35. Apenas de você.

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Esqueci como fazia o oxigênio chegar em meus pulmões no segundo em escutei a voz rouca de Zabdiel me chamando. Pensei ser apenas um sonho, mas dei uma breve olhada ao meu redor e percebi que, surpreendentemente, não era sonho algum.

— Você... você... — tentei formular uma frase, mas quando olhei em seus sonhos e vi-os entreabertos, foi impossível raciocinar.

Ele ainda estava ligado a todos os soros e medicamentos e também com a sonda em seu nariz, o que fez ele começar a ficar agitado para retira-los. Voltei a realidade quando percebi isso, relembrei do que aprendi quando estagiei no hospital. Removi o tubo de oxigênio com cuidado  e isso fez com que ele ficasse muito mais calmo. Os medicamentos ainda teriam que continuar, porque não sabia qual eram os soros e por quais motivos eles estavam lá.

Continuei no mood médica por alguns minutos, checando se ele estava realmente bem, na medida do possível para um paciente que acabou de acordar e que estava com coágulo no cérebro.

Sentei ao seu lado e olhei para seus olhos, que agora estavam mais abertos e reais. Não que eu tivesse me acostumado com ele desacordado, é só estranho vê-lo por tantos dias com os olhos fechados e, depois de uma noite, a minha última aqui, ele acordar.

— Preciso chamar seus médicos. — falei, me levantando para chama-los, porque de fato essa deveria ter sido a primeira coisa que eu tinha que ter feito. Ou tocar a campainha. Achei mais fácil a segunda opção.

— N-nã-o. — falou com dificuldade, fazendo força para as palavras saírem.

Era totalmente compreensível que sua fala saísse falhada nos primeiros momentos. Aconteceu na primeira vez e aconteceu agora também.

— Eu só vou tocar aquela campainha — apontei para um controle pequeno em cima do monitor — Não vou a lugar nenhum.

Ele assentiu, também com dificuldade, então fui até lá e voltei segundos depois de ter apertado o botão, chamando as enfermeiras e médicos. Fiquei sentada ao seu lado até que todos chegassem e pedissem para que eu me afastasse. Precisavam examina-lo, mas eu não ficaria longe. Ele parecia me procurar pelo quarto enquanto era examinado, e quando me encontrava em meio as enfermeiras, sentia que seu semblante ficava mais tranquilo. 

Tentei perguntar para algum médico qual era a situação dele, mas ninguém ouviu, era tanta coisa sendo feita que a minha pergunta seria a última coisa que eles iriam responder. Após alguns minutos, Dahila veio até mim, em meio a confusão que estava aquele quarto.

— Vão leva-lo para fazer mais exames, e como ainda é madrugada, você pode ligar para os familiares e avisar que ele acordou?

Assenti imediatamente, dando uma última olhada em Zabdiel antes de sair do quarto.

O corredor estava silencioso, as vezes até esquecia que estava um hospital. Quando trabalhava aqui passava por esses mesmos corredores e esquecia que na maioria dos quartos existiam pacientes com uma vida antes de serem internados.

Enquanto tentava encontrar algum lugar para que eu pudesse ligar para os pais de Zabdiel e os meninos, deixei com que, finalmente, a felicidade me invadisse. Zabdiel nunca saiu de nossas vidas, mas tê-lo por perto, acordado, falando, cantando, vivendo sua vida, fazia com que a esperança, que antes estava guardava em um lugar escuro, se reacendesse e se fizesse presente, me lembrando de quando eu pensava que os dias melhores iriam chegar era verdade.

Resolvi sair do hospital para tomar ar e fazer as ligações com toda a privacidade necessária. Eram quase três e meia da manhã, mas presumi que ninguém ficaria incomodado em receber esse tipo de ligação.

Cinco da manhã e estávamos todos no hospital, mas dessa vez nossas expressões não eram angustiantes e preocupadas, e sim esperançosas e otimistas. Por mais cedo que fosse, mesmo com poucas horas dormidas, eram as últimas coisas que lembrávamos.

Estávamos na sala de espera, aguardando mais informações sobre os exames que Zabdiel iria fazer. Eu sabia que era algo demorado, mas não tanto quanto estava sendo. Tínhamos maneiras distintas de lidar com isso. Christopher e Erick andavam pela sala de um lado para o outro, sem parar. Eu, Emma, Joel e Noemi estávamos sentados em poltronas espalhadas pela sala, quietos e pensativos. Richard e o pai de Zabdiel tinham ido na cafeteira, disseram que precisavam comer alguma coisa ou passariam mal com a espera.

O silêncio foi quebrado por Noemi.

— É normal, não é? — disse, dirigindo o olhar para mim — Essa demora? Não deve ser por que algo deu errado?

— É normal. — respondi, vendo sua expressão se acalmar — Só é estranho estar desse lado esperando pelas notícias. Quem informava os familiares sobre isso costumava ser eu, então é só bem... estranho.

Depois disso o silêncio voltou. Richard e Carlos voltaram da cafeteria e trouxeram donuts e café para todos, não sei como conseguiram, mas trouxeram. Foi o tempo de terminamos de comer e Dr. Keneddy finalmente entrou na sala, pronto para nos dar toda a informação necessária.

— Eu disse a vocês que Zabdiel era forte. — foi a primeira frase que ele disse. Mesmo com tão pouco, conseguiu tirar todo o peso que carregávamos durante esses longos dias — Como informei quando começamos com a medicação para o coágulo diminuir, o tratamento leva tempo, não é imediato, porém fui positivamente surpreso quando recebi a ligação de que Zabdiel havia acordado com poucos dias de tratamento. Acontece por vários fatores, mas por termos o acompanhado durante os últimos meses nos auxiliou com que tivéssemos uma rapidez ao começar a medicação.

— Podemos vê-lo? — Noemi interrompeu a explicação, mas ele soube que era por uma boa causa, uma mãe querendo ver o filho.

— Podem, ele já está no quarto, agora sem os soros e sem a sonda também. Só está bem abatido e um pouco perdido, mas é por conta dos medicamentos. — explicou — Mas antes preciso dizer uma última coisa não tão boa assim.

Meu coração se apertou, com receio sobre o que seria. Poderia ser tantas coisas que me neguei a pensa-las.

— Há um ano atrás, nesse mesmo hospital, nessa mesma sala, com quase as mesmas pessoas, exceto por você, Madison, expliquei que Zabdiel estava com amnésia seletiva, se lembram? — todos assentiram — É muito comum isso acontecer, diante do coágulo ter aparecido na parte do lóbulo pré-frontal, aonde as memórias de curto prazo são armazenadas, porém isso influência nas de longo prazo também, que se encontram no hipocampo, uma área mais profunda do cérebro. Resumindo tudo, em pacientes com histórico de amnésia realizamos testes formais de memória. Inclusive, temos fotos de fotos vocês e mostramos a ele, perguntando quem eram, além de perguntarmos se ele se lembra do seu nome, sua idade, profissão, informações simples que ele se lembraria se não estivesse com nenhum tipo de amnésia. 

Nesse momento Noemi já tinha se sentado, acho que atordoada com tantas informações. Sabia que os meninos não tinham entendido metade do que Dr. Keneddy estava falando, mas eles fingiam muito bem.

— Ele se lembra do seu nome, da sua idade, de onde mora, mas quando perguntamos sobre sua profissão, ele ficou um pouco confuso, não se lembrou sobre a banda. Mostramos as fotos de todos vocês, começando pelos familiares, depois os amigos e a namorada. Ele não reconheceu nenhuma das fotos, exceto pela foto de Madison. Depois que lhe foi mostrado essa foto, ele ficou chamando por ela o tempo todo, insistindo para darmos alta a ele porque sua namorada é formada em medicina e saberia como cuidar dele, além de dizer detalhes sobre o relacionamento de vocês. É incomum ele se lembrar de todos esses detalhes, porque nós nem ao menos o questionamos sobre eles, mas é algo passageiro. É válido relembra-los sobre isso. A vantagem da amnésia seletiva é que com ajuda e paciência, ele se lembrará de tudo e de todos. Porém, no momento, a única pessoa que ele se lembra é apenas de você, Madison.

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