Capítulo 44

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POUCOS MESES DEPOIS



Cristiano ficou encarando. Afinal, o homem parado na porta do prédio não se tratava de um tipo comum. E não eram apenas as tatuagens, os braços tomados por elas, que faziam dele diferente, mas também as roupas, a postura, o cabelo amarrado em um rabo de cavalo curto...
O cara mais parecia um astro do rock.
E, curiosamente, estava apertando o interfone da sua ex-namorada.
Cris não tinha mais nenhum direito de se intrometer na vida de Stela. O fato de ela ter deixado as chaves com o porteiro para que ele próprio pudesse retirar suas coisas confirmava que a garota não fazia questão alguma de encontrá-lo. Mas o rapaz não conseguia fazer conexões básicas naquele momento: seu orgulho ferido estava no comando. Colocou a caixa de papelão de lado e arregaçou as mangas. Dupla utilidade de bíceps bem trabalhados: atrair garotas, mas também intimidar.
Então empurrou a porta de vidro e perguntou sem questão de soar cordial:
— Está procurando quem? — Quando notou que o visitante era estrangeiro repetiu em bom inglês, claro. Publicitários tinham que dominar a língua da terra da rainha se quisessem garantir bons salários.
Brian encarou o homem com cara de quem não quer dividir o lanche e devolveu tão ríspido quanto:
— Uma amiga.
— Hum. Posso saber o que quer com ela?
O músico apertou os olhos, não tinha bem certeza, porque Stela havia excluído das suas redes sociais todas as fotos sugestivas de que ela havia levado o namoro à diante, mas o rosto daquele mauricinho arrogante não lhe era estranho.
— Por acaso você é...
— O namorado dela? Sim, sou. — Cris, o grande mentiroso da vez, elevou o queixo tentando ganhar alguns centímetros com o gesto. — E você quem é?
Brian contraiu a mandíbula, a circulação do rosto parando em algum momento. Merda. Ok. Dentre todas as possibilidades, deveria ter cogitado dar de cara com o atual de Stela quando chegasse ali e não apenas criado finais românticos à lá Nicholas Sparks. (Havia chorado em Diário de Uma Paixão, apesar de que nem se ameaçado de morte, admitiria isso para alguém). Já até podia antever Ingrid dizendo-lhe quando voltasse ao hotel: "Eu avisei! Ninguém chega assim de surpresa na casa de outra pessoa!".
Não iria contar para ela.
Mordeu o interior da boca antes de responder:
— Sou um conhecido da Stela, me chamo Brian.
E Cris engoliu em seco a informação.
— Brian? — Ele piscou, fazendo a devida associação. Lembrou-se do serviço de publicidade feito nos últimos meses para o show de rock que ocorreria aquele fim de semana. Horas extras depois do expediente, uma loucura. — Peraí. Brian... Carter? Vocalista da Dark Paradise?
— Sim. — Como se ter a profissão mais cobiçada do mundo não fosse o suficiente, Brian achou por bem acrescentar. —E também ex da sua garota.
A atualização de currículo veio acompanhada de um sorriso cruel.
Brian Carter e ex de Stela. Ambas as informações recaíram sobre Cris como um peso de algumas toneladas. O homem que fazia garotas arrancarem os cabelos e recebia no palco calcinhas suficientes para abrir o próprio departamento de roupas íntimas, era o cara que o publicitário vinha tentando substituir.
É. Não era só Cristiano... Homem nenhum poderia competir com aquilo.
— Bem... Agora tudo faz sentido. — Cris molhou os lábios e cruzou os braços, músculos do bíceps quase explodindo a manga da camisa. — Você causou um dano imenso à Stela. E eu quero que vá embora daqui.
Brian arregalou os olhos e bufou uma risada.
— Sério? Um dano imenso?
Cris o encarou, o nó que havia surgido em sua mandíbula saltando ainda mais no rosto.
— Qual é a graça?
— O que você acabou de dizer. Porque não fui eu, foi ela quem saiu fora.
Oh. Ali estava a primeira informação realmente agradável que saiu da boca daquela personificação do mal. Cristiano, no entanto, não deixou transparecer seu deleite.
— Então o que tinha em mente vindo aqui, hein? Tentaria convencê-la a terminar um relacionamento feliz e saudável e voltar para você?
Brian não tinha pensado naquilo antes. Mas sim. Era mais ou menos isso. Só que adoraria alterar a parte do "feliz e saudável" para algo como "monótono e com o cara errado". Entretanto, o que Carter disse foi:
— Não. Apenas queria saber como ela está. Vim como um amigo, só isso. Nada de segundas intenções.
Cris suspirou, acalmando, ou quase isso, porque a verdade era que toda aquela situação estava lhe matando.
— Ah. Ok. Ela está bem. Mas não está aqui. Foi passar o fim de semana na casa dos pais, e não aqui, é fora do Rio.
— É, eu sei. — Brian falou, assim, meio que sem querer. — Que é fora do Rio, quero dizer.
Uma ruga apareceu entre as sobrancelhas de Cristiano.
— Você os conhece?
— Sim... — De repente, Brian sentiu-se detentor de algum tipo de vantagem. — Você não?
Fumaça poderia sair das narinas dilatadas de Cris antes dele começar a dizer:
— Bem, isso não te diz respeito, certo? Agora se me dá licença eu... — Cristiano deu uma olhada para a caixa obstruindo a porta do prédio, a ideia suja brilhou nos seus olhos — preciso terminar de trazer minhas coisas para o apartamento. Vamos morar juntos, eu e a Stela. Então se quiser dizer algo para ela que não envolva furar meu olho, pode me falar que eu repasso a informação.
Ah, merda.
Péssima ideia. Péssima, péssima ideia a de Brian ir até o Rio de Janeiro aquele final de semana. E o fato de ter um show para trinta mil pessoas num ginásio mais tarde não amenizava isso naquele momento. Ele deveria ter ligado, como Ingrid sugeriu. Claro. Isso, se ainda tivesse o telefone da garota em sua lista de contatos. Havia deletado o número depois da última conversa que tiveram.
— Ah... — A boca de Carter formou uma curva, então sua voz baixou meio tom: vergonha. — Que... bom para vocês...
Cristiano deu um sorriso sem direito a dentes, o tipo que você oferece a alguém quando está sofrendo de constipação. Só agora com os ânimos mais refreados, foi que o publicitário percebeu o embrulho na mão do intruso. Brian captou a deixa e logo tratou de dizer:
— Pode então só entregar este livro para ela, por favor? É o último do Amit Goswami. E... diz que eu mandei lembranças.
Cris deu um aceno em concordância. Pegou o pacote e apertou para ter certeza do conteúdo.
— É um romance?
Brian fez uma careta de censura. A garota odiava romances e um namorado que se preze deveria saber disso. Ele sabia.
— Não, é um livro de física quântica. E é o autor favorito dela.
— Ah. Sim... já... ouvi ela comentar. Bem, ao menos não é um buquê de rosas. — Cris riu presunçoso, mas ainda com cara de poucos amigos.
E Brian não conseguiu manter sua grande boca fechada.
— Buquê de rosas? Não, não mesmo. Eu jamais traria um buquê de rosas. Porque ela as acha medíocres. Eu traria girassóis que são suas flores favoritas, e também uma caixa de chocolates. Fica a dica, caso essa também seja outra coisa que não saiba sobre sua garota, hum?
O rosto de Cris ficou com marcas vermelhas como de um desenho animado, sangue ardendo em seus olhos castanhos.
— Olha aqui — deu um passo em direção a Carter e levantou um dedo — você poderia ser o presidente dos Estados Unidos, o Papa... — parou para repensar o quão superior eram seus exemplos se comparados a um vocalista de rock milionário — ou... o Presidente e o Papa juntos. Eu não me importo. Não pense que pode chegar aqui botando banca e insinuar que não conheço minha namorada tão bem quanto você.
Brian até pensou em recuar um passo, mas contrariando todo o bom senso que não existia nele aquele momento, deu dois para frente. Ninguém estava pensando ali, eram apenas Neandertais querendo marcar território sobre uma mulher a alguns quilômetros de distância.
O vocalista o encarou com olhos estreitados e a voz dura:
— Quer saber? Eu não insinuei. Eu afirmei. — Então forçou um sorriso. — Mas se ela escolheu você, desejo mesmo que sejam felizes.
Cristiano fungou. Estava fazendo um exercício e tanto de autocontrole, muito dele relacionado à interpretação: continuar bancando o namorado oficial quando o mais perto de suas bolas que Stela estava disposta a chegar seria para arrancá-las se soubesse o que estava acontecendo ali. A garota não o perdoaria. Mas que se foda. Foi ela quem magoou os sentimentos do publicitário primeiro.
— Já acabou? — Cristiano disse.
— Já sim.
— Então dê logo o fora daqui.
Nada mais precisava ser dito. E Carter já estava se preparando para atravessar a rua, tomado pela aceitação, quando Cristiano ladrou de uma distância segura.
— E Brian Carter, você ficar andando sem seguranças por aí... aqui é o Rio de Janeiro, colega. Pode ser assaltado, ou coisa pior. Aliás... Será que saberia se defender sozinho de uma surra?
Cristiano o estava intimidando. Brian deveria ter ignorado e caminhado até o carro, e então seguido sua vida, voltado para o hotel, cantado suas músicas, ser consolado após o show por algumas daquelas fãs generosas que o veneravam como um deus. Deveria esquecer de vez tudo aquilo.
Mas tudo isso poderia esperar. Porque naquele momento, só o que Brian enxergava era Cristiano parado na sarjeta sorrindo como um grande filho da puta e com escárnio brilhando nos olhos.
O sorriso, o escárnio e também um ou dois dentes.
Brian adoraria arrancar isso tudo da cara dele.

***

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