13. Caixinha de surpresa.

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Minha cabeça doía tanto que eu poderia facilmente afirmar que caí em algum lugar, ou que alguém me bateu bem forte na cabeça. Era uma dor constante, mas que oscilava entre pontadas fortes e mais leves.

A claridade fazia meus olhos ficarem menores do que já eram. Diversas vezes me peguei andando pela calçada de Vegas somente com um olho aberto.

Aparentemente ninguém estava prestando atenção em nós e em como estávamos estranhos.

Sim, nós.

Eu e Zabdiel passamos a noite juntos.

Não, não no sentido amoroso.

Sabia que ele estava ao meu lado, mesmo não virando o rosto para vê-lo. Qualquer movimento, mesmo que mínimo, fazia minha cabeça doer ainda mais.

Sentia uma partezinha do meu corpo queimar, uma parte bem peculiar. Era como se eu tivesse realmente me queimado nessa região. A cada novo passo, a região de meu abdômen me incomodava ainda mais. Como estava de vestido, não tinha como eu de fato ver o que tinha acontecido, então tentava ignorar.

— Falta muito? — Zabdiel murmurou, fazendo força para falar. Tinha certeza que ele estava se arrastando como eu para andar.

— Acho que é no próximo quarteirão — me limitei a responder, estava cansada até para falar.

Mais alguns minutos em silêncio, somente com nossas respirações ofegantes, e avistamos nosso hotel. Não sei como fomos parar tão longe assim, mas a noite passada é um borrão em minha mente.

— Aí — resmunguei quando senti a dor ficando mais incomoda.

— O que foi? — ele respondeu prontamente, dando longos passos para ficar em minha frente, me obrigando a parar — Você está bem?

— Estou — respondi levando uma das mãos em seu rosto, limpando uma gota de suor que escorria — Tem alguma parte do seu corpo queimando? — perguntei mesmo sabendo que ele diria não.

— Na verdade... — me olhou com uma sobrancelha levantada. Seus olhos também estavam pequenos, quase não consegui enxergar-los. Mesmo estando de boné, o sol era forte e incômodo — Tenho sentido uma queimação desde que... que... Que eu comecei a me lembrar e que os flash's voltaram a se normalizar.

— Mesmo? Onde?

Ele apontou para a região embaixo da orelha, do lado de trás da cabeça. Ao tocar na região fez uma cara de dor.

O que diabos tinha acontecido na noite passada?

Voltamos a andar, dessa vez mais próximos.

— Você se lembrou de mais alguma coisa? — questionei, ignorando o fato de estarmos sentindo dores parecidas em locais diferentes.

Eu e Zabdiel fomos parar muito, muito longe de nosso hotel. Não sei se fomos a pé, de táxi, ou de outro jeito porque Vegas é uma caixinha de surpresas. Mas o lance é que nós nos separamos de todos os outros durante longas horas e nem eu nem Zabdiel sabíamos o que tinha acontecido.

Começamos a nos lembrar vagamente de alguns momentos específicos da noite passada. Provavelmente durante o dia, depois de um belo banho e café da manhã, começaremos a nos lembrar de mais coisas.

Por enquanto sabíamos que fomos a três ou quatro cassinos. O primeiro fomos todos os sete juntos, mas depois disso creio que nos separamos.

Sei também que eu e Zabdiel discutimos. Dissemos algumas verdades entaladas, só ainda não lembrava quais. Sabia que tinha dito tudo o que estava sentindo porque aquele embrulho em meu estômago tinha desaparecido.

Sei que bebemos também. Não muito, mas bebemos algo forte que fez com que nossa cabeça estivesse a ponto de explodir. E claro, nos fez esquecer o que fizemos.

Chegamos ao lobby do hotel. Não sei como tanta gente estava hospedada ali, porque o lugar estava cheio. Era difícil até de passarmos, tínhamos que desviar da maioria ali.

— Nós discutimos, não é?! — ele perguntou enquanto desviávamos de um grupo enorme que estava parado bem no meio do lobby — Eu estou lembrando. Você me xingou, me mandou calar a boca.

— Mandei? — olhei pra trás e o encontrei com uma expressão pensativa, se lembrando do que eu já tinha lembrado. Talvez ele tenha mais sorte que eu em relação aos detalhes — Você lembrou o motivo?

— Quanto mais eu tento pensar, mais minha cabeça dói — resmungou e eu ri baixinho, mas logo parei porque a minha também começou a doer mais — Você disse algo sobre não poder recomeçar de onde paramos.

— Disse? — me virei, mesmo não tendo chego ainda no elevador. Fiz ele parar também, com o corpo quase colado ao meu. Ergui o olhar até ele. Encontrei um garoto que há tempos não via. Indefeso, inseguro, amedrontado. Isso fez meu estômago gelar, normalmente quem ficava assim em relação a ele era eu — Disse. — afirmei, as memórias estavam voltando — Você teve uma crise de ciúmes. Eu disse que você não tinha motivo pra sentir ciúmes, que você não podia sentir ciúmes.

— Que nós não tínhamos mais nada. — falou de um modo duro, como se as palavras doessem para se ditas — Que eu não podia achar que tudo estava bem.

— Que você não tinha o direito de achar que tudo estava bem — o corrigi — Que confundimos as coisas. Que erramos em voltar, ou seja lá o que aquilo tenha sido.

Ele concordou com o olhar vago. Zabdiel estava com o pensamento longe. Minha vontade era trazê-lo de novo para mim, dizer que está tudo bem, que foram coisas ditas da boca pra fora. Mas como dizer isso se eu nem ao menos sei o que aconteceu depois?

— Nós passamos a madrugada juntos, Zabdiel — falei seu nome para ele prestar atenção em mim. Deu certo, ele fixou o olhar ao meu. Me senti menor do que já sou, mas continuei — Algo além da briga aconteceu. Devemos ter conversado a respeito, só não tenho certeza até que ponto chegamos...

— Ao ponto de que nos entendemos, espero.

Tive a impressão de que Zabdiel falou antes mesmo de pensar no que seria dito. Acho que a frase o pegou de surpresa. Por demonstrar tanto sua vontade de estarmos bem. De uma maneira estranha, meu coração se aquietou ao ouvir isso.

Voltamos a andar. Mais alguns passos e estávamos na frente do elevador, mas vozes conhecidas e altamente descontroladas nos fizeram virar para trás, de onde tínhamos vindo.

— Que merda é essa? — Zabdiel falou automaticamente ao olhar a cena bizarra.

Pisquei algumas vezes para entender que aquilo realmente estava acontecendo e que não era um devaneio por conta da falta de sono.

— Aqueles são...

— Nossos amigos — ele completou.

Caminhamos até os cinco, dessa vez com pressa para que as explicações começassem.

Chegamos perto e do mesmo modo que estávamos olhando assustados para eles, eles fizeram isso conosco.

Olhei para Zabdiel procurando alguma coisa de errado, ele fez o mesmo.

Você colocou um piercing na boca?

— Por que você está vestido com roupas de cowboy?

— Vocês estão casados?

— Que tatuagem é essa?

— Por que você raspou um lado da cabeça?

Falamos todos de uma vez.

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