Capítulo 9

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"Precisamos Conversar"

Anna

Meu maior medo de criança, lá pelas bandas dos cinco ou seis anos, era a lenda do homem do saco. Minha avó, muito da esperta, dizia a mim e a Mariana que, caso não comêssemos toda a comida, ela nos daria para o homem do saco. Até então, por ser muito nova, eu não fazia ideia de que o "homem do saco" não passava de uma lenda precária, feita para coagir criancinhas a não saírem na rua sozinha. Nada tinha a ver com o fato de eu e Mariana nos alimentarmos bem ou não.

Atualmente, o meu maior medo não se embasava em lendas, estava muito mais perto, apenas duas palavras: "Precisamos conversar". Sempre que essas duas palavras são ditas juntas, algo não está certo. Muitos relacionamentos acabam, muitos pais colocam seus filhos de castigo, alguém sempre acaba se machucando, depois de um "precisamos conversar".

É claro que existem variações, mas aí vai uma dica. Fuja! Sempre que alguém indicar que precisa de uma conversa séria ou algo do gênero.

Para alguns, isso pode soar infantil e irresponsável da parte de uma jovem de dezoito anos, pois bem, que seja. Enquanto uns partem para cima de um "precisamos conversar", eu evito ao máximo e fujo como o diabo foge da cruz. Conversas sérias me causam arrepios e eu sempre acabo falando de forma sarcástica, tudo isso para me defender.

É claro que eu gostaria de conversar com Guilherme, de esclarecer as coisas entre nós, ainda assim, eu preferia o estado de dormência. Esse estado, criado por mim mesma, refere-se ao momento em que, após algum tempo, aquele machucado, que tanto te incomodou, adormece. Pense no ser humano como uma massa de pão, o padeiro esfola e massa aos murros, em seguida, deixa-a relaxando. Ele não pede desculpas, os dois não conversam sobre o ocorrido, a massa apenas cresce com o seu aprendizado.

Mesmo sendo uma metáfora ruim, eu acredito que o ser humano, em muitos momentos, assemelha-se à massa de pão. Pedir desculpas, conversar, nada disso resolve. Basta esperar um tempo para que essa massa relaxe e cresça com a própria dor.

Eu não precisei dizer isso a Guilherme, pois, graças aos céus, fui salva pelo enviado de Deus: Henri.

O telefone tocou antes que eu pudesse responder ao, "por favor," e a cara de cachorrinho que caiu da mudança de Guilherme. Apenas sorri e indiquei a tela do celular a ele, que mostrava uma foto bem grande de Henrique, enquanto uma música irritante tocava.

Lembre-me de mudar esse toque, por favor!

Levantei-me antes de atender e segui em direção ao quarto. Quando atendi ao telefone, em frente à porta de meu quarto, não pude dizer outra coisa senão um obrigada caloroso ao salvador da minha dignidade.

"Uau, o que foi que eu fiz?" — Ele falou ao telefone.

— Salvou a minha dignidade!

"E vou salvar a sua noite, comprei dois ingressos para um filme maravilhoso que está em cartaz e não aceito um não como desculpa. Passo na sua casa às cinco." — Seu tom de voz era sério demais para que eu pudesse negar.

— Tudo bem, aguardarei.

Apesar de nos conhecermos e de conversarmos há poucas horas, eu tinha a sensação de que o conhecia há décadas. Henrique fazia eu me sentir à vontade, como se eu pudesse ser eu mesma. Rir de forma escancarada, falar de boca cheia, coçar o sovaco e cheirar depois. Eca, eu não faço isso. Não que eu não pudesse agir de tal forma na frente de Guilherme, só era diferente e eu não tinha muita certeza do motivo por trás desse desconforto.

Abri a porta do quarto e antes de entrar olhei para o começo da escada. Guilherme estava parado, com o pé direito no primeiro degrau e a mão direita no corredor. Percebi que ele me olhava, as sobrancelhas arqueadas e o olhar perdido, mas logo desviou o olhar e saiu andando. Eu quis descer e conversar, quis explicar o escândalo que fiz, quis resolver as coisas entre a gente, mas o destino não estava ao nosso lado.

O Amor dos Meus SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora