CAPÍTULO 30: Frente com o passado

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DANIEL

SOPHIA ME DISSE QUE TERIA um compromisso e por isso, mandaria um substituto muito inteligente de que talvez eu fosse gostar.

Talvez.

E eu tinha quase total certeza que essa de "eu tenho um compromisso" - era só uma desculpa para não vir me dar aulas e não me ver. Como eu não tinha falado nada para a minha mãe sobre a nossa briga, Sophia deve estar aproveitando esse tempo para me castigar.

E eu estava nervoso, muito nervoso. Minhas mãos estavam em cima da mesa e meus dedos batucavam com intensidade na madeira. Não era curiosidade, era apreensão e medo de quem poderia ser esse tal substituto.

Eu senti tanta raiva da Sophia quando ela tinha me enviado o torpedo. Muita raiva mesmo. Independente da nossa briga, ela sabia da merda da minha agorafobia e tinha consciência de que eu não conseguia enfrentar esse tipo de coisa com qualquer um.

E então, interrompendo meus pensamentos, bateram na porta. Meu coração saltou e eu fui atende-la.

─ Eaí.

Encaro o garoto loiro com um típico estilo de adolescente comum e automaticamente todas as minhas memórias ruins do colégio passam pela minha cabeça.

William Borges estava na minha porta.

Não pensei direito porque, quando fui perceber, já tinha batido a porta na cara dele.

Olha, Daniel... ─ escutei a voz dele atrás da porta, com apreensão. Ou medo, não sabia adivinhar. ─ Também não estou aqui por quê quero, tá legal? Estou fazendo um favor, então vamos facilitar as coisas.

Franzi as sobrancelhas e o xinguei mentalmente.

─ Favor pra quem?

─ Para a Sophia. ─ disse. ─ Isso é importante para ela...

Importante para ela?! E a quanto oque era importante para mim?

Eu não podia simplesmente encarar o autor de todos os meus pesadelos e bullying que tive na escola como se nada tivesse acontecido. Tenho cicatrizes por causa disso, que marcavam até hoje.

─ ... eu só vou te ajudar nas matérias atrasadas, sei que você precisa de nota para completar sei lá oque que a Sophia tinha comentado.

Então agora quer dizer que a Sophia andava comentando coisas sobre mim para o William? Aliás, desde quando eles começaram a andar juntos e ficar tão próximos? Eu não podia acreditar. Parecia que não só a confiança que eu tinha por ela estava quebrando, mas o meu coração também.

─ Depois eu vou poder sair daqui e a gente pode fingir que isso nunca aconteceu.

Eu estava pronto para deixá-lo falando sozinho quando lembrei do meu acordo com a dona Eduarda: tinha que tirar notas - boas não, excelentes - ou voltaria para a escola. E voltar para a escola é uma coisa que eu não pretendia fazer de jeito nenhum.

Abri a porta para ele novamente e o garoto entrou. Ambos estávamos desconfiados.

Desviei o olhar, andei até a sala de estar e ele me seguiu, como o esperado. Sentei na mesa e indiquei com o dedo para que ele fizesse o mesmo. Peguei meus cadernos em cima da mesa e abri contra a minha vontade, tentando segurar a raiva que eu estava sentindo no momento.

─ Não vai nem me oferecer uma água?

Encarei o garoto com a testa franzida sem acreditar no que ele tinha acabado de me perguntar.

─ Você tá falando sério? ─ cruzei os braços e soltei uma risada irônica.

─ Sim, por quê não?

─ Olha só, você está na minha casa, onde atualmente não é bem vindo. Eu decido quem eu quero servir ou não.

─ Cara, qual o seu problema?

─ Meu problema? ─ levantei e encarei o garoto com raiva. ─ Você é o meu problema, William Borges. Você e seus amiguinhos idiotas sempre foram a porra do meu problema!

Ele não fez diferente e também levantou, ficando da minha altura.

─ Eu sou o problema? ─ riu. ─ A culpa não é minha se você era estranho e não falava com ninguem. Todo esquisitão...

─ Você não tem a mínima ideia do que tá falando... ─ fui interrompido.

─ É o ensino médio, Daniel. Você não se encaixou porque não quis.

─ E você sabe muito bem sobre isso, né?

Um silêncio se instalou sobre nós e eu comecei a guardar os livros que estavam espalhados pela mesa na minha mochila.

─ Sabe quando o professor passa um trabalho em dupla e ninguém quer fazer com você? ─ o olhei. ─ E então o professor te olha com aquela cara de pena e diz: "Daniel, faça sozinho". E você ainda tem que escutar as risadas e os murmurinhos dos outros.

Ele permaneceu em silêncio.

─ Eu tinha acabado de sofrer um acidente e meu amigo morreu...! ─ suspirei, trazendo as lembranças dolorosas de volta e tentei abaixar o meu tom de voz. ─ Eu tinha acabado de perder a minha perna e vocês não faziam nada além de colocar o pé no chão para eu tropeçar. Além de zombar e caçoar da minha "perna de pau"...

Fechei os olhos e suspirei novamente. Andei de volta até a porta e a abri, indicando a saída para William. Ele se aproximou ainda calado e quando estava prestes a dizer alguma coisa, eu o interrompi, sem disfarçar a ríspidão na minha voz:

─ Mas pelo visto, você sabe muito bem sobe isso né?

Ele saiu e eu fechei à porta.

Fui em direção ao meu quarto e encarei alguns dos post-it que Sophia tinha começado a grudar na parede da minha porta. E então, com um impulso, comecei a tirar e rasgar todos eles. Também permiti que as lágrimas atravessassem o meu rosto.

Logo depois, deitei na cama. Minha cabeça doía. Acho que meu coração também.

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