Capitulo 17 - Um treinamento Pesado

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Tainá me arrastou até uma enorme oca, ela é maior de todas, com toda certeza. Tão grande quanto tribunal. Quando passei pela entrada senti como se algo tivesse se atravessado por mim, Yancy explicou que ali dentro havia uma barreira de Ceuci também para impedir acidentes e agora entendo o motivo. Três semideuses estão lutando, duas mulheres e um homem.

-Logo eles acabavam o treino e poderemos começar o seu. – disse Tainá olhando maravilhada para a arena.

A primeira mulher de cabelos longos negros parecia dançar em uma coluna de fogo, lançando bolas de chamas nos outros, a outra com cabelo loiro curto patinava em uma ponte de gelo, levantando um escudo de gelo para se defender das chamas enquanto atacava com um tipo de mísseis de gelo no homem de cabelos encaracolados voava desesperadamente tentando desviar dos ataques de gelo da loira. Todos eles estavam dentro de um enorme círculo e dos lados haviam arquibancadas de madeira, com certeza para outros assistirem.

-Vai Manuel! Eu apostei em você, irmão! – exclamou ela.

- Ele vai perder. – disse Yancy. – Seu coração está acelerado, ele não consegue atacar, apenas se defender. Alguém vai perder a aposta.

-Calado, Yancy! – disse Tainá indignada. – Você sempre da spoiler das lutas, será que dá pra ser mais otimista?

-Desculpa, mas se ele fosse mais ofensivo. Até você pode ver isso. – respondeu ele. – Veja, ele apenas se esquiva, praticamente as duas o atacam e posso ouvir os batimentos dele e sua respiração, ele é o mais esgotado.

E não é que Yancy tinha razão, o tal Manuel foi o primeiro a ser derrotado e foi lançado para fora do círculo.

- Manuel! Como pode perder?! – exclamou Tainá indo até ele e dando um tapa em sua cabeça.

-Aaii! – gritou ele passando a mão na cabeça. –  Obrigado pela preocupação, estou inteiro se quer saber. A culpa não é minha se você fica fazendo apostas.

Tainá começou a gritar com ele e vice-versa.

-Nunca vi ela agir assim com os outros irmãos dela. – disse eu.

-Com Manuel ela tem mais intimidade. – sorriu Yancy. – Eles são irmãos por inteiro, filhos dos mesmos pais e foram criados juntos. Por isso essa diferença se é que tem alguma. Maria vai ficar feliz em saber que isso aconteceu.

-Por que ela ficaria feliz? – perguntei. – Por acaso ela é capaz disso?

Yancy riu.

-Sei que teve uma péssima impressão sobre ela, mas ela não é uma pessoa ruim. Só é enérgica e rígida. – respondeu Yancy. – E ela ficará feliz por Manuel ter perdido, pois assim finamente Tainá irá aceitar sair com ela.

Espera, elas são lésbica?! Mas eu vi a Tainá beijando o João na legião dela em uma das reuniões.

-Taina é lésbica? – questionei. – Mas eu vi ela beijando o João.

- Já ouviu falar em bissexualidade? – perguntou Yancy. – Tainá gosta dos dois tipos
O lema dela é “ Deus fez o homem e a mulher, então vamos ficar com os dois “, o João é o ex namorado dela, mas não deu certo e terminaram, as vezes eles ficam juntos sem compromisso, mas apenas isso. Agora ela parece estar gostando da Maria, espero que de certo. Maria gosta realmente dela, acredite, não aguento mais choro dela por causa disso.

Agora faz sentido aquela piscada.

-E todos aqui aceitam isso? – perguntei

- De boa, não tem motivo para escândalo ou qualquer coisa do tipo. Não somos julgados pelos nossos instintos seja eles sexuais, etnia ou gênero, mas pelo nosso caráter e pelo que somos. – respondeu ele. – Sei que parece um tanto contraditório você ouvir isso já que você está sofrendo represálias nesses dias, mas isso vai passar. O medo vai sumir da mente de todos e tudo vai melhorar, Kauê.

Como eles são diferentes aqui... Será que eu poderia... não. Nem sei se ficarei aqui com todo mundo me discriminando dessa forma.

Apesar de não ter certeza de suas palavras, decidi acreditar nelas. Yancy é tão sereno, parece que quase nada abala ele. Ele transmite confiança. Com certeza ele é perfeito para ser o próximo Cacique.

-Venha, vamos deixar Tainá e o irmão dela se entenderem, está na hora de você escolher sua arma. – chamou ele.

Demos a volta e entramos em uma espécie de sala escura que ficava a nos fundos da oca. Lá dentro havia um arsenal completo com machados, escudos, espadas, arco e flechas, adagas é lanças. Todos feitos de madeira.

- Você é iniciante, então o combate corpo a corpo são com armas não letais como de madeira. – disse Yancy. – Pode escolher a vontade.

E agora? Qual que eu escolho?

-Me recomenda alguma? – perguntei.

-Arco e flecha está fora de questão. – ele riu.

-Engraçado em. – respondi pegando uma espada de madeira de dois gumes, ok, vai ser essa mesmo. – Escolhi uma espada mesmo.

-Perfeito. – respondeu ele pegando um bastão que parecia ser de bambu. – Vamos, eu serei seu adversário de treino.

Quando ia sair, eu olhei para o fundo do arsenal, havia uma porta na extremidade. Uma porta de ferro.

-O que tem ali? – perguntei sentindo um calafrio.

-Digamos que é um local proibido. – respondeu Yancy sem olhar pra trás. – Apenas ignore.

Que sensação estranha... talvez seja melhor ignorar mesmo.

Voltamos para a arena, o irmão de Tainá e as duas mulheres não estavam mais lá, apenas ela estava, sentada nos esperando.

- Uma espada? – perguntou ela fazendo uma careta. – Tem certeza?

- Não, mas gostaria de tentar. – respondi.

-Tá, você terá que treinar com todas mesmo. Nós temos que ter conhecimento de manuseio de todas as armas, mesmo que não tenhamos talento para empunha-las. – desta vez Yancy será seu oponente, na próxima eu irei destrui-lo. – ela riu.

-Acredito fielmente nisso. – respondi.

Entramos no círculo e Yancy ficou parado na minha frente com o bastão em uma mão e a outra estava atrás de suas costas. O que ele quer dizer? Quer dizer só um braço e suficiente contra mim?

-Me de um golpe. – disse ele.

Segurei a espada com força e investi para ataca-lo, mas ele desviou rapidamente e bateu a ponta do bastão na minha cabeça.

-Estou aqui. – Ele sorriu. – Está segurando com muita força, afrouxa os  dedos e ataque de novo. Preste atenção em mim e  em meus movimentos.

Investi em cima dele novamente e ele bloqueou o golpe com facilidade e de uma forma que nem consegui processar, ele me deu uma rasteira quase me derrubando no chão, mas antes que isso pudesse acontecer, ele segurou minha camisa impedindo minha queda.

- Bom, você é rápido, mas precisa prestar atenção. Seu oponente pode usar qualquer tática para te vencer, dava tempo de você pular da minha rasteira. – respondeu ele me soltando e voltei a ficar em pé. – Agora, eu vou atacar, me bloqueie.

Tudo que consegui bloquear foi o primeiro golpe, o resto ele me acertou em cheio. Se fosse uma arma letal eu já estaria mais furado que queijo suíço.

Não sei o que está havendo, mas sinto meu estômago queimar. Uma sensação ótima. Até me surpreendi quando me coloquei em posição para tentar de novo.

-Estamos apenas começando não é? – limpei um pouco de suor da minha testa.

- Muito bem, venha. – sorriu Yancy.

Ataquei mais uma vez, Yancy tentou me empurrar com sua mão livre, mas eu me joguei para trás antes que ele pudesse me tocar.

-Isso. Prestou atenção em meu movimento, muito bom. – respondeu ele. – Continue.

Ele pulou pra cima de mim e em um movimento desesperado, me joguei para debaixo dele e estava pronto para atacar

- Está ótimo para seu primeiro dia.- disse ele. – Seu corpo já começou a se acostumar, assim como suas habilidades em combate começaram a fluir. É seu instituto natural de guerreiro.

Sei do que ele está falando, é como se meu corpo se mexesse sozinho.

-Agora eu irei te ensinar o básico de uma técnica. – disse ele se sentando no chão.

-Yancy, isso é complicado pra ensinar pra ele agora. – disse Tainá.

- Não, está perfeito. Ele está com adrenalina na flor da pele. Não irei fundo, apenas só básico. – respondeu Yancy sorrindo. – Se sente, Kauê.

Fiz o que ele me pediu.

-Bom, lembra da conversa que tivemos no refeitório? Eu não disse que nós semideuses temos todos nossos sentidos multiplicados em 10 vezes? – perguntou ele.

-Sim, você disse algo assim. – respondi não me lembrando muito bem.

-Pois bem. Nós usamos essas habilidades para muitas coisas e são vitais para nossa sobrevivência. Nossos sentidos são o: Tato, Paladar, Olfato, Audição e Visão. Esses são os sentidos físicos. Falaremos dos outros mais tarde, o que quero ensinar e o seguinte. Nossos sentidos são precisos em uma missão de reconhecimento, espionagem ou até mesmo em uma batalha. Nós semideuses somos “um” com a natureza e a vida. Usando o sentido do Tato, podemos sentir através do contato com o solo, quantidade de pessoas, animais, se estão perto ou longe. Usando Olfato podemos sentir cheiros a quilômetros de distância, o nossos e mais apurados que dos cães farejadores da polícia por exemplo. – respondeu ele. – Por enquanto vamos nos concentrar neste dois, Kauê. Eu quero que você se concentre e usando seu olfato me diga o que o tucano está comendo em cima da arena? É algo que você gosta, Tainá.

-Nossa, é mesmo é esta bem madura... Será que ele poderia me dar um pedacinho? – perguntou ela farejando o ar.

Eu não tô sentindo cheiro de nada diferente, só do meu chulé, poeira e cheiro de chuva, este ultimo vindo de Yancy.

Tentei me concentrar, mas não sei como fazer isso. Só posso dizer que neste momento, senti algo quando toquei minhas mãos no chão, parecia que a terra queria me dizer alguma coisa. Eu senti passos.

- Eu estou sentindo passos. – respondi.

-Bom, pelo menos o Tato funcionou rapidamente. Ele sempre é o mais fácil. – respondeu Tainá. – Está certo, Kauê. Tem alguém vindo aqui e ele está perto. Eu notei desde que ele saiu da Oca dele.

-Já é alguma coisa, você sentiu alguém chegando, alguém perto, mas sentiu. Logo sentirá de longe também. – Yancy me parabenizou. – Paciência, vamos treinar todos os dias.

-Com certeza vai precisar de muitas mais aulas. – ouvi a voz de John, ele estava na entrada da oca com flores nas mãos.  – Eu senti que estavam aqui.

- John? É um milagre te ver fora daquele escritório. – disse Tainá. – Pra que essas flores?

-Só vou até o cemitério. Tainá, as filhas de Iara querem sua ajuda. Logo elas irão para as praias e alguns papagaios parecem estar doentes. – respondeu ele. – Dor de estômago, talvez.

-Aquelas idiotas! – bufou ela. – Já cansei de dizer! Não de comida humana para os papagaios!

Tainá saiu voando furiosa.

-O saco de pancada está disponível? – perguntou ele se referindo a mim com certeza.

-Estamos treinando. – disse Yancy. – Agora que ele está progredindo.

-Vai ser rápido. – insistiu ele.

Yancy suspirou.

-Tudo bem. – respondeu Yancy. – Não demore muito.

-Obrigado. – respondeu John. – Vamos, Kauê.

Entreguei a espada para Yancy e segui John até a saída.

Livro 1: Kauê e os filhos da Amazônia - O Herdeiro Do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora