Capitulo 15 - Um café da manhã com uma dose de intrigas

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Mais uma vez minha chegada ao refeitório foi mega receptiva. Todos estavam comendo, mas pude ver alguns olhares e bocas sussurrando sobre mim. Adentrei o local sem olhar para ninguém, Tainá estava na mesa dela. Ágata estava sentada com Robert. Ambas me chamaram com os braços para me sentar perto delas, mas a cara das pessoas que também estavam perto delas não era muito convidativa, principalmente depois do jantar de ontem a noite... olhei para a esquerda e mais uma vez, Yancy estava sentado no mesmo lugar de ontem, só que desta vez ele não está sozinho, ele está com uma garota negra que tem seus cabelos enfeitados com flores.

Eles conversam animadamente, talvez eu não deva me sentar ali. Antes que eu pudesse decidir onde poderia ir, sinto algo bater em minhas costas e quando me viro pra trás me deparo com a deusa Caipora flutuando com um colar de frutas no pescoço e uma torta que pelo jeito é de amora na mão esquerda e uma colher na mão direita. Atrás dela tinha dois gaviões voando com uma cesta com um pote de sorvete de morango.

A deusa me encarou com aqueles olhos assustadores, ela parece entediada ou aborrecida.

-Por acaso você é algum tipo de sinal de trânsito? Falta quanto pra ficar verde? – questionou ela. É com certeza ela está aborrecida.

-Desculpe. – tratei de sair rapidamente da frente dela.

-Nada de desculpas, garoto. – respondeu ela. – Vá se sentar logo, seu dia hoje não será como ontem. Chega de vadiagem por aqui!

Ela foi direto pra cadeira dela e ouvi alguns risos, principalmente dos filhos do deus da guerra. Os ignorei e decidi me sentar com Robert e Ágata mesmo, eles não protestaram, quem não parece muito feliz são as outras pessoas com eles que se afastaram um pouco.

Eles estavam comendo pão com manteiga e com uma caneca com café. Robert café naqueles copos gigantes de coca cola que tem nos cinema, enquanto Ágata comia outra coisa que não sei dizer o que é. Só sei que são bolas brancas mergulhadas em leite.

-Bom dia. – sorriu Ágata. – Como foi a aula? Dormiu bem está noite?

-Dormi. – respondi olhando para Robert. – Claro, os roncos eram infernais.

-Esta vendo! Eu falo que você ronca como um trator, mas sempre duvidou de mim! – Ágata soca o ombro dele.

- Obrigado, Kauê. – respondeu ele com ironia. – Desculpe por isso, geralmente eu não ronco tão alto. Hoje farei um feitiço para impedir que você escute.

-Mas que horas você chegou? Quando cheguei depois do jantar você não estava lá. – perguntei.

Ágata olhou pra ele também parecendo querer saber, então isso quer dizer que eles não estavam juntos como deduzi ontem.

-Era isso que eu ia perguntar. – disse Ágata. – Não apareceu no jantar, na verdade... foi melhor não ter aparecido.

-Ouvi alguns rumores está manhã, mas o que aconteceu exatamente? – perguntou ele.

Ágata suspirou.

- Raoni e o Pajécique tiveram uma discussão. – respondeu ela. – Sobre diversas coisas, sobre a inocência do Kauê, sobre a forma que vivemos nossas vidas de semideus, nossas ações e principalmente a escolha para Cacique que como você sabe, é hereditária através dos filhos de Tupã.

-Oh! Foi por isso então. – respondeu Robert. – Estava demorando pra isso acontecer, Raoni está com aquilo engasgado faz tempo.

-Yancy disse a mesma coisa. – respondi olhando pra ele. Ele ficou mal ontem, pela discussão, não parecia zangado, mas preocupado, com certeza com o Pajécique que é irmão dele, ele não parecia muito bem depois da discussão. – Sei que sou novo e não sei muita coisa, mas o que vocês acham? Sobre aquelas coisas que ele disse?

-Errado. – disse Ágata. – Não é porque temos poderes que não temos responsabilidade, não podemos simplesmente sair por aí e punir ou ameaçar bandidos ou pessoas erradas. Estamos aqui pra proteger a fauna e flora e manter o equilíbrio do mundo real e o mundo sobrenatural.

-Concordo, Raoni chega a ser hipócrita. Seu irmão... dizem que ele está usando os poderes dele como mercenário, apesar de não ter nada comprovado. – respondeu Robert. – É basicamente o mesmo que Raoni quer fazer, mas de outra forma.

- Não, Robert, não é. – respondeu uma das irmãs de Ágata que foram um tanto mais longe por minha causa. – Raoni quer fazer justiça com transparência. Nosso povo é um dos que mais sofrem no mundo nas mãos de políticos milicianos, pessoas estão morrendo por culpa deles, o meio ambiente morre por culpa deles. Como cidadãos, o que podemos fazer é bater panela e nada adiantará, mas como semideuses, podemos fazer uma diferença maior ainda, respeitando quem merece ser respeitado. As pessoas funcionam de forma simples, se ajudarmos elas com isso, elas nos ajudaram finalmente cuidando da terra. Agora o nosso irmão e um criminoso, pense o que quiser Ágata, sabe da verdade.

-Quieta, Vitória, guarde sua língua venenosa atrás de seus dentes. – retrucou Robert. – Não é assim que as coisas funcionam. Isso geraria um caos sem precedentes, por isso existe a barreira que separa todos nós.

-Existia você quer dizer, cada dia ela enfraquece mais e por qual motivo? Perguntamos e ninguém nunca responde. – respondeu ela. – Sempre tem segredos, Raoni tem razão. As coisas precisam mudar por aqui, urgentemente. Desde que cheguei aqui 10 anos atrás, nada mudou, nada do que fazemos tem efeito em quanto as pessoas continuarem maltratando o meio ambiente.

Ágata riu.

-Pelo que estou vendo então você apoia a loucura de uma eleição para Cacique? – perguntou ela.

-É claro. O Pajécique está velho, não vai durar muito tempo. Já tem mais de 300 anos. – respondeu ela. – Muitos como eu não confiamos que Yancy faria um ótimo trabalho.

Oi?!

-300 anos?! – exclamei.

A garota sorriu de canto.

- Não sabia? Nós temos uma vida longa graças ao sangue divino em nossas veias, o semideus mais velho morreu com 500 anos de idade quando Pedro Álvares Cabral embarcou aqui no Brasil. – respondeu ela. – Claro, não são todos que tem esse feito duradouro, afinal sempre morremos lutando ou por outros motivos.

-Yancy é qualificado para o cargo. – respondeu Ágata. – Foi praticamente criado para isso.

- Claro, um assassino deve ser muito qualificado. – respondeu ela revirando os olhos.

Assassino?

-Cala a boca, Vitória! – gritou Ágata batendo na mesa. – Não fale do que não sabe!

-Sempre defendendo bandidos. Primeiro nosso irmão mercenário e agora o Yancy. – respondeu Vitória para Ágata.  – Não sei como ainda pode ser líder de nossa Oca, mas isso logo vai mudar! Perdi a fome gente, quem me acompanha?

Assassino? O Yancy? O que ele fez? Quem ele matou?

Ela se levantou e foi seguida por alguns de seus irmãos para outra mesa, deixando apenas alguns conosco. Um garoto que parece ter 10 ou 11 anos se aproximou de Ágata e pegou sua mão.

-Irmã, sei que nosso irmão é bom, ele não fez nada de errado e não está fazendo.  – disse ele. – Os outros não sabem o que dizem.

-Obrigada, Ângelo. – respondeu ela beijando sua testa. – Você é um dos poucos que não falam essas coisas horríveis sobre ele por aqui.

- Não gosto de mentiras. – respondeu o menino. – Não fique triste, Vitória só sabe latir.

-Tudo bem, não se preocupe. – Ela sorriu. – Depois vamos praticar alguns feitiços?

- Claro! – exclamou o garoto, feliz.

Ele voltou ao seu lugar. Robert abraçou Ágata e disse alguma coisa na orelha dela. Só paro de prestar a atenção neles quando meu estômago ronca um terremoto de tanta fome.

-Coma, Kauê. – disse Robert. – Seu treino vai começa daqui a pouco.

Eu queria perguntar para Ágata sobre as coisas que a Vitória falou, mas... achei melhor não importunar ela com isso.

Orei aos deuses agradecendo pela comida e fiz mais um pedido implorando por um sinal de fumaça para solucionar os meus problemas. Não queria comer pão, muito menos essas bolinhas brancas que Ágata está comendo, por fim eu pedi mingau de chocolate e uma tigela enorme se encheu já minha frente. Adoro comer isso de manhã! Antigamente a escola dava, mas hoje não pode mais. Ouvi dizer que é por causa de crianças e adolescentes com intolerância a lactose, diabéticas e pra não engordar, claro, como se cantina da escola com refrigerante, salgados, bolos e doces não engordassem os alunos.

Quando estava quase terminando de comer, a corneta foi tocada e o Curupira se levantou chamando a atenção de todos.

-Muito bem, fomos agraciados com esse delicioso café da manhã, agora retornaremos as atividades. – disse ele. – Por favor, não se esqueçam dos sacrifícios no santuário de Ceuci. Nos veremos no almoço, algo a dizer Sra. Caipora?

A deusa estava deitada de forma desleixada na cadeira.

-Oh, não. – respondeu ela, entediada.

Todos se levantaram, Robert e Ágata também.

-Vamos ir ensinar os mais jovens como fazer armadilhas. – disse Robert. – Quer vir? Meio que você terá que aprender isso.

- Desculpe, Robert, mas ele terá aula conosco hoje. – disse Tainá se aproximando com Yancy ao seu lado, ele tinha um sorriso no rosto.

- Não sejam severos com ele. – pediu Ágata.

-Relaxe, ele vai amar. – Riu Tainá e não sei porque, mas acho que não gostei dessa risada dela e desse sorriso...

Livro 1: Kauê e os filhos da Amazônia - O Herdeiro Do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora