CAP III - Intrusa.

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"— Quem é você? — Noemi falou, sem papas na língua. "

De repente, eu não sabia mais formar nenhuma palavra de comum entendimento. Minha boca estava seca e Emma ainda estava do outro lado da linha, falando sem parar. Sabia disso porque o celular ainda estava no meu ouvido, porque eu não conseguia ao menos me mexer.

Como eu poderia explicar o que estava fazendo ali? Como explicar isso a uma mãe que está com o coração partido por ver seu filho em coma?

— Senhorita Martinez? — Debby, a enfermeira, me chamou antes mesmo de ter visto a figura materna parada em pé, em frente a cama de Zabdiel — Oh, desculpe não ter te visto, senhora De Jesús. Vim checar os medicamentos de seu filho.

— Como ele está? — Noemi perguntou, mas logo depois balançou a cabeça em negação — O que quero dizer é, ele está reagindo?

— Ele está lutando. — Respondeu Debby, enquanto arrumava a almofada do pescoço do garoto — Zabdiel quer permanecer nesse mundo, e é isso que estamos vendo durante o tempo que ele está aqui. Ela sabe disso. — Ela apontou para mim e automaticamente Noemi me olhou novamente.

— Ele sempre foi um guerreiro. — Respondi. Sabia que isso era verdade. — Não é agora que vai deixar de ser.

Debby ficou mais alguns minutos no quarto e o silêncio voltou a ser predominante. Já tinha desligado o celular mas Emma era insistente e não parava de me ligar, por isso o desliguei.

Minha barriga estava começando a roncar, talvez por não ter comido nada o dia todo. Eu não sentia fome, estava preocupada demais com Zabdiel. E além do mais, não queria sair do seu lado.

Noemi estava sentada na cama de Zabdiel e fazia carinho em seu cabelo, que estava todo despenteado. Ela tirou de sua bolsa uma escova pequena e começou a cuidadosamente penteador os fios descoloridos do cabelo do filho.

Resolvi que talvez a hora de ir embora tinha chego. Eu não queria, mas não havia mais nada que eu pudesse fazer ali. Noemi me olhava com desconfiança e com razão.

— Noemi, eu... — Pigareteei — Eu vou na cafeteira pegar alguma coisa para comer. Você quer alguma coisa?

— Não. — Me respondeu sem tirar os olhos do filho — Obrigada.

— Há alguma coisa que posso fazer por você, Noemi? — Me atrevi a chama-lá pelo primeiro nome. Eu realmente não sabia o que fazer e muito menos como agir. Era como se eu fosse uma... intrusa. E eu era. 

— Você pode começar me explicando o que aconteceu e como você o trouxe sozinha para cá. —Ela me respondeu com um tom hostil, mas não a culpo. Ela está em seu direito. 

Sentei na poltrona que eu podia jurar ter o formato das minhas nádegas e respirei fundo. Eu não sabia como começar a contar sobre o acidente de Zabdiel. Ela continuava me olhando e esperando por uma resposta. 

Direcionei meu olhar a ela e fechei os olhos por apenas alguns segundos. Eu teria que arrumar forças para contar a ela, eu só não sabia de onde tirar. Respirei mais uma vez e o som da minha voz saía tão baixo que eu mal podia escutar, mas pelo visto ela conseguia. 

Noemi prestava atenção em tudo que eu contava e não demonstrava reação nenhuma. Os seus olhos permaneciam fixos ao cabelo de Zabdiel, enquanto ela os penteava de um jeito materno que não consigo descrever. 

— Eu liguei para a emergência no mesmo segundo que percebi que ele estava desacordado. Vim com ele de ambulância para cá, é óbvio. Ah, eles me entregaram isso - levantei da poltrona para pegar minha bolsa que estava jogada em um dos cantos do quarto. Peguei a bandana que haviam me entregue e a estendi para que Noemi pegasse — Era a bandana que ele estava usando no braço quando tudo aconteceu. Bom, depois disso, eu não sei nada a mais que os médicos já disseram. 

Ela permaneceu calada durante pelo menos dez minutos. O clima estava pesado e eu ouvia somente o som das nossas respirações carregadas. 

O silêncio foi quebrado por parte dela.

— Eu só acho estranho o fato dele nunca ter mencionado ter uma namorada. — Noemi me olhou novamente e eu pude sentir a desconfiança em sua voz. Ela não estava errada. 

Eu não a respondi porque não tinha o que eu dizer naquele momento. Eu não iria mentir para ela em uma situação tão delicada quanto essa. Se eu precisasse falar alguma coisa, seria a verdade.

— Mas tudo bem, eu acho. — Ela mesmo respondeu sua pergunta — Nós estávamos um pouco distantes por causa do trabalho. E se vocês estavam juntos durante uma mini férias que ele teve, acho que é porque te ama. 

Senti uma pontada no meu peito e meu estômago embrulhou. 

Eu apenas concordei com a cabeça e me levantei. Percebi Noemi limpando as lágrimas que escorriam pelo seu rosto e eu tive a sensação de que eu não deveria estar ali. Não era justo.

Saí do quarto com a certeza de que não voltaria mais. Zabdiel ficaria bem, disso eu tinha certeza.

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