Capítulo 23

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DEPOIS DE TUDO ORGANIZADO , EU E RAINBOW NOS DIRIGIMOS ao banheiro do camping, cada uma com sua mochila e troca de roupas, para um banho merecido.Precisávamos tirar a poeira da estrada e do trabalho depois na montagem do acampamento, embora todo o esforço tenha sido dos garotos. Quando as barracas estavam prontas, ajeitamos o que comer e posso dizer que foi até romântico degustar cachorros-quentes à beira de uma fogueira, com o som dos grilos espocando nos ouvidos, e com as estrelas iluminando o céu. Daí chegou aquele momento em que cada um bocejou e sinalizou que era hora de se recolher. Rain me puxou para informar que iríamos tomar uma ducha, Thomas e Mike, provavelmente, fariam a mesma coisa.Claro que banhos de meninas tendiam a ser bem mais demorados. E cheio de cochichos.
— Rain! — sussurrei da baia ao lado. O som do chuveiro abafava um pouco. Eu sabia que tinha apenas outra mulher na área.
— O quê? — respondeu.
— Ei, me passa o shampoo?
— Você tá louca? Vai lavar o cabelo agora de noite?
— Estou nervosa. Vou enrolar no banho — admitiu. Comecei a rir. Típico da minha irmã arranjar algo pra fazer para protelar alguma coisa. — Aqui — passei o frasco por cima do box —, acho que vou lavar o meu também — falei e comecei a rir. O som de sua risada acompanhou e aliviou meu nervosismo.
— Você também está nervosa?
— Sim. Mas não entendo por que você está. Você já dormiu várias vezes com Thomas. Já devia estar acostumada — sondei.
— Dormir é uma coisa. Executar outras coisas é bem diferente. Coloquei a cabeça pra fora do boxe e espiei onde ela estava. Rainbow deu um grito.
— Vocês nunca fizeram nada? — perguntei chocada.
— Não! E sai do meu espaço, palhaça! Volta pro seu boxe! Ou vou derrubar o seu shampoo todo — ameaçou.
— Pelo amor de Deus, esse produto foi caríssimo! Dois dólares no Wal-mart. Nossas risadas aliviavam o estresse do momento.
— Rainbow?
— O quê?
— Por que vocês… ahn… nunca fizeram nada? — perguntei curiosa. Ela esperou um pouco e o frasco de shampoo voltou por cima. Peguei e espalhei produto pelo meu cabelo.
— Porque estou esperando a hora certa. Hummm… tão minha irmã aquilo. E o pior era que pensávamos exatamente da mesma maneira, embora muita gente julgasse o contrário.
— Eu também.
— Eu sei — ela disse.
— O que você sabe?
— Que você está esperando pelo momento certo — falou e, dessa vez, ela espiou pelo boxe. — Você só ostenta a pose de garota levada, Sunny, quando, na verdade, é uma florzinha de candura, cheia de pudores e princípios arraigados aí dentro. Eu sei que você sempre quis ter um momento mais do que especial, com alguém especial, não alguém aleatório, simplesmente para cumprir um protocolo que a sociedade parece exigir das meninas hoje em dia. Que bom que Rainbow conseguia compreender essa faceta tão oculta minha. Ela era uma irmã mais do que especial. Era minha melhor amiga.
— Tipo isso.
— E, sabe? — continuou.
— Hummm?
— Eu acho que você está indo pelo caminho certo. Ouvir aquilo foi meio que um alento ao meu coração. Eu sabia que Tayllie e Jamille me achavam boba por pensar da forma como pensava. Sabia que era uma mente quase incompreensível e que a impressão que passava a todos ao redor era a de que meu espírito era despojado de todas essas amarras e convenções sociais. Nossos pais nos criaram para sermos livres, soltos, conectados com o universo de maneira intensa, e uma das maneiras mais explícita que a mãe sempre fazia
questão de alardear era o amor livre. Os anos dourados da cultura hippie deixaram isso bem marcado na cabeça dos meus pais, embora eles nem tenham vivido a máxima dos anos 1960-1970. Eu nunca poderia ser hipócrita e dizer que a ideia de viver o amor pleno com Mike, ou conhecer a fundo o que as revistas e romances tanto proclamavam, já não tinha rondado a minha cabeça. Rondara e muito. Até demais. A ponto de me fazer acordar no meio da madrugada, e isso era meio tenso e constrangedor de admitir. E saber que minha irmã mais velha também perambulava pela mesma vibe criava até mesmo um alento. Mostrava que podíamos ser muito diferentes em várias frentes, mas éramos bem parecidas em outras. Aquilo fazia com que eu não me sentisse tão alien. O silêncio acabou se instalando por alguns instantes e apenas o som da água escorrendo do chuveiro podia ser ouvida, bem como a outra usuária do banheiro comunitário, que resolveu cantarolar alguma canção folk. Rainbow saiu do banho antes de mim e escutei os ruídos que indicavam que ela vestia suas roupas. Eu me contentei em ficar com o rosto voltado para o jato parco da água, deixando que ele lavasse as preocupações e o medo súbito que havia acabado de acometer meu coração. Quando saí dali, meio que renovei a empolgação ao sacudir o corpo para afastar as gotículas de água, tal qual um cachorro faz depois de um mergulho no lago. Okay, a imagem foi meio grotesca, mas foi engraçada e trouxe um sorriso de volta ao meu rosto.Eu e Rainbow escovamos nossos dentes e voltamos ao local do acampamento, cada uma com sua própria parcela de grilos na cabeça. Mike estava sentado, refestelado, aliás, contra o tronco de uma árvore, e também já havia tomado uma chuveirada, pelos cabelos molhados que pude detectar. Eu era esperta assim. Thomas envolveu minha irmã em um abraço monstruoso e nem um pouco discreto.
— Acho que já é hora de dormir, não é mesmo? — ele disse. Revirei os olhos ante tal fala torpe. Rainbow acabou rindo, ainda mais porque o desaforado simplesmente a carregou no colo, como se ela fosse uma bola de futebol americano. Foi fofo. Mike se levantou de um salto e eu me concentrei em colocar uma mecha úmida do meu cabelo para trás da orelha. Mordi o lábio, porque uma onda de nervosismo me pegou de jeito.
— Você está pronta pra dormir, ou quer olhar as estrelas? — perguntou com gentileza. Own, meu Deus! Ele poderia ser mais educado e gentil? Claro que não. Ou seria um lorde inglês.
— Acho que… podemos ir dormir — falei, meio sem jeito. Mike pegou minha mão e me guiou para dentro de sua barraca, que aos meus olhos inocentes ganhou contornos de uma tenda árabe de um sheik sexy e bonitão, nas areias do deserto e tal. Bom, minha mente viajou para terras longínquas. Ou eu estava tentando me abstrair de um puta estresse que queria devorar minhas entranhas naquele instante. Larguei as tralhas num canto qualquer e retirei o agasalho que cobria o pijama que eu havia vestido por baixo. Era bonitinho e delicado, ao mesmo tempo. Nada Victoria’s Secret, mas enfim… minha meta não era seduzir, certo? Longe de mim… Quando eu estava terminando de retirar as mangas pelos braços,senti Mike me abraçar desajeitadamente, dado o espaço contíguo, dentro da barraca, por trás.
— Sunny?
— Humm?
— Não precisa ficar nervosa, tudo bem? Nós só vamos dormir — ele disse e senti o tom de riso vibrar em sua voz. Acho que respirei profundamente e percebi que ele afundou o nariz mais ainda no vão do meu pescoço.
— Por que você está rindo de mim, Mike? — perguntei e senti meu temperamento subindo como se pegasse carona em um balão de gás hélio.
— Porque você está nervosa, e isso é fofo. E porque você é a garota mais despojada que já conheci na vida, tão livre e faceira, mas, ainda assim, acabou me surpreendendo, quando, na verdade, é tímida, entre quatro paredes…
— Bom, se você contar que isso aqui não é uma parede, mas, sim, lona sintética… — Tentei brincar.
— Viu? Esta é minha Sunny… — Mike disse e me virou de frente pra ele.
— Eu não quero que você fique tensa ou preocupada que eu vá exigir algo de você, Sunshine. Minha intenção é simplesmente desfrutar a sua companhia.Ooookay. Se era aquilo o que ele dizia. Embora eu soubesse que o corpo dele queria bem mais. Claro. O meu também estava meio possuído, mas eu era mulher. Mulheres tendiam a ser muito mais controladas nesse quesito hormonal. Mas eu confiava em Mike. Ele já tinha dado provas mais do que suficientes de que era respeitador e prezava meus desejos acima dos dele. Mike me puxou para o espaço onde um colchão inflável imperava no lugar. Comecei a rir. Minha ideia de acampamento estava sendo desbancada por aquele garoto. Ele e Thomas montaram um palácio no meio do mato. Deitei ao lado dele, colocando meu rosto sobre seu tórax e deixei que as sensações preenchessem meu corpo. O toque delicado de sua mão nos meus cabelos ainda úmidos, o leve ofegar de sua respiração acima da minha cabeça, bem como os momentos em que seus braços me apertavam com um pouco mais de vontade. Tudo aquilo foi um arroubo de sensações conflitantes que colocaram em xeque as resoluções que eu tinha em meu interior. Mike Crawford era único. Um exemplar diferenciado no meio dos caras que permeavam os inúmeros relatos das garotas da minha idade. Meu coração estava agitado, porque eu tinha mais do que certeza absoluta de que eu amava aquele cara com todas as fibras cardíacas do órgão que agora martelava o meu peito. Eu queria poder professar aquele amor e queria ter o jogo de cintura do qual era tão conhecida em ser expert , para saber exatamente como proceder dali por diante. Adormeci sem nem ao menos me esforçar em acalmar as batidas frenéticas do meu coração.

                             MIKE
Sunshine estava dormindo profundamente. Poder sentir o calor de seu corpo, tão próximo ao meu, era como um pequeno duelo de sensações. Era um tormento e um alento. Tudo de maneira simultânea. Quando ela e Rainbow voltaram do banheiro comunitário, percebi imediatamente que seu sorriso era de nervoso. Minha garota podia ser a mais festeira do grupo, a mais risonha, espontânea e cheia de piadas hilárias que faziam dela a pessoa mais amada para se ter ao redor, mas era tímida e estava constrangida em compartilhar algo tão íntimo e pessoal, como aquele ínfimo espaço no qual eu nos confinaria. Minha ideia era tê-la segura a noite toda. Perto o suficiente para saber que ela me pertencia. Não poderia ser hipócrita e dizer que a ideia de levar até o fim não havia sondado minha mente. Claro que sim. Porém abortei totalmente a missão, já que eu achava que Sunshine merecia algo mais especial do que uma primeira vez dentro de uma barraca de camping, em cima de um colchão de ar. Embora estivéssemos confortáveis, eu, ainda assim,sabia que primeiras vezes deveriam ser muito bem cuidadas, e faria questão de tornar a nossa algo muito mais do que especial. Beijei o topo de sua cabeça e aspirei o cheiro de seu shampoo, aquele que sempre me remeteria a ela. Abracei seu corpo com mais força e deixei que o meu, finalmente, se entregasse ao cansaço daquele dia e resvalasse para o sono merecido.
— Eu te amo, Sunny.

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