Capítulo Bônus

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Meninas, muito obrigada por terem me acompanhado até aqui! Eu vou deixar um capítulo bônus e ainda uma degustação de "Procura-se um Guitarrista", a próxima história que preciso terminar, (vai ser minha meta agora rsrsrs). Vou dar uma revisada e tentar postar ainda essa semana, aí eu ficaria super feliz se lessem e comentassem para eu saber as impressões que vcs estão tendo sobre a história nova, ok?

Sobre o capítulo final ter parado na parte do reencontro e sido um final mais aberto e foi proposital por conta dessa meio que continuação que eu penso em fazer, pq se eu jogasse muito para o futuro teria que começar a próxima história de um ponto que os personagens já estão um pouco mais velhos e com a vida resolvida e esse não era o cenário que gostaria de trabalhar. Muito obrigada pelos votos e comentários que li todos, ainda que eu não tenha condição de responder cada um, fico super feliz quando vcs comentam <3. 

Bem, sem mais delongas vamos ao bônus que não vai agradar muita gente, mas que eu senti a necessidade de escrever. 

Obrigada por me acompanharem! Beijocas para vcs e uma ótima quarta! < 3


Aquele lugar não combinava com Los Angeles. Deveria ser riscado do mapa, suas casas de estruturas mal-acabadas terem as vigas arrancadas do chão e transportadas para alguma outra cidade desprezível que compartilhava do mesmo tom monocromático de concreto, repetido incessantemente das alamedas sujas ao céu poluído.
"Recalculando rota"
— Inferno! — Natalie cravou as unhas no volante e balbuciou mais uma sequência de palavrões. Como poderia ser estúpida e errar o caminho? Como poderia ser tão estúpida a ponto de errar o caminho três vezes? Talvez fosse a falta de hábito em se sentar do lado do condutor. Estava tão acostumada a ter as necessidades atendidas pelos outros que se esquecera de como é ter que se virar por conta própria às vezes.
Um motorista seria uma boa opção, mas o número do único aceitável para o encargo era sempre atendido pela mesma voz feminina e inexpressiva similar à do GPS: "Não foi possível completar sua chamada." Um motorista cuja casa insistia em desaparecer pelos trajetos mal desenhados do aplicativo de localização. Aquelas duas mulheres de fala robótica só poderiam ter armado um complô contra ela, com certeza.
Chegou a uma avenida sem as bifurcações que lhe confundiam os sentidos. "Você alcançou o seu destino". Disse a voz apática e Natalie finalmente sentiu-se em trégua com o aparelho, perdoando-o dos erros cometidos por ela própria.
Estacionou a BMW a uma distância de alguns metros, estudando o local. Olhou-se mais uma vez no espelho retrovisor. Ultimamente não tinha tanto prazer em encontrar o próprio reflexo. Para tentar fugir da imprensa, os fios loiros haviam sido cobertos por uma tinta castanha que não a favorecia. O nome da cor remetia a um tipo especial de chocolate e criava uma expectativa frustrada em quem esperava bem mais do que um resultado medíocre.
Um cachorro franzino ladrou por trás de um muro torto quando ela desceu do veículo. Borrões alaranjados pintavam o céu misturando-se à fumaça vinda de uma fábrica próxima: fim de tarde. No ar havia um cheiro de carne assada que combinava com sua visão estereotipada de que moradores do subúrbio faziam churrascos aos domingos. Trancou o carro no mesmo instante em que duas garotinhas saíram da casa apontada como seu destino.
As meninas não tinham mais do que seis anos. Bochechas rosadas e risadas melodiosas denunciavam o momento posterior a alguma travessura. Deduziu que ambas fossem irmãs pela forma como os cabelos estavam presos: exatamente a mesma trança mal feita. A mãe não devia ser do tipo paciente.
A menor foi quem viu Natalie primeiro, seus olhos graúdos tinham a curiosidade de um gatinho. Era o mesmo olhar de Diego: os mesmos cílios longos e naturalmente curvados, a mesma profundidade desconcertante nas íris castanhas. Uma herança genética dos Hernandez. A atriz não levantou os óculos, mas ensaiou seu melhor sorriso.
— Oi, gracinhas! — Não que soubesse lidar com crianças, mas sabia que qualquer expressão alegre, aliada à conveniência de ter um rosto feérico, soaria persuasiva à inocência infantil. — O Diego está?
Suas boquinhas não se mexeram. Elas continuaram a encarar Natalie por alguns segundos (um jogo que Wolf não tinha paciência em jogar). Depois dispararam até o portão chapiscado de amassados laterais que se encaixavam perfeitamente ao formato de chutes, e a maior cantarolou acompanhada da mais nova:
És lá chica loca!
Fora um ou outro apelido carinhoso que gravara pela repetição de Diego, Natalie não falava espanhol.
Para sorte delas.
Depois Natalie escutou passos arrastados vindos do corredor e seu coração expandiu-se. O músculo não era de pedra, afinal.
Mas foi uma velha quem surgiu cerrando os olhos por trás de lentes embaçadas. Tinha cerca de dois dedos de cabelos brancos visíveis na raiz, à outra parte estava desbotada num tom indefinível entre marrom e vermelho. A tinta também devia ser daquelas cujo nome sugere sofisticação, mais uma vítima de propagandas enganosas.
— Quer o quê? — A velha disse.
— Estou procurando Diego Hernandez. Ele mora aqui, não mora? — Natalie sentiu raiva da forma como as palavras soaram. Categóricas demais, como uma ordem. — É parente dele?
A senhora olhou desconfiada, mas não reconheceu a atriz. Era daquelas que preferem novelas mexicanas a clichês hollywoodianos. As pupilas, que se esforçavam para enxergar além da névoa engordurada das lentes bifocais, demoraram um tempo maior no carro de Natalie.
— Diego é meu neto. E ele não vai falar com a imprensa.
Wolf balançou a cabeça.
— Não sou da imprensa.
— Então quem é você e o que quer com o Diego?
— Sou Kim Boggs. — Usou o nome da personagem de seu filme favorito, o mesmo que empregava para fazer reservas em hotéis. Diego entenderia. — É sobre trabalho.
— Trabalho? Oh... — A velha sorriu pela primeira vez. — Espere um segundo que vou chamá-lo.
Natalie exalou o ar em um alento nervoso. Quando o visse, deveria abraçá-lo? "Seja você mesma. Seja você mesma. Seja você mesma". Droga, o que estava pensando? Não era uma audição para o próximo filme do Coppola, era apenas Diego, caramba.
Então ele apareceu. Estava tão acostumada a vê-lo em ternos que se esquecera de que Hernandez teria outras peças no guarda-roupa, obviamente. O rapaz usava uma blusa do Los Angeles Rams (torciam para times rivais e ela nunca soube disso). Wolf analisou os movimentos do homem: surpresos, mas também indecifráveis. Não saberia dizer se ele estava feliz ou não em revê-la.
— Quase não acreditei quando disseram que uma "Kim Boggs" estava aqui. — Diego disse lívido, e a atriz identificou surpresa misturada a ressentimento no timbre dele.
— E eu ainda não acredito que estou — ela disse, mas depois consertou — quero dizer, é que sua casa não é fácil de achar.
Aparentemente, ele sorriu.
— Mudou a cor do cabelo. — No seu íntimo, Diego imaginou-se tocando uma das mechas que caiam sobre a blusa de cashmere da atriz, mas os braços permaneceram cruzados, o rosto sério.
— Precisei. Para uma personagem.
— Eu gostei.
Mais um silêncio inoportuno. Desde quando ficar perto de Diego havia se tornado tão constrangedor? Afinal, não havia nada em Natalie que o homem não conhecesse bem. Até os detalhes do corpo que não combinavam com a perfeição exigível pelas capas dos tabloides, "pequenos defeitos" expungidos por programas de photoshop.
Enquanto isso, Diego Hernandez ainda pensava se deveria permitir que qualquer resquício de orgulho se diluísse diante daquela surpresa: Natalie Wolf. Era Natalie Wolf na porta da sua casa, porra. Ninguém precisava ser tão forte assim...
Ah, sim. Precisava.
— Então, o que veio fazer aqui? — Ele perguntou.
A atriz relembrou o discurso mental que ensaiara dentro do carro, quando virou uma rua antes do aviso do GPS.
— Queria saber como estão às coisas. Arrumou outro emprego?
Diego suspirou soturno.
— Poucos bicos aqui e ali. Ninguém quer contratar o motorista que supostamente dormia com a namorada do patrão.
E de repente, o discurso não valera de nada.
— Mas deixa pra lá. — O motorista continuou. Balançou a cabeça como se aquilo não fosse nada demais. Como se estar desempregado, de coração partido e orgulho ferido fossem coisas tão triviais quanto se esquecer de colocar o lixo para fora. — Nem sei bem por quê falei isso.
— Bem, se te faz sentir melhor, sou a megera que supostamente traiu o namorado com o motorista. — Natalie sorriu lúgubre. Contratos quebrados e jornalistas na sua cola: não estavam tão diferentes assim.
Wolf então retirou o envelope pardo de dentro da bolsa. Estendeu para o homem:
— Eu queria que ficasse com isso.
Ele já tinha uma leve desconfiança do que se tratava, mesmo assim perguntou:
— O que tem aqui?
— Uma compensação financeira.
— Pelo o quê?
— Bem... por todo o mal que lhe causei... por... você sabe.... ter usado você. — Natalie pensou no que seu terapeuta diria se estivesse ali. Admitir aquilo para Diego, não doeu tanto quanto imaginou que doeria.
Ele quis abrir o envelope, conferir quanto valia para Wolf, mas se controlou e só lhe devolveu.
— Não. Pode pegar seu dinheiro de volta, Natalie. Por favor.
Ela ficou sem reação por alguns segundos.
— Diego... Você não precisaria trabalhar por um bom tempo, poderia até abrir algo para você, para sua família. Mudar para um bairro melhor. — Wolf achava incrível ter que fornecer argumentos de "como dinheiro era importante neste mundo" para convencer o rapaz.
E ele limitou-se a dizer:
— Nós gostamos daqui.
— É que... — Natalie apertou o envelope entre os dedos. — Isso é o mínimo que eu posso fazer.
— Imagino. É o mínimo para você. Vem até aqui, me entrega uma quantia generosa e depois desaparece no seu carro com a sensação de missão cumprida. É mesmo uma redenção e tanto para sua consciência.
O ar escapou dos pulmões de Wolf e o chão desmoronou debaixo dos seus pés. Guardou o cheque, sentindo o sangue queimar nas maçãs, a boca seca. Gaguejou antes de conseguir dizer:
— Caso as coisas não tenham ficado claras, não quis ofendê-lo. Só queria te dar uma nova chance. Apenas isso.
— Não estou ofendido, não precisa se preocupar. — Falou com a intenção de dar aquele assunto por encerrado. Então uma voz feminina e jovem atravessou o corredor, chamando por ele. Natalie se perguntou quantas pessoas deveriam estar ali dentro, e qual a relação da dona daquela voz, em especial, com Hernandez. Seu coração apertou: ciúmes das hipóteses criadas por sua mente.
— Vou indo. Acho que cheguei numa má hora. — Ela disse.
Ele não contestou. E Natalie sentiu o coração apertar mais uma vez.
Resolveu usar sua última cartada:
— Mas sabe, não foi só por isso que vim aqui, Diego. Tem... este evento no próximo fim de semana e... preciso de um motorista. Você poderia me buscar às oito? E acho que pagar o preço justo pelos seus serviços não ofenderá seus princípios. Certo?
Diego bufou e sorriu incrédulo:
— Você não pode estar falando sério.
— Claro que estou. Por que eu brincaria com algo assim depois de tudo?
— Hum...
— E então?
Como se ele estivesse em condições de recusar trabalho. Rolou os olhos e deu um aceno rápido antes de dizer:
— Tá... Tudo bem. Te levo sim.
Natalie mal acreditou. E ficou aliviada por não ter que travar uma nova batalha para persuadi-lo.
— Ótimo. Muito bom. Então... até sábado.
—Até sábado.
O momento seguinte pegou Diego de surpresa. Wolf deu-lhe um abraço desajeitado e não o soltou. O desejo de que aquela sensação fosse recíproca confirmando-se quando ela também sentiu as mãos dele deslizarem pelas suas costas.
Hernandez murmurou pesaroso próximo ao ouvido da mulher:
— Meu Deus, Natalie... Por que tinha que aparecer aqui, por quê?
— Porque senti sua falta...
Os lábios dela tentaram calá-lo com um beijo tímido. Diego não correspondeu. Ele olhou para dentro da casa, diminuindo o tom de voz até quase virar um sussurro.
— Não posso fazer isso.
— Você está com alguém? — Wolf perguntou ao que Hernandez ficou em silêncio. O entusiasmo dentro dela partiu-se em estilhaços afiados de desapontamento. — Você... está, não está? Meu Deus... Devo mesmo ir embora.
Deu-lhe as costas e caminhou em direção ao carro, rápido o bastante para que ele não tivesse chance de ver seu rosto irromper em lágrimas.
— Ei, Natalie. — Diego chamou.
Ela virou-se mais eufórica do que gostaria.
O quê é?
— O trabalho de sábado. Está mesmo de pé?
Ah. Isso.
— Claro. Não me deixe esperando, tá? — As palavras queimaram na garganta, mesmo assim a garota deu um sorriso teatral. Vantagens de ser atriz. Então recostou no veículo para procurar as chaves. Péssima hora para perdê-las dentro da bolsa.
Sentiu o toque no ombro e ouviu a voz que disse:
— Espera.
E antes que ela pudesse falar qualquer coisa, Diego a beijou. Dane-se. Natalie era como um tipo especial de heroína na qual ele era viciado. Wolf esqueceu-se da bolsa que caiu aberta no chão, moedinhas tilintaram contra o asfalto, um tubo de gloss rolou para baixo da roda do veículo. Só se repeliram quando escutaram novos passos vindos do corredor. Natalie agachou-se para recolher os objetos inúteis da bolsa e Diego ocupou-se de algo no celular. Ambos disfarçaram bem.
— Nossa, tio Diego! Por que você tá demorando taaanto?
Era a mais velha das sobrinhas. Olhos e ouvidos de algum adulto da casa, aquela pequena espiã.
— Porque estava tratando de trabalho com a senhorita Boggs, Mabel. Pode voltar para dentro, vou logo atrás de você.
Booooggs? — Ela falou de um jeitinho afetado. Os cabelos estavam ainda mais desordenados na trança caótica. — Mas essa não é a...
Diego não deixou a garota completar a frase, deu uma piscadela e fez um gesto de silêncio com o indicador. E Mabel Hernandez adorou ser a cúmplice daquele segredo.
Natalie achou as chaves. Despediu-se de Diego e da garotinha que agora estava agarrada ao braço de Hernandez como se tivesse algum direito sobre ele que a atriz não possuía. Deu a partida no carro e o barulho do motor tornou sua respiração inaudível. Seus olhos azuis acompanharam as duas pessoas de altura diametralmente opostas desaparecendo à primeira curva. Analisou o bairro pela última vez. O concreto opaco que predominava melancólico, a grama descuidada de uma praça onde mulheres fumavam e encaravam o carro dela com desdém.
Definitivamente, aquele lugar não combinava com Los Angeles. Pelo menos não a parte do glamour e pompa. Mas as famílias ricas de Beverly Hills precisavam de imigrantes para limpar suas mansões, aparar seus jardins e cuidar de suas crianças detestáveis. De motoristas pontuais que não os deixassem se atrasar para eventos estúpidos.
O aroma de um perfume viril agora estava preso entre as tramas do seu cashmere, o gosto do beijo roubado ainda fresco sobre os seus lábios.
De repente Natalie estava chorando. Um choro reconfortante e libertador que a fez se sentir surpreendentemente leve. E pela segunda vez naquele dia, também se lembrou do seu terapeuta.
Aquele intelectual petulante ficaria orgulhoso.

Não Conte aos Paparazzi (concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora