Capítulo 1

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EU ESTAVA CHATEADA E NÃO PODERIA FINGIR O CONTRÁRIO . Embora Tyson tenha me convidado para o baile de primavera, ainda assim, o cara que eu queria ali ao meu lado estava bem distante, sem sequer fazer ideia de que meus sentimentos por ele eram tão ou mais profundos do que eu alegava.
Por ser um espírito muito mais livre e despojado do que minha irmã mais velha, Rainbow, as pessoas tinham uma ideia errada de mim. E eu deixava.
Porque aquilo fazia parte do meu jeito de manter uma faceta minha completamente escondida dos outros. Eu não gostava que ninguém descobrisse que dentro de mim havia um lado muito mais romântico e incurável do que se imaginava. Eu gostava que pensassem que eu era volúvel como o vento, que trocava de paixões como quem troca de camiseta, exatamente para proteger os sentimentos que eu fazia questão de manter guardados só para mim e meu diário. Meu diário fofo.
Okay, me julguem. Eu ainda tenho um diário como melhor companheiro de sempre. É ali que eu deposito meus pensamentos e deixo minhas ideias vagarem livres. E eu preciso mantê-lo escondido do Storm, que vasculha minhas coisas à procura do Santo Graal, como assim ele o chamava.
Era no diário que eu havia confidenciado todo o amor platônico que senti por Mike Crawford durante todo o ano anterior, quando ele estudou com Thomas, o namorado da minha irmã.
Mike era o receptor, o receiver, do time de futebol americano e agora, formado no Ensino Médio, jogava por Princeton, a mesma Universidade onde Thomas havia se matriculado, para ficar próximo de Rainbow. Fiquei mais do que surpresa com minha irmã mais velha. No ano anterior, ela era uma concha fechada e completamente obsoleta. Não fazia questão de se enturmar com absolutamente nenhuma pessoa na face da Terra, salvo se fossem personagens fictícios de seus livros de Literatura. Nem hot eram esses livros, pelo amor de Deus. Eu pensando que minha irmã estava toda enamorada por Christian Grey, quando na verdade ela curtia uma paixão sutil por Mr. Darcy, de Orgulho e Preconceito . Pelo amor de Deus. Era um lado muito culto, que eu já não tinha.
Daí eu me sentia um pouco torta de uma maneira estranha. Eu e Rainbow éramos como água e vinho. Não vou nem dizer água e óleo, porque essas duas substâncias não se misturam nunca, e eu e ela tínhamos uma boa relação. Consegui, inclusive, incutir algum senso de moda na vida daquela criatura.
Agora ela andava um pouco mais arrumadinha e fazia jus à honra de ter como namorado o cara mais gostoso do pedaço. Se Thomas Reynard já era um pedaço de mau caminho naquela época, quando era o quarterback do time na escola, imagine agora que era o quarterback reserva de Princeton?
Eita. Eu tive que me abanar, porque a imagem por si só já me deixava eufórica, mas, ao mesmo tempo, tive que me estapear, já que eu estava ofegando pelo namorado da minha irmã, pelo amor de Deus!
Claro que se Mike Tapado Crawford não fosse tão teimoso e, repito, tapado, eu poderia estar ofegando, neste momento, por ele.
Senti a mão de Tyson em meu ombro e fingi um sorriso que não queria dar.
- Hey, gata. - Custei a não revirar os olhos e bufar de maneira nem um pouco elegante. Se havia algo que eu odiava era que alguém me chamasse de gata. - Vamos dançar... você já bebeu seu ponche, já conversou com Jamylle e Tayllie, agora é a minha vez de desfrutar da sua companhia.
- Tyson, eu estou com uma unha encravada... por isso estou mais quieta. Estou arrependida de ter escolhido este salto. - Apontei para o sapato maldito e não senti culpa nenhuma em mentir sobre o estado da minha unha, que passa bem, obrigada.
- Vamos, Sunny... por favor, gatinha. Maldita hora em que aceitei ir ao baile com ele. Recebi dois convites. DeTyson Creed e Maxwell Stevens. Mas quem escolhi? O que eu achava mais bonito. Meu lado fútil falou mais alto e agora eu estava pagando um preço altíssimo por aquele pecado, porque o garoto era insuportável.
Era muito errado se eu dançasse com ele e fechasse os olhos imaginando que estava nos braços de outro?
Eu sabia que estava enganando meu pobre coração fantasiando com um garoto proibido. Mike agora era um universitário. Deixou o posto de veterano da escola, no Ensino Médio, que já era um patamar altíssimo para mim, e se elevou ao cargo mais alto na escala máxima e inalcançável na vida de uma reles mortal. Meu lado dramático estava afloradíssimo. Quando Tyson enlaçou minha cintura, permiti que puxasse meu corpo contra o seu, já que a música era uma balada lenta, mas não fiquei satisfeita, pois não queria que ele tivesse ideias. Tentando não fazer contato visual, deitei a cabeça no ombro dele e apenas deixei que meus pensamentos vagassem para a última memória que tinha de Mike.
Eu estava terminando de pintar as unhas dos pés de um tom azul fulgurante quando ouvi o som de vozes no andar inferior. Eu sabia que Thomas passaria ali mais tarde para se despedir de Rainbow, já que iria para Princeton, para o início de suas aulas.
- Sunny!
Ouvi Rain me chamar e estranhei, já que ela sempre fazia questão de manter o bonitão só pra ela. Mas quem a culparia, não é mesmo? Eu faria exatamente igual.
Sacudi meus pés no ar, na tentativa ridícula de fazer com que o esmalte secasse um pouco mais rápido.
- Desça aqui! Thomas e Mike querem se despedir!
Quando ela disse aquilo, senti meu coração pular três batidas e pensei que poderia estar com alguma espécie de arritmia. Talvez até mesmo precisasse de um desfibrilador rápido, só pra garantir o retorno da onda Q, mas enfim... Quase caí da cama, na pressa em sair do quarto. Antes de descer, conferi meu visual no espelho que ficava no corredor à frente da escada e vi que estava tudo no lugar. Cabelo sem frizz? Checado. Blusa legal?Checada. Sutiã mantendo tudo no lugar e nenhuma alça fora? Checado. Bunda pequena e comportada na calça jeans skinny? Checado, com ressalvas na parte da bunda pequena. Meu traseiro era um trunfo, mas me irritava profundamente. Digamos que Rainbow tinha airbags. Eu tinha amortecedores traseiros.
Quase voei da escada quando tropecei no degrau e percebi que borrei a porra do esmalte.
- Caralhooooo...
Quando cheguei à base, notei que Thomas e Mike estavam exatamente ali e tinham ouvido meu pequeno desabafo verbal. E nem um pouco politicamente correto.
Senti o rosto esquentar um pouco e, talvez, pode ser que tenha ficado um pouco avermelhado, como um pimentão. Dei um sorriso sutil. - Olá. Desculpem por isso.
Meeeerda! Olhei para o carpete do degrau da escada e percebi imediatamente que o esmalte azul tinha deixado uma mancha lá. Um baita rastro. Minha mãe comeria meu fígado na manteiga, besuntado com um pouco de ervas e manjericão. Droga.
- Só um instante, meninos. Subi correndo as escadas e peguei meu kit de removedores de esmalte.
Quando desci, vi que Rainbow já estava entretendo os rapazes na cozinha. Ótimo. Assim eu não teria plateia para a limpeza da minha cena do crime. Fora que também escaparia do esporro que receberia por conta do carpete.
Ajoelhei no pé da escada e, com um algodão embebido em removedor, dediquei-me à tarefa hercúlea de tentar remover a mancha azul-petróleo, que ficava linda, diga-se de passagem, na minha unha, mas adquiria um tom adquiria um tom funesto no maldito carpete.
Minha concentração era quase no mesmo nível que a da equipe de criminalística do CSI NY, então eu estava abduzida totalmente na tarefa e não percebi a aproximação de ninguém, até que ouvi o pigarro.
- Uma bela vista a que tenho daqui - a voz que eu reconheceria em qualquer lugar do mundo disse.
Corei até a raiz dos cabelos e te juro, se isso fosse possível, minha cabeleira negra teria se transformado em um tom maravilhoso de vermelho-escarlate naquele instante.
Esperei um pouco para recobrar a compostura e fechei o frasco do removedor, tentando evitar um desastre maior, já que minhas mãos estavam mais trêmulas do que as do Sr. Jacobson, um antigo vizinho, e ele tinha Parkinson severo.
- Oh, eu cometi um pequeno deslize e preciso eliminar a cena do crime antes que Rainbow caia matando em cima de mim - falei, tentando parecer jovial. Mike me deixava nervosa. Toda a minha jocosidade ia embora pelo ralo quando estávamos no mesmo lugar.
- Entendi. Você poderia continuar. Eu estava achando seu trabalho muito interessante. - Quando olhei para o rosto dele, percebi um sorriso matreiro e, em seus olhos azuis, brilhava uma leve fagulha de... luxúria?
O quê? Okay. Talvez fosse pelo fato de que a minha bunda estivesse dando o ar da graça. Maldita bunda. Sempre fazendo aparição antes da minha inteligência.
Eu ri descaradamente, tentando aliviar o clima.
- Seu tarado. Você estava olhando para o meu traseiro, Mike? - perguntei de supetão.
O idiota nem sequer pestanejou. Achei que ele fosse ficar ressabiado, envergonhado, qualquer coisa que terminasse com o sufixo "ado", mas não rolou.
Ele simplesmente continuou encostado na parede, olhando-me atentamente.
- Se eu confessar o crime, vou ter direito à penitência? - Você vê algum padre aqui? - devolvi a brincadeira.
- Garota, você é dura na queda, não? - Ele riu. Ergui meu corpo por completo e o encarei de frente. Larguei o chumaço de algodão e o frasco do produto e coloquei minhas mãos nos bolsos de trás do meu jeans. Ainda bem que não tinha pintado as unhas das mãos. Ou eu teria totalmente estragado o serviço.
- Então... vocês vão seguir para Princeton? - perguntei o óbvio. Quase dei um tapa na minha própria cabeça. Imbecil. Assim ele saberia que eu estava stalkeando a vida dele.
- Yeap. A ideia é ficar durante a semana e voltar nos finais de semana. Mike não era muito falador. Ele era conhecido por ser extremamente introspectivo e centrado.
Ao contrário do que muita gente esperava, Mike não era festeiro, mesmo quando ocupava o posto de receptor mais fantástico da escola, mesmo que as garotas pulassem de biquíni à sua frente e mesmo que você acenasse em sua cara que estava a fim dele.
Não que eu tenha feito alguma das coisas citadas.
- Legal.
Idiota. Onde estava toda a minha esperteza? Minha leveza e jovialidade em conversar como uma maritaca, sem dar bola para o que pensassem de mim? Eu fazia o estereótipo da garota tapada e avoada, mas somente quem me conhecia de verdade conseguia vislumbrar a verdadeira essência de quem realmente era Sunshine Walker.
Mike coçou a cabeça e pareceu um pouco sem jeito, já que o papo não evoluiu.
Vamos lá. Houve uma festa, há um tempo, onde eu dancei com ele e digamos assim que... trocamos um beijo ardente. Depois daquele beijo, Mike simplesmente evaporou e fugiu de mim como se eu tivesse herpes.
Foi desconcertante, mas eu entendi o recado. Ele não queria nada com uma caloura como eu. Ele se formaria no Ensino Médio, enquanto eu ainda seria uma garota escolar. Ou, simplesmente, eu poderia internalizar que eu não signifiquei absolutamente nada para que valesse um décimo de pensamento a mais.
Não como eu pensei nele depois daquilo. Aquele receptor capturou meu coração, exatamente como fazia com a maldita bola oval que Thomas lançava para ele durante um jogo.
E a analogia foi bem similar, porque, no jogo, o receptor pegava a bolinha bonitinha, corria, fugindo dos brutamontes que queriam derrubá-lo no meio do caminho, e fazia o quê? Um touchdown na end zone. E para fazer isso o que ele deveria fazer? Largar a porra da bola oval. Então, analisando o esquema das coisas em minha mente louca, Mike pegou meu coraçãozinho, correu as jardas e boooom! Arremessou o pobre órgão vital longe. E... end zone. Ou... friend zone. Que foi mais ou menos a zona de relacionamento que passamos a manter depois. Ficamos na zona dos amigos apenas.
- Eu gostaria de saber se posso manter contato com você... - ele sondou e pareceu constrangido. Ergui uma sobrancelha, quase em choque diante da questão apresentada, mas consegui me recompor.
- Ahn... claro. Somos amigos, não somos? - Tentei brincar de maneira mais leve possível. Vi quando um dos lados de sua boca se ergueu em um sorriso brando.
- Sim. Claro, Sunny. Thomas apareceu naquele momento com o braço acima dos ombros de Rainbow. Minha irmã estava tão feliz e triste ao mesmo tempo... Espera. Eram dois sentimentos distintos, mas estavam estampados nos olhos dela. Eu imaginava que ela ficaria com saudade de seu namorado fofo. Thomas fora muito mais do que um simples companheiro de beijos quentes. Ele cumpriu a proposta fielmente ao cargo de namorado do ano. O cara desbancou totalmente qualquer outro macho da espécie.
- Assim que eu chegar lá, eu te ligo, okay? E você não precisa ficar - preocupada, Rain, porque vamos fazer um período de teste. Ver se vai funcionar esse esquema de ficar lá durante a semana ou não.
- Thomas segurava o rosto da minha irmã e eu tentava não babar no interlúdio romântico.
Quando olhei para o lado, percebi Mike me observando atentamente.
- Você sabe que vai ser melhor, não é? - Rain falou. - Ficar voltando direto pra cá todo dia vai ser inviável. - Mas podemos descobrir um meio de transporte que facilite - ele teimou. - Posso ver se tem rota do trem. Rainbow riu.
- Thomas, apenas vá, se esforce, estude e volte quando puder, okay? Eu estarei aqui. Até que comecem minhas aulas, nós vamos acabar nos ajustando. - Quando minha irmã tinha ficado tão sábia? Ah, sim... desde sempre e mais ainda quando nossos pais hippies resolveram se aventurar e ficar fora por alguns meses, nos deixando sozinhas e aos cuidados dela.
- Você sabe que vai dar certo. Storm entrou pela porta naquele momento. - Whoa... o que é isso? Reunião de alguma espécie de fraternidade? Vocês entendem que eu não posso ir com vocês, certo? Eu sei que vocês estão aqui tentando me levar junto, mas caras... eu ainda estou na escola, então, por favor, não insistam... Todos rimos, porque não havia jeito de ficar de mau humor ao lado de Storm. A não ser quando ele estava insuportável. E esses eventos eram esporádicos, graças a Deus. Thomas se afastou com Rain, Storm despediu-se de Mike e subiu as escadas, e eu fiquei sozinha novamente.
Mike chegou perto de mim e estendeu a mão para mim.
- Se comporte na escola, Sunny - ele disse e não consegui evitar revirar os olhos. Ele achava que estava falando com quem? A irmã mais nova, porra? - Eu vou manter contato, okay?
- Okie dokie. Sem esperar por aquele movimento, Mike me puxou para um abraço e depositou um beijo no topo da minha cabeça. Eu agarrei a barra de sua camiseta e aspirei singelamente o cheiro gostoso de Old Spice que ele sempre levava. Quando nos separamos, Mike abaixou o rosto e depositou um beijo suave no canto da minha boca. Ah, minha nossa. Eu ia morrer ali. Porque minha vontade era grudar as mãos naqueles cabelos lindos dele e puxá-lo para um replay daquele beijo naquela festa, há tanto tempo... eu queria uma recordação mais vívida. Eu queria tudo dele. Sem mais nem menos, Mike se virou e foi embora. Voltei para o presente quando senti a mão de Tyson deslizando para a minha bunda.
- Tyson?
- Hummm?
- O que você está fazendo? - perguntei numa boa, porque sou gentil, mas eu sabia exatamente o que o idiota estava fazendo e eu apenas queria alertá-lo para o que viria.
- O que você acha, gatinha?
- Que tal se eu achatar suas bolas com uma joelhada certeira, e logo em seguida socar esse seu nariz petulante? - perguntei e o fuzilei, com todo o ódio que eu poderia exprimir em meu olhar. A mão de Tyson continuou no mesmo lugar e seu agarre se tornou mais firme.
- Por que fingir que não quer isso,Sunny? Todo mundo sabe que você gosta de dar uns amassos por aí... - ele falou em deboche.
- É mesmo? E por acaso você soube isso de quem?
- Dos caras...
- Por acaso dos mesmos caras que são seus amigos e que sempre receberam um "não" como resposta minha? - Tentei me livrar de seus braços de tentáculos.
- Ah, qual é, Sunny... você quer isso... vamos. Quanto mais eu me contorcia para sair do agarre brutal, mais Tyson achava graça. Como a pista de dança estava tremeluzindo com as luzes estroboscópicas do caralho, além da música ensurdecedora, eu sabia que ninguém daria atenção ao que estava acontecendo ali, porque, no mínimo, achariam que era algum passo engenhoso de dança.
- Eu acho que a garota mandou você soltá-la, cara. Virei meu rosto rapidamente ao ouvir sua voz. Eu nunca poderia imaginar. Mike estava ali, na minha frente, melhor, às minhas costas, como um cavaleiro de armadura brilhante, disposto a me salvar!

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