Capítulo 26

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QUANDO ACORDEI , MUITO MAIS TARDE , senti o peso nos meus olhos um pouco melhor. Antes era como se minhas pálpebras tivessem seis quilos de maquiagem barata e um par de cílios postiços daqueles típicos que Drag Queens usavam, logo, eu sentia um peso monstro e mal conseguia abrir os olhos. Agora não somente consegui, como também pisquei e pude observar que não estava em casa. Não estava no meu quarto lindo e cheio de coisas fru-frus e que eram a minha cara. Eu estava num lugar totalmente estéril e sem graça. Deduzi, pelo cheiro e o barulhinho irritante ao meu lado, além da fisgada no meu braço, que estava no hospital. Olhei para o lado e dei de cara com Mike dormindo na poltrona ao lado. Ele parecia cansado.Olhei ao redor, tentando achar algo para arremessar nele. Do meu lado havia uma mesinha com um telefone e alguns papéis. Com a mão livre, puxei um papel e fiz uma bolinha. Do ângulo onde eu estava era um pouco difícil, mas eu esperava acertar o alvo. Ao menos eu estava me sentindo bem melhor, então poderia treinar a performance atlética de jogadora de basquete. Arremessei a bolinha. Acertei a testa de Mike, que pulou na mesma hora.
— O quê? — perguntou assustado. Comecei a rir.
— Oi. Ele se levantou rapidamente, quase derrubando a mesa lateral no processo e o acesso venoso que estava atrelado ao meu braço também.
— Sunny! Como você está se sentindo? — perguntou e pegou meu rosto entre suas mãos geladas.
— Bem. Uau… quem vê pensa que acordei de um coma — brinquei.
— Nem brinca com isso, Sunny. Não tem a menor graça — brigou comigo, fazendo cara feia. Até bravo ele era bonito. Passei a mão livre no rosto dele. Estava com saudade. Fazia quantos dias que eu não o via? Sei lá. Eu tinha perdido a noção do tempo. — O que você está fazendo aqui, hein?
— Vim resgatar minha donzela… Eu ri de sua tentativa em ser galante.
— Eca. Uma donzela doente?As donzelas resgatadas só compõem uma imagem digna de filme quando estão em perigo, sendo ameaçadas por um dragão, um vilão, sei lá…
— Podemos dizer que o vilão aqui é uma puta bactéria que você deixou infiltrar nos seus rins? Hein? Como assim? Estava voando e não entendi nada do que ele estava falando.
— O quê?
— Você, senhorita, pegou uma baita infecção nos rins.
— Uau… como se pega isso? — perguntei curiosa.
— Não sei. O seu médico vai passar depois e conversar com você. No momento, você está internada, porque precisa de medicação na veia e precisa ser monitorada.
— Eita… que tenso. Cadê meus pais? — perguntei e tentei me sentar. Mike me ajudou no processo. Nossa, eu devia estar um monstro do pântano. Tentei ajeitar os cabelos, mas,com uma mão amarrada naquele objeto de tortura perfurante, era meio impossível.
— Você continua linda.
— E você continua louco — zombei. Mike abaixou o rosto para me beijar e tentei virar o rosto. Eu devia estar com um bafo de dragão, minha nossa… Eu não queria nem me olhar no espelho, sério.
— Deixa de ser boba, Sunny.
— Mike, sério… mulheres são frescas. Eu sou mais ainda. Eu nem tive tempo de ir ao salão, fazer as unhas, arrumar o cabelo, ou, pior, escovar os dentes… daí, não dá nem pra fazer uma selfie digna de Instagram bombado, com uma legenda legal assim: eu, no hospital, recebendo a visita do meu namorado… — zombei. — Sério… essas merdas só acontecem nos painéis maneiros do Pinterest e Internet. Na prática, se você me der um espelho agora, é capaz dele se partir em milhões de pedaços, assustado com minha própria imagem. Mike começou a rir da minha desgraça.
— Sunshine, você é tão boba. Eu não ligo se você foi ao salão, se arrumou as unhas, se está com as sobrancelhas feitas, se sua pele está sem uma mácula, por conta de maquiagem, que você acha importante. Eu estou pouco me lixando se seu cabelo está desembaraçado, ou se está bagunçado, como agora. O que me importa é que você esteja bem. Porque eu te amo, entendeu? Só isso que me importa. Nada mais.
— Tá bom. Você, mesmo jogando meus argumentos fúteis no chão, ainda consegue ser fofo. — Abracei Mike, passando o braço livre pelo seu pescoço e afundando meu rosto no vão que eu amava mais que tudo. — Eu também te amo.
— Eu te amo mais. Mas você roubou minutos da minha vida ontem.
— Eeeeu? Por quê?
— Primeiro, quando não obtive resposta sua — ele respondeu e imaginei que ficaria encucado. — Segundo, quando soube que estava doente. Terceiro, quando a vi no momento em que entrei no seu quarto. E, por último, quando o médico disse que seu caso poderia ter sido  grave se não tivéssemos corrido contigo para o hospital.
— Oh… uau. Bom, não queria tirar seus minutos de vida. E nem queria perder os meus. Rainbow entrou no quarto naquele momento.
— Aww… que fofo. O casalzinho lindo. Mike tão bonito e refrescante e Sunshine na versão zumbi fashion — falou e arregalei meus olhos.
— Tá vendo, Mike! Eu estou um zumbi!
— Mas um zumbi fashion — ele argumentou. Dei um tapa no braço dele.
— Um zumbi muito sexy, bem ao seu estilo — Rainbow disse. Enquanto isso, ela ia mexendo nas sacolas que havia trazido.
— Olha, trouxe uma camisola mais estilosa pra você. Nada desse lixo medonho do hospital. Esse tom de verde-vômito não combina com sua pele. Comecei a rir. Rainbow nem era entendida de moda, mas eu aceitei de bom grado que a cor da camisola hospitalar não combinava comigo.
— Trouxe shampoo e condicionador decente, e não esse fornecido pelo hospital, que não lava nem um terço do seu cabelo. Também trouxe escova, um batom e rímel. Enfim, seus itens imprescindíveis de maquiagem. Assim você vai poder postar suas selfies no Insta, que sei que ama. Fiquei emocionada com a sensibilidade da minha irmã. Meus olhos até nadaram um pouquinho.
— Nossa, Rain… eu poderia te dar um abraço agora.
— Pode deixar. Você me dá depois. Se eu for aí, você vai me espremer entre o Mike, e o Thomas vai ficar meio aborrecido. — Ela piscou de maneira matreira. Consegui ir ao banheiro ajeitar a desgraça medonha que me transformou no “zumbi fashion ” do dia. Coloquei a camisola que Rainbow levou pra mim, escovei os dentes, arrumei um pouco o visual medonho e voltei para o quarto. Quando o médico passou, tive que disfarçar o momento suspiro. O homem era um gato. Tipo, muito gato mesmo. Ele parecia o Dr. Mark Sloan, personagem interpretado por aquelele ator liiiindo de morrer, Eric Dane, em Grey’s Anatomy .Senti uma vontade enorme de me abanar, mas contive o impulso, porém acho que meu rosto ficou vermelho. Claro que Rainbow, sendo sacana como era, e muito sagaz, percebeu na hora onde meus pensamentos tinham ido passear.
— Doutor Jonathan — ela disse e eu suspirei… até o nome do homem era bonito. Ainda bem que Mike era desligado para essas coisas. — Agora o senhor vai poder conhecer a minha irmã, acordada.
— Ora, ora… a Bela Adormecida que se recusou a manter os olhos abertos, certo? — brincou. — Como você está se sentindo agora?
— Depois de todas essas drogas administradas por essas agulhinhas, estou me sentindo muito melhor, doutor.
— Ótimo. — O homem chegou ao meu lado e colocou a mão na minha testa. Nossa… não faça isso, doutor… Meu namorado está bem ali, e eu posso revirar os olhos … — Sem febre. A equipe monitorou e custou um pouco a reduzir, mas agora parece estar sob controle. Vamos observar nessas próximas 48 horas. Quero saber se você já conseguiu urinar. Ai, que pergunta… bem na frente do Mike? Que deselegante.
— Aaah, que pergunta pessoal é essa? — zombei. — Mas sim, já consegui e senti dor. Uma pontada nas costas.
— Ardência?
— Não. Somente uma dor nas costas. — Certo. Isso é por conta do comprometimento dos rins. Você vai ter que ficar bem quietinha, fazer reposição de líquidos, hidratando-se bastante, colocar os rins para trabalhar, o que significa beber muita água, mas também esvaziar a bexiga, entende? — disse, olhando-me com seriedade. Eu estava tentando decifrar a cor dos olhos dele.
— Sim, senhor.
— Ela vai ficar quietinha, doutor.
postura ao lado da cama, com os braços cruzados, era mais semelhante a uma governanta do mal.
— Ótimo. De todo jeito, você vai passar uma temporada por aqui.
— Sério? Por quê? Não posso ficar em casa?
— Não. Você tem que ser monitorada e o medicamento tem que ser administrado diretamente na veia — ele disse. — Além do quê, assim eu posso te ver, certo? — Ele piscou pra mim. Deu um sorriso mortal e saiu do
quarto. Meu Deus. Aquilo devia ser crime, gente.
— É impressão minha ou o médico te passou uma cantada? — Mike perguntou, com a sobrancelha arqueada.
— Eu acho que é impressão sua — respondi, pigarreando.
— Eu acho que ele passou uma cantada nela — Rainbow respondeu e quase chutei seu quadril, que estava à altura do alcance do meu pé.
— Sério?
— Não.
— Sério. O médico bonitão ficou totalmente na dela.
— Para com isso, Rainbow! — O cara é velho, porra! Quantos anos ele deve ter? — Mike estava indignado agora. — Não sei. Talvez uns trinta e tantos. Mas vou dizer… é um tremendo gato — Rainbow disse.
— Sunny, você não achou ele parecido com aquele médico daquela série que você era louca? Ele parecia um pouco aquele cara do pôster que você tem no armário… Meu Deus… eu só não voei no pescoço da minha irmã naquele momento, porque o acesso venoso me impedia.
— Isso não é antiético?
— Mike, você não está vendo que a Rainbow está te perturbando? — falei e olhei de cara feia pra minha irmã, que segurava o riso.
— Sério, Sunny. Ele te paquerou.
— Cara, foi só uma brincadeira. Os médicos fazem isso o tempo todo, pra deixar as pacientes mais à vontade.
— Sei. Pois detestei essa brincadeira — falou, emburrado. — Mike? — Hummm? — Vem aqui…Quando ele chegou ao meu lado, peguei seu rosto entre minhas mãos e lasquei um beijo bem intenso mesmo. Pra mostrar que meu objeto de desejo era ele. E só ele. O médico podia ser um gato e tal. Mas o cara que eu queria beijar e me aninhar estava bem ali à frente. Mike correspondeu, sem se importar com Rainbow no quarto, mas graças a Deus a sem noção percebeu que era uma vela desnecessária e saiu de fininho do quarto, deixando-nos a sós. O pinga-pinga do medicamento, associado ao beijo intenso de Mike, deve ter me dado um sono imediato, porque,quando nossos lábios se desgrudaram, meus olhos mal se abriam. — Volte a dormir, Sunshine. Eu não vou sair daqui do seu lado — Mike disse e senti que ele deitava meu corpo na cama, ajeitava meu cabelo e beijava meu rosto. — Eu te amo. Mas ainda acho que aquele médico foi abusado. Só por causa disso vou fazer guarda aqui ao seu lado. Acho que consegui rir antes de apagar de novo.

                            MIKE
O médico boa-pinta deu em cima de Sunshine descaradamente e até eu, que sou meio tapado pra essas coisas, percebi. Bem, pode ser que eu seja um pouco ciumento e tenha ficado puto à toa, e aquele gesto tenha sido nada demais, mas eu fiquei puto, repito, e não gostei do médico bonitão. E Sunshine ficou vermelha como uma garotinha, o que só pude deduzir como tendo ficado embaraçada e toda mexida pelo elogio do idiota. Daí eu decidi que não arredaria o pé dali. Ficaria como uma estátua, um poste, fazendo guarda mesmo. Se o médico viesse conferir os sinais vitais? Eu estaria do lado. Se viesse dar uma olhadinha? Eu estaria do lado. Se viesse encher linguiça? Eu estaria do lado.Ninguém me tiraria dali. Eu estava me sentindo um besta? Sim. Mas paciência… Ninguém poderia imaginar que eu me apaixonaria por uma garota completamente diferente de mim, e que, tudo aquilo que eu imaginava ser equilibrado na minha personalidade tomaria uma porrada e perderia o sentido quando ela estava em pauta.

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