Andei em silêncio, suportando os comentários de Iracema o caminho todo. Ela ficou dizendo o tempo todo que eu não tenho saída, que ela faz parte da acusação e que tem argumentos ótimos contra mim. Que ela aprendeu tudo com a mãe dela, que é advogada e jurista. Não vale a pena retrucar, preciso ficar calmo. A conversa com minha avó não me deixou nada bem, estou nervoso. Queria gritar, agredir alguém, mas sei que se eu fizer qualquer uma dessas coisas, a minha situação vai piorar ainda mais.
Chegamos ao tribunal, desta vez não precisei fazer o juramento ao Deus das leis e da verdade. As enormes portas se abriram e fiquei surpreso na quantidade enorme de pessoas que têm aqui dentro, muito mais do que da última vez. Não apenas semideuses da minha idade, mas mulheres e homens adultos, idosos, de onde surgiu todas essas pessoas que eu não vi antes? O acústico no local é enorme, está todo mundo falando ao mesmo tempo, mas todos pararam para me encarar como se eu fosse uma celebridade. celebridade ferrada e odiada, pois só tem olhares de ódio, medo e repulsa para mim.
Suspirei fundo, eu não fiz nada. Sou inocente, preciso manter esse pensamento. Sem me desesperar, sem me intimidar... quem dera eu pudesse ter controle sobre minha maldita ansiedade...
No final de um enorme caminho estavam sentados os conselheiros, o Pajécique, o Curupira e o Arcanjo Gabriel. Yancy, Josefiel, Ângelo, Ágata estavam sentados nas extremidades a esquerda. Raoni, Barbara, Thiago a direita, com um assento vazio ao lado deles. Tudo que posso imaginar é que onde Yancy está é a parte da minha defesa e onde está Raoni é a parte da acusação. Sinto minhas costas serem empurradas.
-Anda, não temos o dia todo! - exclamou Iracema. Meus pulsos estão doendo tanto... eles apertaram as algemas sem a menor pena. E eu fui, olhando pra frente. Evitando ao máximo olhar pros lados. Só que chegar no centro não foi melhor, lá tem os enormes olhos dos conselheiros que não parecem estar muito felizes. O Pajécique olhava para mim, ao contrário dos outros velhos... idosos, ele não me olhava com medo ou desprezo. Yancy falava alguma coisa na orelha do Curupira, o mesmo se aproximou depois. Iracema foi se sentar ao lado de Thiago na mesa de Raoni.
-Dia difícil, garoto? - perguntou ele retirando as minhas algemas. - Assim está melhor?
-Obrigado. - respondi esfregando meus pulsos.
-NÃO TIREM AS ALGEMAS! ELE É PERIGOSO! DEVERIA ESTAR ACORRENTADO PELO PESCOÇO! - berrou Barbara batendo na mesa. - EU SEI DO QUE ESTOU FALANDO!
Ela parece melhor, não está mais pálida como estava antes.
O Pajécique chamou atenção dela.
-Barbara, só fale se for solicitada. Não era nem pra você estar aqui, mediante a sua situação de saúde. Mas já que insistiu, pode participar e falar quando for a sua vez. Eu não acho que o garoto deva ser algemado e ponto final. - respondeu ele para o desgosto de Barbara.
-Uuu!!! Tomo!! - gritou alguém no meio das pessoas, mas pela voz, só pode ser o Bruno.
O Pajécique se levantou de sua posição, ele estava sentado, levitando no ar. Só com o levantar de sua mão, todo mundo que ainda murmurava se calou. Sua voz saiu escandalosa e alta como um trovão, pra que microfone não é mesmo?!
-Mais uma vez, boa tarde a todos. - disse ele. - Passamos por umas situações turbulentas nesses 15 dias, desde a chegada de nosso novo integrante. Sei que estamos nervosos, cansados e com medo, mas eu peço a todos aqui. Apenas escutem, falem quando forem chamados ou permitidos. Devo dizer mais uma vez, eu sou o Cacique, minha missão é ser justo. Totalmente justo com todos aqui presentes e justo com quem está lá fora também... a parte da defesa e acusadora podem falar uma de cada vez, se respeitando totalmente. No entanto, antes de começarmos, todos devem conhecer os nossos convidados especiais de hoje, que tem tanto interesse em resolver essa questão do que nós temos.
Ele se virou para olhar para o Arcanjo que estava sentado, esperando pacientemente, me encarando... assim como Josefiel.
-Lorde Gabriel, um dos sete Arcanjos, mensageiro de Deus. - disse o Pajécique. Ele então olhou para Josefiel. - Este é Josefiel, um anjo da guarda... um anjo que protege este garoto que está diante deste tribunal.
Mesmo ele pedindo para haver silêncio a comoção no local se tornou enorme, até parece um estádio de futebol. Nessas horas ter uma audição mais forte e ampliada só me deixa louco! É como se todas essas vozes gritassem na minha mente.
-Podemos começar com a questão da nossa arma mais poderosa sendo roubada? - questionou um conselheiro. - Melhor deixar a parte daquele garoto e dos demônios para depois.
-Muito bem. - disse Yagura. - Os réus irão falar, depois que eles falarem, ambas as partes poderão colocar seus pontos de vista. - ele virou seu rosto para onde estavam Yancy e Ágata e Ângelo. - Ângelo, venha até aqui, por favor.
Ele se levantou, Ângelo deve ter uns 12 ou 13 anos, cabelos pretos volumosos caem sobre suas orelhas e testa. Ele se aproximou nervosamente para frente de todos.
- Você perante Sumé, Deus da lei e da ordem, apenas dizer a verdade? - questionou Yagura. - Lembre-se, a verdade é nosso caminho para a luz.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Livro 1: Kauê e os filhos da Amazônia - O Herdeiro Do Submundo
FantasyTodas as divindades existem, cada uma em sua esfera de controle. No Brasil predominam os deuses brasileiros dos povos indígenas. E como todos os seres divinos ao redor do mundo, eles adoram abrir uma fábrica de filhos, essas crianças são semideuses...