34. Só mais essa noite.

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Dez dias haviam se passado e todos foram exatamente iguais. Comecei a dormir com Zabdiel todas as noites, acho que as enfermeiras até perceberam, mas ninguém ainda me disse nada, talvez por pena. As olheiras não desapareciam, nem quando tentei passar maquiagem para parecer melhor. Acho que isso só piorou as coisas, porque foi a partir desse dia que repararam que eu estava me fazendo de forte. Já imaginavam o quão triste eu estava, mas não que eu estivesse tão despedaçada por dentro.

Como eu poderia estar? O cara mais legal do mundo está deitado em uma cama de hospital, desacordado, sem apresentar melhoras. É injusto. Nesses dias, fiquei brava com o universo. Não entendia o motivo de tudo isso estar acontecendo. Ele tem vinte e quatro anos, está vivendo seu sonho, estava feliz, tem amigos e família que o amam, e mesmo assim, ignorando todos esses fatores, isso acontece com Zabdiel.

Acordava involuntariamente perto das cinco e meia da manhã, pois é quando a enfermeira ia no quarto para checar as medicações. Me levantei, dei a volta na cama e deixei um beijo sutil na testa de Zabdiel. Arrumei seu cabelo, como se ele tivesse bagunçado enquanto dormia, e me sentava na poltrona ao lado. Não conseguia dormir depois. Peguei o mau hábito de conseguir dormir somente quando estivesse perto dele. Me pergunto o que faria caso eu não pudesse mais fazer isso.

Felizmente, Dahila entrou no quarto e dispersou esses pensamentos de mim. Conversei brevemente com ela, e depois de checar tudo com Zabdiel, ela se foi. Mais uma vez, estávamos eu e Zabdiel, sozinhos.

Ninguém tem dormido no hospital além de mim. Todos vão embora depois das onze da noite e voltam antes das sete da manhã. Até os pais de Zabdiel. Não contei para ninguém que durmo aqui porque sei que ouviria sermões, então preferi ocultar isso.

Me levanto da poltrona apenas para esticar o corpo, mas resolvo ir ao banheiro e fazer minhas higienes matinais antes que mais alguém chegue e perceba que acordei a pouco. Após isso, sinto meu estômago roncar, então pego minha mochila e ando em direção a porta, abrindo-a e, logo depois, fechando-a silenciosamente, como se ele fosse acordar com o barulho. Antes de ao menos dobrar o corredor, fico surpresa por quem vejo tão cedo.

— Emma?

— Sabia que te encontraria aqui. Você dormiu aqui, não foi? 

— Não, claro que não! — neguei, sabendo que seria besteira mentir — Só cheguei mais cedo.

— Mais cedo que — ela olhou no relógio, para completar sua teoria — Cinco e quarenta e cinco da manhã?

— Sim...

Acho que não se passaram nem dez segundos com ela me encarando que voltei atrás na minha resposta.

— Não... Dormi aqui todos os dias. Não consigo ficar longe.

— Acreditei por todos esses dias que você ia para casa, até que ontem, no apartamento do Joel, comecei a me questionar no motivo que você queria ficar sozinha. Digo, até entendo nos primeiros dias, mas não todos esses. E então entendi que o motivo é porque você nunca foi dormir em casa. Você entende que está vivendo em um hospital?

Bufei, voltando a andar, com ela me acompanhando.

— Não é assim. Estou aqui por ele. Vamos sair daqui juntos.

Quem bufou dessa vez foi ela. Era até engraçado como éramos teimosas. Na cafeteira, peguei um muffin e um café. Emma pediu o mesmo. Nos sentamos e começamos a comer em silêncio, mesmo sabendo que seria por pouco tempo.

— Mad... — quem começou foi ela, com a voz baixa e sutil — Eu te entendo completamente, se fosse Joel eu faria a mesma coisa, mas a questão é que isso não determina seu amor por ele. Nós e o mundo todo sabemos o quanto você é apaixonada por Zabdiel, mas você vai acabar ficando doente e em uma cama de hospital também se continuar assim!

— Eu estou bem! — menti mais uma vez, mas Emma me conhecia bem demais para acreditar — Não posso ficar longe, Emma. — uma lágrima escapou do meu olho, escorrendo pelo meu rosto.

— Não estou te pedindo isso, de jeito nenhum! Nunca te falaria para ficar longe. O que eu quero que você entenda é que se você ficar doente, quem vai estar aqui por ele?

Engoli a seco o último pedaço de muffin com a última frase que ouvi. É claro que Emma tinha razão, mas era difícil demais voltar para a minha vida enquanto Zabdiel continuava aqui.

— Só mais essa noite, tudo bem? Depois prometo que durmo em casa.

— Só mais essa noite, então. E eu vou voltar a dormir com você.

Assentimos sem dizer mais nada sobre esse assunto. Dentro de mim, agradeci por ter Emma como melhor amiga, sem ela ficaria ainda mais perdida.

O dia passou como todos os outros. Os meninos chegavam e deixavam as enfermeiras confusas, era cômico porque enquanto eles andavam pelo corredor, elas não sabiam se olhavam os prontuários ou eles. Os pais de Zabdiel também passavam o dia todo, perguntando aos médicos se houve alguma melhora. A resposta era sempre a mesma, o que nos deixava no chão. Porém, diziam que não houve nenhuma melhora, porém ainda melhor, nenhuma piora, e isso vale mais que muita coisa. Era verdade.

Por volta das onze e meia, todos foram embora. E, mais uma vez, era só eu e ele. Peguei uma calça e blusa de moletom e me troquei no banheiro, escovei meus dentes e me olhei no espelho pela última vez antes de deitar.

Me aconcheguei no cantinho da cama, respirando fundo e sentindo o pouco de cheiro de Zabdiel que ainda restava. Passei meu braço por cima da sua barriga com cuidado e fechei os olhos. Imaginei um cenário totalmente diferente. Estávamos em casa, deitados na minha cama como todas as outras vezes. Podia até ouvir sua voz de fundo, perguntando qual filme iriamos assistir. Abri os olhos, vendo que tudo estava na minha cabeça, nós ainda estávamos no hospital.

O sono estava começando a aparecer, então fechei-os novamente, porém queria conversar com ele antes de dormir. Fazia isso praticamente todos os dias, contava quais eram as novidades, o que eu tinha feito no dia.

Hoje Emma descobriu que estou dormindo aqui ao invés de ir para casa. Sei que se você soubesse disso também, diria as mesmas coisas que ela disse, mas é tão difícil te deixar aqui. Não acho que eu vá conseguir fazer isso algum dia, sabe, te deixar. Não dá mais. Tentei por um ano e não deu, então não é agora que vou conseguir. Você não vai se ver longe de mim tão cedo, mocinho. Acho que somos como o mar e as ondas. Você é o mar, é claro, tranquilo e sereno, enquanto eu sou as ondas, uma confusão eterna. Mas juntos, nós nos completamos, Você me dá a paz que eu tanto procurei e acho que eu te tiro da monotonia. Você costumava dizer isso... Já passamos por tantas coisas, tantas boas, tantas ruins. Sinto que vivemos dez anos em dois. Eu te amo tanto, Zabdiel, não sabia que te amava tanto quanto sei agora. Me vejo perdida sem você, perdida no meio do caos sem saber como resolver-lo. Se eu pudesse, te daria a minha vida, mas não posso, então você vai ter que ser forte e sair dessa. Por mim, por você, por nós. Quando você acordar, vou estar do seu lado te esperando.

Adormeci com meu rosto molhado de lágrimas, mas não me importei com isso. Algumas horas se passaram, quando senti um murmuro estranho. Abri os olhos assustada e nesse momento senti algo apertar meu braço. Olhei nessa direção e a mão de Zabdiel estava em cima do meu braço, apertando-o levemente.

"M...M...Mad."

AmnesiaOnde histórias criam vida. Descubra agora