EU AINDA ESTAVA NA CAMA . COMPLETAMENTE EXAUSTA . Parecia que um trator havia passado por cima do meu corpo e ainda fizera questão de dar ré. E, para conferir o estrago, passara de novo pelo mesmo percurso. Trator filho da puta. Rainbow entrou no meu quarto naquele momento, trazendo uma bandeja de café da manhã. Storm vinha atrás, coçando a cabeça.
— Nossa… vou pedir para ser aviltada toda semana para receber um tratamento vip desses aos sábados — brinquei.
— Cala a boca. Nem brinca com isso, tá? — Storm disse e se jogou na minha cama. No processo, ele quase me arremessou longe, como se meu colchão fosse uma cama elástica. Sentei o melhor que pude, sem gemer, e Rainbow colocou a bandeja no meu colo. Comecei a comer devagarinho. A boca doía. Estava rachada no lado onde levei o tabefe. Eu devia estar um espetáculo. Podia até sentir uma afta enorme se formando por dentro.
— Então… — Storm começou. — O que aconteceu?
— Torm, eu já te contei. A outra parte ainda é uma incógnita pra ela também — Rainbow interferiu. Ergui a sobrancelha e olhei de um para o outro sem entender.
— Ele também notou que Mike agiu estranho, okay? O protocolo indica que o cara deveria checar suas condições vitais, se dividir em dois, fazer um processo de mitose e checar você e a irmã, em partes iguais. Comecei a rir, porque, até numa explicação nerd, Rainbow era fofa.
— Bom, não sei o que aconteceu. Quem sabe ele mesmo possa me dizer, não é? Eu sabia que ele havia tentando saber como eu estava ontem. Mas não respondi. Depois que terminei de comer tudo, Rainbow recolheu e disse que nossos pais tinham ido a um pequeno festival em Manhattan. Droga. Eu poderia apreciar Hoboken, no meio do caminho para o destino final deles. Teria sido legal passear por lá e me esquecer das coisas um pouco. Comer naquela padaria bacana que tem lá… Storm ficou na minha cola, mesmo eu mandando ele ir saudar o Sol, ir plantar batatas, comer macarrão, colar figurinhas, o que quer que ele fizesse. Só saiu quando eu disse para ir tacar o pau no Assassin’s Creed . Só depois do almoço é que a batida suave na porta do meu quarto me despertou dos devaneios. Eu estava lendo um livro no Kindle, mas confesso que já tinha lido o mesmo parágrafo 234 vezes e ainda não tinha conseguido entender como a mocinha conseguira fugir do castelo.
— Posso entrar? — A voz de Mike me fez quase jogar o Kindle longe. Sentei na cama de qualquer jeito e arrumei o cabelo num coque doido.Passei a mão no rosto, mas de que adiantaria? Mike entrou e seus olhos perscrutadores varreram meu corpo e meu rosto por longos segundos.
— Oi — ele disse baixinho.
— Oi. Eu fui bem sucinta na minha resposta. A mágoa tinha, sim, criado uma pequena raiz nefasta de fungo. Eu estava ferida pelo comportamento dele.
— Posso me sentar? Afastei meu corpo um pouco, mas Mike preferiu uma distância bem maior, e aquilo me feriu mais ainda. Ele pegou a cadeira da minha escrivaninha e sentou. Passou as mãos nos cabelos,apoiou os cotovelos nos joelhos e suspirou audivelmente.
— Estou esperando você me contar, Sunny. Franzi as sobrancelhas para seu tom indagador e cheio de acusação.
— Contar o quê?
— Por que você orquestrou essa cilada contra o Max, usando a minha irmã como isca. — Seu tom foi brando, mas a irritação estava ali. Meu choque foi evidente.
— O-o-q-quê? — perguntei chocada. Quase ejetei meu corpo da cama.
— Eu sabia que você não deixaria essa história do Maxwell passar batido, Sunshine. Que você iria dar um jeito de fazer alguma coisa pra pegar o cara no flagra. Eu só não esperava que você fosse usar minha irmã no processo.Arranquei o edredom que me cobria e levantei da cama de supetão. Meus olhos estavam soltando faíscas. Eu acho que eu podia estar parecendo bem um X-Men naquele momento. Mais para Jean Grey, versão Fênix Negra, puuuuuta pra cacete!
— Vo-você está… está me acusando de ter armado essa merda pra cima da sua irmã? — gaguejei. Estava com medo de engasgar com minha própria saliva.
— E não foi? Coincidência você falar que pegaria Max no flagra e logo em seguida isso acontecer, não é?
— Mike… — Passei a mão no meu cabelo, arrancando o coque de qualquer jeito. — Vai. Embora. Do. Meu. Quarto. Agora.
— O quê? Você está com raiva? — ele perguntou chocado.
— Se eu estou com raiva, Mike? Você já me viu com raiva? — perguntei com a voz mais doce. — Você nunca me viu com raiva. Mas você vai ter o desprazer de ver daqui a pouco.
— Sunshine, quem tem que estar puto sou eu!
— Não, seu idiota! Sou eu! Eu! — gritei a plenos pulmões. Acho que a vidraça da minha janela tremeu.
— Eu não tive nada a ver com essa merda, tá? Eu nem queria ter ido à festa ontem! Eu estava chateada com você, por estar me dando a merda do gelo há duas semanas! Estou cansada, cheia de provas, trabalhos, e uma merda de lesão no tornozelo! Vi o idiota subindo e reconheci a sua irmã quando os segui! — continuei gritando. — Eu não fazia ideia de que a Clarice estaria lá! Eu quase nunca interajo com ela!Mike tentava chegar perto de mim agora.
— Aquele… aquele… animal me bateu, tentou me estuprar, tudo porque eu fui impedir que ele fizesse mal à sua irmã! E você fez o quê? Você está me acusando de ter armado pra cima dela! — gritei mais alto ainda. Tanto que atraí Rainbow e Storm para a porta do quarto. Eu estava tremendo de ódio. — Vai. Embora. Daqui!
— Sunny… — Ele tentou me alcançar. — Não. Encosta. Em. Mim! — Sentei na cama e abaixei a cabeça. — Vai embora, Mike. Se você acha que eu seria capaz de fazer uma merda dessas contra a pessoa que eu sei que você ama profundamente e zela com todo o seu coração, então você, definitivamente, não me conhece. Nunca me conheceu. Senti as lágrimas
caindo. Rainbow sentou ao meu lado. — Sunshine…
— Vai embora, Mike — Rainbow disse e seu tom de voz era enfático. — Você conseguiu ferir a Sunny duas vezes, em menos de 24 horas. Com aquilo, eu simplesmente me deitei na cama e virei as costas para ele. Estava tudo acabado ali. Eu precisava de uma playslist bem dramática no meu Spotify. Urgente. E rios de sorvete. E muito chocolate. E um bichinho de pelúcia também. E um cartão de crédito sem limites, e direito a passar um dia inteiro em uma loja M.A.C Pronto. Eu estaria num momento terapêutico para curar um coração arrebentado.MIKE
Merda! Merda! Porra!
Desci as escadas da casa de Sunshine me xingando por dentro e por fora. Que estúpido eu havia sido! Storm desceu trotando atrás de mim e me seguiu até o carro.
— É sério, bro? Que você acusou minha irmã de ter armado essa porra de ontem, pra cima da tua? — perguntou e cruzou os braços à frente do corpo. Passei as mãos pelos meus cabelos e respirei fundo.
— Eu não sabia o que pensar, Storm. Minha irmã não abriu a boca para falar o que aconteceu.
— E aí você calha de acusar a minha, porque a sua resolveu virar uma tumba? — questionou. Ele estava puto. E com razão.
— Eu vou resolver isso com a Sunshine. Storm começou a rir. Quase histericamente.
— Deixa eu te passar a real, bro. A Sunny é um amor de pessoa. Um doce. Brincalhona, amiga, gente boa. O tipo de pessoa que todo mundo quer ter por perto. Ela vai dar o sangue por você. Ela vai lutar por você. — Prestei atenção ao seu discurso, sem saber aonde ele queria chegar. Eu sabia de tudo aquilo. — Ela é leal, não mente, é corajosa e faz merdas épicas, como a de ontem, ao se enfiar sozinha para enfrentar um merda do tamanho de Maxwell, no segundo andar, sendo que a festa inteira estava no andar inferior e ninguém ouviria porra nenhuma.
— Eu sei de tudo isso, Storm.
— O que você não sabe, Mike, é que, quando o coração dela é pisoteado, quando ela é magoada da maneira como eu acabei de ver, algo dentro dela se quebra, entendeu? — ele disse e senti um pedaço do meu próprio coração começar a rachar. — E ela congela pra sempre qualquer sentimento que pudesse ter, porque ela acha que, se deixar, vai ser machucada de novo. Então, parabéns, bro. Você vai deparar com a versão teenager bronzeada da Rainha Elsa, do desenho lá da Frozen , valeu?Ele virou as costas pra mim e saiu. Senti as fagulhas de algo congelando meu peito. O que eu tinha feito, meu Deus? Será que eu tinha perdido a garota que eu amava, por ter sido estúpido e burro?
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Sunshine
Teen FictionEntre as irmãs Walker, Sunshine sempre foi conhecida como a mais descolada e de personalidade expansiva. Sempre se sentindo à sombra da irmã mais velha, Rainbow, tão certinha e centrada, Sunny fazia questão de manter uma imagem de que na verdade não...