, eu tentei evitar esse momento a qualquer custo.

Inclusive, tomei um comprimido forte que dava sono, mas parecia que simplesmente o universo não estava ao meu favor.

─ Saia da cama.

─ Não. ─ me estiquei e cobri o rosto com o travesseiro. Era a minha única - e miserável - tentativa de fuga do momento.

Minha mãe tinha chegado animada mais que o normal do colégio. Acho que parte dessa animação também era a ansiedade, que corria pelas suas veias, por causa da sua convidada de hoje - ou melhor, minha.

─ Daniel, seja um cavalheiro. ─ ela resmungou, recolhendo algumas roupas e cuecas sujas no chão do meu quarto. ─ Levante e vá se arrumar. Sophia já deve estar chegando.

Resmunguei.

─ Cavalheirismo já era, madame.

Provavelmente lançou um olhar me repreendendo e de contragosto, me espreguicei, logo em seguida, levantando da cama e indo em direção ao banheiro.

Escutei o barulho da porta ser fechada e então suspirei, me apoiando na pia e encarando meu reflexo no pequeno espelho da suíte. Fiz uma careta e concertei meu óculos que estavam tortos. Acho que fiquei me encarando - definitivamente não de um modo narcisista - por tanto tempo, que esqueci de tomar banho.

Tudo oque passava pela minha cabeça era: isso é uma péssima idéia.

Sei que quando minha mãe pensou em chamar alguém da escola para me ensinar ela só queria me ajudar, mas... é complicado. Quando você passa por muitas coisas, oque mais deseja é ficar sozinho - e era como eu me sentia. Eu já estava acostumado.

E eu tinha que arranjar um jeito de fazer com que essa garota pare de querer me dar aulas, mesmo que nem tenha começado ainda.

Para início de conversa, porque ela tinha aceitado?

─ Dan, ela chegou! ─ minha mãe bateu na minha porta e consegui escutar a sua emoção pela voz. ─ Vou abrir. Não demore e seja educado.

─ Tá.

Antes de sair do banheiro, abri a torneira e observei a água molhar as minhas mãos. A corrente passeando pela minha pele.

Vagamente, uma lembrança de quando eu era criança me veio a cabeça, de quando minha mãe e minhas tias costumavam nos levar para um piquenique todo feriado, em um parque na saída da cidade. Eu e meus primos brincávamos e mergulhávamos no pequeno rio que tinha lá, sendo levados pelo fluxo da correnteza fraca.

Eu amava nadar, sempre amei.

Então olhei para baixo, encarando a minha prótese. Doía pensar que nunca mais conseguirei ter o prazer de sentir isso de novo.

E ao que parece ser uma eternidade, me desperto do transe e antes de fechar a torneira, molho o meu rosto.

Meu cabelo está uma bagunça e definitivamente precisando de um corte novo. Visto uma camiseta simples azul e uma bermuda jeans. Encaro o desodorante e o perfume no meu armário. Será que se ela me achar fedido ela vai voltar correndo para casa e nunca mais aparecer? Seria uma boa idéia. Mas e se ela espalhar para toda a escola no outro dia? Prefiro não correr o risco.

Então eu saí do quarto e comecei a escutar as vozes vindo da sala de estar. A cada passo que eu dava, meu coração batia mais rápido e minhas mãos soavam.

─ Daniel! ─ minha mãe é a primeira que nota a minha presença, claro. ─ Aí está você. Venha conhecer a Sophia.

Eu me aproximo desconfiado e encaro a garota. Ela não é nada do que eu esperava. Também não lembro de tê-la visto na escola algum dia.

Sophia está parada perto da porta. Ela está de vestido e segura uma mochila nas mãos. Seu cabelo é encaracolado mas não tanto quando o meu, além de ter uma franja que cai perfeitamente cobrindo toda a sua testa e um pouco das sobrancelhas. Seu rosto em si é tão... diferente e singelo, que parece ter sido desenhado. Ela parece uma boneca e isso é um pouco assustador.

Minha mãe me da um empurrão com o cotovelo, e eu já sei oque significa.

─ Oi.

─ Oi. ─ e então a garota abre um sorriso.

Enfio as mãos no bolso e encolho os ombros. Poderia ser pior, não poderia? Sei que poderia, mas no momento, não consigo pensar em nada que comprove essa teoria.

Dona Eduarda então sai em direção à cozinha, e eu consigo sentir o clima constrangedor entre nós. Nesse momento eu queria, com certeza, ser invisível.

─ Então... ─ parece que ela decidiu quebrar o silêncio. ─ Você também estudava no Massey Star...?

─ Estudava.

Antes que ela pudesse falar mais alguma coisa, minha mãe volta, segurando uma vasilha de brownies e dois copos com suco, colocando-os em cima da mesa da sala de estar.

─ Eu falei que iria ficar com vocês hoje para organizar o horário das matérias do Daniel mas acho que ele pode fazer isso sozinho. ─ dona Eduarda sorri e me olha de lado.

Suspiro. Eu nem conheço essa garota e do nada minha mãe vai deixar ela aqui sozinha comigo? Com todo o respeito - ela é minha mãe e eu a amo - mas o que ela tem na cabeça?!

─ Preciso voltar para a escola substituir um professor. ─ continuou explicando. ─ Você se importa, Sophia?

Eu fiquei em silêncio, entortei os lábios e mordi o canto da minha boca por dentro. Observei a garota com o canto dos olhos e ela estava tão nervosa quanto eu.

─ Hm... não, tudo bem. ─ Sophia sorriu. ─ Minha mãe vem me buscar daqui a duas horas.

─ Ótimo. Bom estudo! ─ me beijou na testa e saiu, deixando o bobo da corte com a garotinha de porcelana.

Eu já conseguia prever, essa tarde seria um tremendo desastre.

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TAN TAN TAN TAN
o que será que vai acontecer
no próximo capítulo???

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