01. Martínez, o paciente é seu.

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Um ano depois.

A emergência do hospital estava uma loucura, ainda mais por ser uma sexta feira a noite. O dia deveria ser designado como o pior da semana, pelo menos para médicos e pseudo médicos, já que tenho mais um semestre até me formar.

Enquanto fazia sutura simples em um garoto que tinha cortado o braço andando de bicicleta, ouço meu nome ser chamado, mas era impossível saber de onde vinha. Ou eu me concentrava na sutura ou o garoto sairia daqui mais machucado do que entrou.

Madison! — ouvi mais uma vez e vi Matthew vindo em minha direção com uma garrafa de água na mão e mais um prontuário.

Eu e Matthew nos inscrevemos para o mesmo programa de estagio, no mesmo hospital, e por uma pegadinha do destino tínhamos os mesmos plantões. Ele vinha melhorando com o tempo, tinha se mostrado mais responsável, ainda mais com os pacientes.

— Me diz que não aconteceu outro acidente — respondi sem olha-lo.

Um fato interessante dos acidentes é que a emergência vira uma bagunça — mais do que já é. É difícil decidir quais são os casos sérios ou não. E normalmente, isso não cabe a gente. Mas em uma sexta feira, nove horas da noite, com todos os médicos e especialistas ocupados, a responsabilidade caí sobre nós, meros estudantes de Medicina.

— Aconteceu outro acidente. — falou colocando a garrafa de água do meu lado.

Terminei a sutura segundos depois e encaminhei o paciente para a área de alta, que daria toda a informação sobre a data que ele precisaria voltar para a retirada dos pontos.

Tirei as luvas e joguei no cesto de lixo ao meu lado, junto com as gazes que tinha usado. Passei a mão no meu rosto, tirando os fios de cabelo que insistiam em sair do rabo de cavalo. Peguei a água e tomei vários goles, quase acabando com todo o líquido. Matthew ainda estava parado me olhando com o prontuário na mão.

— Tudo bem?

— Estamos a quantas horas de plantão?

Ele olhou para o relógio na parede e depois voltou a me olhar.

— Onze horas.

Soltei uma risada sem humor, colocando a mão na cabeça e estalando meu pescoço.

— Nosso plantão acabaria em uma hora, mas duvido que vamos sair daqui antes da uma da manhã.

Ele concordou, esticando o braço na minha direção. Peguei na sua mão e ele me ajudou a levantar, me entregando o prontuário que tínhamos que assinar a cada hora.

A porta se abriu e pelo menos quatro macas adentraram o local, acarretando na confusão dentro da emergência. A médica chefe que cuida dos estagiários nos instruiu e quando me dei conta já estava conversando com os pacientes que estavam lúcidos na cama, checando os níveis de dor, constatando se o paciente estava com hemorragia.

O que eu disse se concretizou. Passamos três horas cuidando desse caso, mas sempre valia a pena todo o trabalho quando éramos informados de que eles ficariam bem.

Era nesse momento que eu tinha certeza que estava na profissão certa.

Matthew e eu estávamos na em um quarto que era designado para que os estagiários "descansassem". Ele já tinha trocado de roupa e como íamos para o hospital quase todo dia, ele me dava carona até em casa. Fiquei relutante a aceitar nas primeiras vezes, mas pegar metrô sozinha e de madrugada em Nova York não é uma boa opção.

Nunca pensei que diria isso, mas nos tornamos bons amigos. Ele não usou mais droga nem abusou do álcool, disse que tudo isso mudou quando ele fez trabalho comunitário em um orfanato e percebeu como estava sendo ingrato. Pediu desculpas pelo que fez comigo na festa e com Zabdiel também.

Ele e Emma são os únicos que sabem o que aconteceu entre eu e Zabdiel, tirando os meninos da banda. Só contei porque quando ele estava me levando para casa, CNCO começou a tocar no rádio. Ele questionou sobre como Zabdiel estava e eu na hora travei. Ninguém tinha me perguntado sobre ele desde o ocorrido.

Minhas redes sociais no começo ficaram insuportáveis, todo mundo me marcava naquele vídeo em que me declaro para ele em cima do palco. Com o tempo isso foi esquecido.

Contei para ele tudo, desde o acidente até o dia que ele decidiu que não estava pronto para voltarmos e Matthew me ouviu em silêncio o tempo todo, prestando atenção em tudo que eu tinha dito.

Disse que entendia ele, mas que também me entendia. Ele me deu o melhor conselho que já tinha recebido.

Foque na sua carreira, na faculdade, em qualquer coisa que te faça esquecer dele.

Tinha dado certo.

Quer dizer, mais ou menos.

É impossível não pensar em Zabdiel quando estou sozinha em casa, involuntariamente as pequenas coisas me recordam a ele, ou memórias que passamos.

Pelo menos não lembro disso com tristeza.

Conversava com Chris diariamente e quando ele estava em Nova York nós nos víamos. Emma ainda estava com Joel, mas agora eles eram oficialmente namorados. O pedido foi feito em uma viagem para Los Angeles.

Não vi Zabdiel nenhum outro dia. Doze meses sem vê-lo. Parece até piada, mas não é como se eu pudesse dizer que tinha esquecido dos seus traços, porque sabia que isso é quase utópico.

— Só vou trocar de roupa. — disse para ele, que assentiu.

A porta se abriu antes que eu girasse a maçaneta. Era Dra. Florence.

Matthew e eu nos olhamos.

— Qual de vocês está menos cansado?

Não respondemos.

— Decidam entre vocês quem vai fazer a última sutura do plantão. — ordenou fechando a porta.

Eu ia responder que no caso o plantão já tinha acabado há pelo menos quatro horas atrás, mas me calei.

Matthew que estava sentado na cama se deitou, levando as mãos na cabeça. Eu sentei ao seu lado, batendo em seu corpo para que ele fosse mais para o lado.

— Eu vou — ele respondeu se levantando — Você está com as olheiras quase cobrindo seu rosto inteiro.

— Tão sutil, tão cavalheiro... — respondi debochando. Ele mostrou o dedo do meio para mim.

— Pode deixar que eu vou, enquanto você acha algum lugar aberto para a gente jantar. Pior que minhas olheiras está o meu estomago. — completei.

Cheguei na emergência minutos depois, mas que devem ter parecido uma eternidade para a Dra. Florence, que me olhou com o olhar mortal.

— Martínez, o paciente é seu. — falou apontando para a área de sutura.

Não disse nada, apenas assenti e caminhei até lá. O paciente estava de costas e de primeiro momento parei de andar assim que vi o cabelo descolorido, mesclado com o castanho. Mas não, era coincidência demais e era uma pegadinha da minha própria mente.

"Não, cara, eu estou bem. Só estou esperando a médica e..."

Ele parou assim que se virou de costas e me encontrou parada com a boca aberta e a respiração acelerada.

Um ano inteiro sem ver Zabdiel e ele apareceu justamente no hospital onde tudo começou.

AmnesiaOnde histórias criam vida. Descubra agora