E#14

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  Chego no hotel pisando em ovos, porque não quero que Rocco me veja, ele mexe comigo, o desgraçado, e eu odeio isso, odeio perceber que alguém mexe comigo ao ponto de eu querer mudar minhas atitudes.

— Oh, Joy, essas roupas são tão lindas!- Salete organiza as muitas bolsas de loja no meu closet.

— Eu me animei um pouquinho e comprei algumas coisas- Dou de  ombros, com desinteresse.

— Lindas, Joy, são lindas!

Solto uma risada sonora. Salete me bajula tanto!

— Eu quero que doe todas as minhas  roupas antigas, Salete.  

Ela olha pra mim sem acreditar no que digo.

— O que eu ando perdendo, Joy?

Outra risada minha ecoa no quarto.

— Nada, eu só quero limpar o  guarda-roupa, comprei coisa nova,  lembra?  

  Salete concorda com a cabeça parecendo uma boba. Então volta a si e  muda o assunto:

— Aquele homem perguntou por você!

Finjo-me de desentendida com a informação.

— Que homem?

— O policial, Joy!

Contenho o sorriso.

— Hum, e o que você disse?

— A verdade, oras- Ela dá de ombros—
Que você estava fora trabalhando e que  voltaria em breve.

Sorrio pra ela.

— Ótimo, Salete!

Ele não precisava saber onde eu estava, mas a Salete não se segura.

— Esse menino gostou de você, filha!

Bah! Conversa.

— É impressão- Seguro um terno da pilha que montei na cama— Vou  trabalhar no escritório até tarde, pode servir meu jantar lá.

Corro para o banheiro com o terninho em mãos.

— Quer jantar algo em específico?

— Ah, não! O que o cozinheiro fizer está bom pra mim.  

E é verdade, não quero nada de  especial, é tudo comida, tudo  serve!

  Visto meu terninho com a saia preta e blase da mesma cor, uma blusa branca decotada em meus seios pequenos e  discretos, e nada mais nada menos que meu sapatênis preferido. 

Eu lá sou louca de calçar um salto e me  estatelar no chão?! 

Então, nada de salto! 

  Decido me trancar no escritório o resto  da tarde, trabalhar coordenando o hotel como uma condenada trabalharia por  sua liberdade.  

  Não posso mais negligenciar minhas  responsabilidades, sei que tenho um buraco enorme no meu peito...

  E isso foi uma metáfora, porque graças aos céus meu coração anda "muy bien".

  Mas o fato a ser ressaltado aqui, é que ficar pra sempre me lamentando não dá, está na hora de honrar meus pais! 

  Suspiro, entrando no escritório que  tantas vezes foi o refúgio do meu pai,  eu sempre via ele atrás dessa mesa e pensava que nada destruiria ele, para mim ele era inabalável, mas bastou um incêndio para ele ser reitarado de mim  bruscamente. 

  Lembro-me de ter chorado por dias,  lembro-me do meu corpo queimado, lembro-me do meu peito se partindo em  zilhoes de pedaços!

  Foi a pior época da minha vida, porque  dali pra frente, tudo se resume em antes  e depois daquele dia.  

  Por mais lembranças dolorosas que o  escritório possa me trazer, também  sinto uma sensação de paz emanando daqui, e é sensação que acaba tornando minhas horas de trabalho mais  prazerosas.   

  Quando levanto os olhos do  computador, está tudo escuro do lado  de fora, mas não aqui dentro, porque as luze  são programadas para ligar em  horário determinado.   

Ouço uma batida na porta e Salete põe  a cabeça pra dentro.

— Joy, querida, são quase 7hs, e seu  jantar está pronto- Ela parece exitante na porta— Posso entrar?  

Aceno para que Salete entre, sei que ela exita, por respeitar o lugar.

Ela entra e trás consigo um carrinho com minha janta.

— Obrigada, Salete.  

Ela serve minha comida e fica esperando meus comandos. 

Odeio isso nela!

— Salete, para com isso, senta ai!- Ela exita- Por favor!

Ela parece aceitar e senta em minha frente.

— Sirva-se, por favor, não quero comer sozinha.

— Oh, Joy, não!  

Dispenso o comentário dela com a mão.

— Vai comer comigo, Salete!- Digo com convicção— Você não é minha vassala para que fique esperando comandos meus, então acho melhor jantar comigo, e sem reclamações!  

Salete acena positivamente com a cabeça e acaba servindo a janta pra si.

— Sabe, Salete, quero mudar esse  escritório- Comento entre uma garfada e outra. 

Ela arregala os olhos.

— Oh, Joy- Seus olhos se enchem de  lagrimas.

Sorrio terna para ela.

— Vou desmontar tudo que é do meu  pai e guardar, quero começar uma nova era nos hotéis Morgan, preciso fechar essa página dolorosa em minha vida, quero recomeçar com boas memórias dos meus pais.  

  Estou contando isso para Salete, porque  ela entende meu turbilhão, ela viu tudo  que passei, mas fui uma sobrevivente  mal agradecida por um bom tempo.

— Eu acho isso bom!

Balanço a cabeça, numa afirmativa.

— Ok, agora come aí, mulher.  

Salete concorda com a cabeça, rindo, e então comemos em silêncio. 

  Sinto que posso mudar qualquer coisa, desde que eu mude a minha forma de ver as coisas! 

Eu com certeza precisava acordar desse torpor!

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Joy não vai conseguir fugir por tanto tempo, vai ter de encarar Rocco em algum momento, que será logo!
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