A música começou e, antes que Mike pudesse mudar a estação de rádio, com um rosnado e um xingamento óbvio à pobre melodia da moda, coloquei a mão sobre a dele, impedindo-o. Sem saber ao certo o que fazia, apenas seguindo meus instintos, resolvi que faria um sorriso
brotar naquele rosto tão compenetrado e sério, desde o momento em que nos encontramos de manhã. Duas semanas já haviam se passado desde nosso passeio inesquecível ao Festival Holi, e Mike tivera um jogo fora do Estado, o que o deixou num mau humor do cão, já que não nos encontramos durante aquele período. Comecei a cantar a música de qualquer maneira mesmo. Sem nem me ligar se estava sendo fiel à letra. Bem, o ritmo, obviamente, era muito fácil de acompanhar.
— Pelo amor de Deus, Sunny — Mike gemeu ao meu lado. Vi seus dedos apertando o volante.
— Tudo, menos Despacito, porra! Continuei a cantarolar como se ele não tivesse falado nada. Minha vontade era soltar o cinto de segurança e dançar um pouco, seguir o ritmo contagiante da melodia, mas me contentei em sacudir os cabelos, balançando o corpo e as mãos, soltando a cigana latina que habitava o meu interior. Podia jurar que o cantor, Fonzi, pensaria que eu era de Porto Rico, e, melhor ainda, me convidaria para entrar no lugar da modelo sexy do clipe, tamanha a minha empolgação e desempenho fantástico. Bem, minha autoestima também estava em um grau elevado. Poder ouvir o riso solto de Mike não tinha preço e valia todo o mico que eu estava pagando ali, tentando gastar meu parco espanhol. E, veja bem, eu disse parco, e não porco, hein? Eu tinha um pouco de noção do idioma e era uma aluna muito aplicada da disciplina. Fora que eu e Enrique Iglesias tínhamos uma longa história de amor.
— Desde quando você sabe cantar em espanhol? — ele gritou por cima da música, para se fazer ouvir. Não adiantava. Músicas empolgantes só deveriam ser ouvidas no máximo volume, compartilhando a emoção, inclusive com o carro ao lado. Acenei para a menina que me dava tchau do banco traseiro.
— Desde as aulas da professora Mercedez! — respondi no mesmo tom.
— “Despacito, quiero respirar tu cuello, despacito… Deja que te diga cosas al oido… Para que te acuerdes si no estás conmigo…” Olhei para o lado e vi Mike sacudindo a cabeça, porém com um sorriso terno nos lábios. E, pasmem… batucando a melodia ao volante.
— Canta comigo, Mike! — implorei.
— Nunca. Eu ri de sua veemência e, mesmo sendo tão brusco em sua resposta crua, ele ainda era um fofo, porque deixou a canção seguir até o final. Quando acabou e o locutor assumiu, abaixei o volume e recostei meu corpo, completamente exausta por conta da performance épica, sobre o encosto do banco.
— Que música fabulosa… superenergizante — disse e bufei uma mecha de cabelo que teimou em cair à frente do meu nariz.
— Sunny?
— Hummm? — Apenas inclinei a cabeça para o lado para olhá-lo. Ele seguia atento à estrada, mas me dava olhares de rabo de olho.
— Estou tentando resgatar meus miolos que sumiram e fugiram pela janela, jogando-se na estrada, com o carro em movimento. — Bufei diante de seu exagero. — Além de ter que lidar com Justin Bieber cantando… Sério, essa letra não tem nada a ver, Sunny. Estou tentando decifrar porque o cara tinha a necessidade de rimar algo com “paredes de tu laberinto” e o que isso significa no contexto… — disse. Comecei a rir e, sem perceber, dei um beijo estalado na bochecha dele. O carro resvalou só um pouquinho, talvez porque eu o tenha apanhado de surpresa em meu movimento súbito.
— Alguém aqui também sabe espanhol, hein? Mike corou. Juro que corou como um garotinho pego em fragrante fazendo alguma arte.
— Digamos que eu só tirava nota A+ nas aulas da professora Mercedez — admitiu. Dei-lhe outro beijo, dessa vez de uma forma mais branda e suave. Esse cara era tão meu… E eu era plenamente dele.MIKE
Ela era, definitivamente, a garota mais bonita do mundo, pra mim. Eu podia estar no pior dos humores, sentindo dores musculares por todo o corpo, com uma vontade infernal de simplesmente rastejar para debaixo de um edredom, mas, ainda assim, somente a possibilidade de estar ao seu lado já transformava a perspectiva do meu dia em algo muito melhor. Eu sabia que estava com raiva porque ficamos mais de uma semana sem conseguir nos ver direito, ou até mesmo nos falar. O treinador nos colocou em um treino intenso e exaustivo, e chegávamos tão esgotados em casa, que Thomas e eu simplesmente dividíamos uma refeição em silêncio na cozinha, compartilhávamos dois comprimidos de Ibuprofeno e cada um caía num sono profundo até o dia seguinte, quando a rotina mortal continuava. O jogo que tivemos contra o time de Maryland State fora brutal, mas garantiu que nós dois firmássemos mais ainda nossas posições no time da universidade. Era certo como o céu era azul que aquilo estava trazendo conflitos aos jogadores veteranos, que viam seus postos sendo ameaçados pelos calouros da pequena cidade de Westwood. Naquele meio-tempo, a vontade maior era o contato e a falta que eu sentia de Sunshine. Não querendo ser um perseguidor de merda, um lado totalmente irracional meu sentia a insegurança florescer, acreditando que ela pudesse acabar cansando da rotina enfadonha de manter um relacionamento com um namorado que mais parecia um zumbi nas horas vagas do que outra coisa. Sunny me provava o contrário. Quando estava comigo, fazia questão de me manter no espírito leve, acender em mim a chama da esperança de que tudo sempre sairia bem no final. E isso se dava pela sua simples presença. Ela era como uma fagulha que iluminava qualquer ambiente escuro ao redor. Sunshine Walker era meu mundo. Poderia cantar as piores músicas que quisesse. Poderia explodir meus tímpanos com suas escolhas musicais. Poderia me colocar em coma eterno com Justin e Fonzi juntos. Desde que estivesse ao meu lado, eu seria capaz de aguentar qualquer tormento.
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Sunshine
Teen FictionEntre as irmãs Walker, Sunshine sempre foi conhecida como a mais descolada e de personalidade expansiva. Sempre se sentindo à sombra da irmã mais velha, Rainbow, tão certinha e centrada, Sunny fazia questão de manter uma imagem de que na verdade não...