E#23

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  A noite chega e Rocco me leva para um  pequeno e intimista restaurante a beira mar na cidade, lá ele gentilmente paga um violinista para tocar uma música desconhecida aos meus ouvidos, mas tão belíssima que meu coração bobo nem liga se conheço ou não a música.

  Meu coração só liga mesmo para o quanto Rocco foi fofo e prestativo ao  me mostrar algo diferente ao qual não estou adaptada.

  Depois do jantar decidimos passear pela cidade, coisa que já não faço faz um tempo.

Eu me enclausuro tanto, que esqueço que a cidade onde moro é bem bonita.

— Eu adorei!- Digo, me referindo a nossa noite, enquanto passeamos pela orla da cidade.  

  Parecemos um casal de namorados comum, só mais um em meio a tantos  outros que andam por ali, porém para mim esse acontecimento é especial, é algo renovador e totalmente fora da minha rotina.

— Eu achei mesmo que iria gostar!- Ele conclui.

— Não foi só o lugar ao qual fomos que gostei, a companhia também!- Beijo sua mão que está entrelaçada a minha— Obrigada.

— Foi uma coisinha de nada, Joy, fiz para vê-la feliz.

— Mas ainda assim, importante.

Ele sorri pra mim.

— Se você diz...  

  A gente olha para Rocco e não imagina esse ser meigo e prestativo, mas ele é!

  Arrisco até a dizer que Rocco é muito mais surpreendente do que eu  imaginava! 

  Caminhamos por cerca de uma hora pelas ruas iluminadas e movimentadas da orla, observando a paisagem do rio que corta a cidade e sentindo a brisa da noite batendo em nossos rostos.

Está tudo perfeito!

  Estamos voltando por uma rua mais estreita e totalmente arborizada, para pegar o carro, quando avisto um prédio ao qual conheço muito bem, mas que tinha me esquecido que ficava por aqui.

O quartel de bombeiros!

— Bombeiros- Murmuro, sombria.

Rocco me encara e diz:

— Sim, é aqui a sede dos bombeiros- Ele parece alheio aos meus pensamentos.

Paro por um instante para analisar o  prédio.

— Eu nunca tinha visto o prédio deles, nunca quis, na verdade, bombeiros me lembra...- As palavras morrem em minha boca. 

Rocco dá de ombros ao meu lado.

— Eu passo por aqui algumas vezes  quando faço a ronda.  

  Mal ouço Rocco agora, me perco totalmente em pensamentos e mal  ouço ele destrinchar sobre o que sabe  sobre o corpo de bombeiros. 

  Minha mente viaja para três anos atrás, quando o apartamento ao qual  morávamos estava em chamas, quando acordei no meio da noite, quando eu gritei por ajuda, mas meus pulmões já estavam se enchendo com aquela fumaça, e eu não via ou ouvia meus pais, tudo que era visível era apenas o fogo corroendo parte por parte do apartamento.  

  Dias depois, quando acordei do coma no hospital, depois de receber a notícia terrível sobre a morte dos meus pais, fiquei sabendo que um grupo específico de bombeiros me tiraram do fogo, me recordo claramente do nome ao qual eles se denominavam: "Os Casacas".

  Eles salvaram a mim, mas meus pais e tantas outras pessoas não tiveram sorte.  

  Eu os agradeci, muito até, sei que é um trabalho difícil salvar vidas por aí, e eu devo a minha a eles!

  Suspirando, me forço a voltar no  tempo outra vez e encarar um Rocco com o semblante preocupado.

— Você está bem?

Olho para ele sem expressão.

— Eles salvaram minha vida!

Rocco me encara, parecendo entender do que estou falando.

— Entendo!- Ele diz— Sei como deve ser difícil se recordar daquele dia.  

  Passo um braço por sua cintura e o  abraço, estou com medo das  lembranças!

— Lembrar é um porre- Seguro o choro— Minha vida mudou drasticamente quando meus pais morreram, tudo desandou.

Rocco aperta meus ombros com delicadeza.

— Eu sinto tanto por você!- Ele acaricia meu rosto, com desolação.

— Passei meses querendo ter morrido  no lugar deles, porque dói demais saber que eles morreram tão cedo- Enfio meu rosto no peito dele— E eu quase pensei que morreria mesmo com as queimaduras no corpo.

Rocco me encara, antes de engolir em seco.

— Deve ter sido muito doloroso pra você, não consigo nem imaginar quão  excruciante deva ser essa dor, Joy.

  Pisco o olho rápido para evitar as  lágrimas, porque eu vejo no rosto do Rocco que ele é empático o suficiente  para entender minha dor.

— Eu nem sei ao certo porque o imbecil colocou fogo em um dos andares do prédio, mas lembro de Salete comentar com o Ramon, em um dos muitos dias em que eu fingia dormir, que ele tinha uma ex morando no prédio, meu pai a defendeu certa vez, quando o doente a atacou, o bastardo quis vingança, não contente em matar a ex, matou outras famílias também que moravam no mesmo andar, além de tirar a própria vida, no fim de tudo, claro!  

Ele solta um suspiro ao me abraçar.

— Os seres humanos são esquisitos, e muitas vezes psicodélicos ao ponto de  magoar os outros e encontrar sua própria satisfação nisso.  

Enfio mais meu rosto no seu peito, tentando aplacar a dor.

— Eu teria morrido caso "Os Casacas"  não fossem tão eficientes e rápidos fazendo seu trabalho.

— Nem me diga uma coisa dessas!- Ele  diz— E vamos sair daqui, você não está bem!  

  Deixo-me ser guiada até o carro, inerte  em pensamentos, indo e voltando para aquele dia.  

Será que nunca vou superar esse  episódio?

Dói demais! 

  E eu ainda sinto tudo recente, mesmo tendo passado um tempo considerável desde aquele fatídico dia.

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Quem lembra de Os casacas?
🤔

É o agrupamento de bombeiros que o Eloy faz parte, e aí está a conexão Enigmática-Cativante
😊✌

Que história dolorosa da Joy, né?
😐

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