Capítulo 1 - Oi, Boa noite! Por acaso gostaria de uma lambida

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A maioria das vezes, eu acordo com o barulho dos peidos da minha avó, eles são tão escandalosos que de vez em quando desperto assustado e pensando estar em meio a um tiroteio igual da favela em que passamos perto no mês passado. Pelo menos as balas dos bandidos e policiais acabam, agora os gases da minha avó parecem ter bateria ilimitada.

Me levanto da cama e me deslizo para meus chinelos havaianos, vou até a janela e a abro. O tempo está nublado e o ar bem gelado, com certeza deve estar fazendo uns 12°C está manhã. Entro no banheiro que fica a esquerda do corredor do meu quarto e lavo meu rosto, minhas olheiras estão enormes, assim como meu cabelo. Não tenho dormido muito bem ultimamente, muita coisa na cabeça... coisas que sinceramente se eu falasse para qualquer pessoa, ela me internaria em um manicômio... Tiro a faixa de meu braço direito, onde tenho um ferimento, ele parece bem melhor do que uma semana atrás para meu alívio.

Escovo meus dentes e me dirijo para a pequena cozinha, a mesa e a louça estão uma zona de guerra, cortesia de certas velhas... quero dizer senhoras. Ontem foi à noite do bingo da turma da igreja de minha avó, um bando de mulheres tagarelas e esganadas se sentaram à mesa comendo o bolo que eu havia feito mais cedo e tudo que viam pela frente. Tipo, minha casa é restaurante agora?!! E ficaram por horas. Não que eu não goste disso, fico feliz de minha avó ter amigas para conversar e falar mal dos outros, mas né, acho que tudo tem um certo limite. Ainda bem que hoje é sábado e amanhã é domingo, são os únicos dois dias que me livro da reunião superdivertida da minha avó e das aspiradoras de alimentos de plantão, suas amigas.

Começo a limpar a mesa e a lavar a louça. Abro a janela e meus ouvidos já começam a ouvir os barulhos do lado de fora, carros, crianças e claro, seu Moacir. O vendedor de ovos do bairro. Ele e seu inseparável megafone que faz questão de ser o despertador principal de todo mundo do quarteirão.

-VENHA DONA DE CASA! ESTÁ PASSANDO NA SUA RUA O CARRO QUE VENDE OVOS! OVOS FRESQUINHOS DIRETAMENTE DA GALINHA! 30 OVOS POR 10 REAIS! OU ENTÃO 60 OVOS POR 20 REAIS! RAPÍDO DONA DE CASA! ESTOU PASSANDO NA SUA RUA! - gritava seu Moacir.

O marketing dele é bem melhor que dos supermercados de uma cidade do Mato Grosso, que não irei lembrar nome agora, mas me lembro totalmente do homem vestido com uma fantasia gigante de galinha e cacarejando por todo mercado tentando atrair a atenção das pessoas que apenas corriam dele.

Geralmente compramos ovos do seu Moacir, mas não hoje. Já tem muitos ovos na geladeira. Falando nisso, que dia será hoje? O calendário está colado na porta do freezer, hoje é dia 7 de julho. Oficialmente entrei de férias escolares hoje, apesar de estar livre da escola, não estou livre das outras novas e malucas responsabilidades. Minha vida virou de cabeça pra baixo alguns meses atrás, eu achava que até seria um ano tranquilo, pois minha avó disse que "talvez" a gente more aqui por bastante tempo, finalmente. Desde os meus 4 anos, minhas casas foram as malas, carros, aviões, hotéis e igrejas por todo o Brasil, pelo menos quase todo ele. Minha avó nunca teve moradia fixa, vive viajando e me arrastando com ela desde sempre. Claro, ela faz isso sempre chegam minhas férias escolares, assim não me perco muito nos estudos, mas foi sempre cansativo: Se mudar, fazer amigos, conhecer as pessoas sempre e sempre. Eu nunca entendi muito o motivo disso, a única coisa que sei é que ela viaja dessa forma para acompanhar de perto suas igrejas espalhadas em todo o território nacional. Minha avó é uma pastora da igreja evangélica bom e sagrado Jesus, posso dizer que ela é uma das mais influentes do país e cheia de seguidores, entendo um pouco que ela precisava viajar para evangelizar em todo lado, mas... eu sempre me senti mal com todas essas mudanças repentinas, só queria sossegar em algum lugar e meu maior medo hoje é ela acordar agora com as malas prontas com meu histórico escolar em mãos e dizendo que vamos pra outro estado mais uma vez. Só que desta vez, eu não poderei ir... não posso e não sei como direi isso para ela...

Livro 1: Kauê e os filhos da Amazônia - O Herdeiro Do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora