Capítulo 28

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DEPOIS QUE MINHA TEMPORADA HOSPITALAR SE ENCERROU , pude ver que não é nem um pouco divertido ou glamoroso, como pintam nas telas de TV e Netflix. Os seriados que mostram as rotinas do mundinho hospitalar só trazem as tramas e dramas que nós, como telespectadores, queremos ver. Especialmente se envolver algum conflito amoroso entre o médico bonitão, ou a médica fantástica, ou ainda a enfermeira galinha que tenta roubar o cirurgião supergato da mocinha do seriado. Enfim, meus devaneios me levaram à conclusão de que a mídia produzia algo mágico para que achássemos interessante o ambiente de um hospital, mas eu não curti. Achei um saco total. Com exceção da companhia constante de Mike, que eu achava que estava matando inúmeras aulas e treinos, em Princeton, para me acompanhar, era extremamente tedioso.
— Ainda bem que foi outro médico que passou pra te dar alta, não é? — Mike zombou, enquanto me ajudava a entrar no seu carro. Evitei revirar os olhos, para que ele não percebesse que bem que eu queria que o médico bonitão tivesse ido lá, dar um tchau, apenas para que eu me lembrasse dos bons momentos e pudesse relatar ao meu diário fofo.
— Ainda ardido no ciúme, Mike? — retruquei no mesmo tom.
— Sério, Sunny. Eu contabilizei quantas vezes aquele médico foi averiguar seus sinais vitais — ele disse e seu tom era irritado. Mesmo irritado, ele era um amor.
— Deixa de ser bobo, já te disse. Você está viajando.
— Não estou, não! O cara estava te paquerando de maneira óbvia! Coloquei o cinto de segurança e Mike partiu rumo à minha casa. Meus pais já tinham sido avisados que eu estava chegando, e parece que minha mãe faria alguma comida especial. Só esperava que não fosse nada com tofu. Eca.Enquanto o carro seguia pelas ruas, eu olhava pela janela. Apoiei meu queixo na mão, apoiada na janela aberta. Deixei que o vento agitasse meus cabelos, livremente. Eu precisava daquele momento, agora que estava fora daquele ambiente confinado. Era simplesmente maravilhoso contemplar o presente da vida. Só nos dávamos conta da fragilidade do nosso corpo, quando nos deparávamos com algo grandioso como o que me aconteceu. Bem, não no nível de Rainbow, que quase teve sua vida ceifada, mas vejam lá… Eu estava de boa, tranquilamente seguindo uma rotina sem grandes problemas, até que uma bactéria insidiosa determinou que meu corpo seria abatido. E agora, depois daqueles dias pensando que meu corpo precisava de uma atenção que eu não estava lhe prestando, percebi que a vida deveria ser vivida de maneira mais intensa do que eu já costumava viver. Não de maneira banal ou desmedida, sem cuidados e jogando fora aquilo que sempre fez de mim a pessoa que sou. Eu deveria usufruir o presente que a vida era. Deveria aproveitar a oportunidade de estar ali ainda, no universo, sentada ao lado de Mike, sentindo o vento no rosto, podendo observar a paisagem que passava bem diante dos meus olhos.Voltei meu rosto para ele, quando o senti entrelaçar os dedos aos meus.
— Por que está tão séria? — perguntou e uma ruga de preocupação estava formada entre suas sobrancelhas. Ajeitei-me de lado, apoiando a cabeça no encosto do assento, de forma que pudesse ficar olhando diretamente pra ele, da maneira que eu mais gostava de fazer.
— Não estou séria, estou?
— Sim. E silenciosa. Isso é incomum em você — ele disse e deu um sorriso. — Pensamentos profundos? Afastei os cabelos que o vento teimava em jogar no meu rosto.
— Sim. E não. Quero dizer, os pensamentos eram profundos, mas não era pra dar a impressão de que estava séria assim desse jeito — falei. — Estava apenas pensando que a vida é linda.Mike olhou para a estrada, para mim e de volta pra frente.
— Você é linda, Sunny.
— Awn, Mike. Eu acho você tão fofo quando resolve ser tão galante assim… — brinquei, mas senti meu rosto corar.
— Não. É verdade. Você é tão linda quanto a vida. Tão linda quanto o Sol. Meu coração sempre saltava de maneira doida e fora do ritmo normal quando Mike falava daquela forma.
— Sabe que nunca gostei que os garotos fizessem trocadilhos com meu nome antes de você? — brinquei e enruguei o nariz quando percebi que ele estava confuso. — Assim, tipo, com as cantadas toscas, sabe? “Sunshine, venha esquentar meus dias, como o Sol” ou “Sunshine, você brilha e arde como o astro-rei”. Mike riu e beijou meus dedos que ainda estavam devidamente enlaçados aos dele.
— Todas essas cantadas podem até ser toscas, mas servem a um propósito maior — brincou.
— Sei. Um silêncio singular imperou no carro por apenas uns segundos antes que ele falasse:
— Eu te amo, Sunny. Talvez como as flores amam o Sol. Isso foi brega? Minha nossa… eu tinha acabado de sair do hospital com um quadro de pielonefrite e Mike queria me devolver com um quadro agudo de coração derretido? Existia aquilo? Aquele quadro clínico? Como eu poderia chegar ao médico e relatar meus sintomas? “Oi, doutor, meu coração está um pouco anormal, porque acho que derreteu com a declaração mais linda que já recebi na vida…”? Será que eu poderia chegar com uma abordagem assim?
— Vindo de você, Mike, nada poderia ser brega. Tudo vai ser lindo. Exatamente como você — falei. Ele me olhou por um tempo longo, beijou meus dedos novamente e colocou nossas mãos entrelaçadas sobre sua perna.Eu amava aquele rapaz com todo o meu coração puro, jocoso, espalhafatoso e cheio de calor, como o meu nome emanava. E a vida estava me dando sinais claros de que Mike era mais do que um presente. Ele era a própria vida. Ele só não se dava conta daquilo ainda.

                             MIKE
Despedir-me de Sunshine e voltar para Princeton era um saco. Confesso que aquela rotina de distância semanal era uma droga. Sunshine criava uma espécie de necessidade viciosa que me fazia sentir como um drogado em crise de abstinência, quando afastado de sua substância preciosa.
— Você promete que vai se cuidar? — perguntei pela milésima vez.
— Siiiiim.
— Vai tomar os remédios no horário certinho? — confirmei e olhei para Rainbow, que tentava manter o semblante sério e os braços cruzados. — Não vai teimar ou tentar seguir a rotina de chá de ervas e plantinhas da sua mãe, vai? — sussurrei ao seu ouvido.
— Rain vai ficar de guarda, não percebeu? Está aí marcando os horários, como um maldito relógio… — ela respondeu e beijou meu queixo. — Vá! Você não tem que treinar ainda hoje?
— Sim. Mas assim que chegar do treino, quando voltar pra casa, te ligo, okay? — eu disse e a beijei, segurando seu rosto firmemente entre minhas mãos.
— Eu te amo.
— Também te amo.
— Te amo todos os dias — falei.
— Te amo todas as noites — ela devolveu e começamos a rir.
— Minha nossa, se vocês falarem mais algum horário do amor, eu juro que vou vomitar — Storm disse da porta da entrada. Estávamos encostados no meu carro. Era difícil dizer adeus. Droga.
— Faltou eles dizerem que se amam todas as tardes — Rainbow zombou.
— Ele sabe que está tudo embutido, seus manés — Sunny respondeu. Eu a abracei fortemente e beijei sua cabeça, seu rosto, a ponta do seu nariz e, por fim, sua boca, criando coragem para entrar atrás daquele volante e partir.Sunshine deu um tapa no meu traseiro, arrancando-me do torpor onde eu tinha me enfiado. — Vá!
Acenei e entrei no carro, dando-lhe tchau, novamente, até que a perdesse de vista pelo espelho retrovisor central. Droga. Eu odiava despedidas. E cada dia estava ficando pior.

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