Capítulo 24 - Sou diagnosticado como o idiota do século!

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Abro meus olhos com dificuldade, logo um enorme clarão começou a invadi-los. Vejo uma silhueta de alguma coisa acima de mim, uma mulher, uma mulher com cabelos verdes, parecem ser algas e sua pele cheia de alguma coisa que parecem ser escamas e totalmente azul. Seus olhos são verdes como esmeraldas, seus lábios azuis estavam curvados em um sorriso.
-Ele acordou! – gritou ela e senti passos se moverem de forma apressada no solo. Me levanto e vejo Ágata, Tainá, Victor, John, Yancy e aquela garota alta e robusta que ainda não sei o nome. Yancy estava fazendo um carinho em George e meu papagaio estava em seu ombro, Também recebendo um carinho. Cada um tinha um olhar diferente para mim, John e Victor pareciam querer me dar uma surra. Ágata e Tainá com certeza querem acabar com minha vida, a garota me olhava com tédio e despreocupada, mas Yancy tinha um olhar sereno, nem zangado, nem feliz, ele parecia preocupado.
-Kauê, você está bem? – perguntou Ágata, se aproximando.
-Estou, só um pouco tonto. O que aconteceu? – questionando como vim parar aqui.
- Que bom que está bem. – Ágata sorriu e levou sua mão até a minha orelha e a puxou com força. Seu sorriso se desfez e uma feição furiosa tomou todo seu rosto. – QUAL É O SEU PROBLEMA?! PERDEU A MERDA DO JUIZO?!
-Ai! – exclamei. – Eu posso explicar...
-EXPLICAR?! – berrou Tainá, ela respirava de forma tão pesada que o ar que saia de seu nariz estava levantando poeira no chão. – EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ POSSA SER TÃO BURRO! KAUÊ! SABE O QUE FEZ?! VOCÊ VIOLOU TANTAS REGRAS QUE NEM SEI COMO PODE ESTAR VIVO AINDA! NO QUE ESTÁ PENSANDO?! NÃO PODIA TER FEITO O QUE FEZ!
-Hehehe foge, Purê!! Ela vai fazer purê de batata com você! – ria meu papagaio.
-Calma... Eu tinha que vir, eu precisava... – tentei explicar, mas fui interrompido por John.
-Você está dificultando a sua situação, Kauê. Já é mal visto entre todos por todos aqueles motivos equivocados e você agora faz questão de arranjar motivos concretos e piores! – bufou John, ele parecia pronto pra dar na minha cara. – Será que não sabe o que significa “NÃO.”
-É isso mesmo! As regras são claras e devem ser seguidas! Sabia que nós temos toda a autorização pra  te prender?! – exclamou Victor. – Você não é retardado ou é?
-Gente, vamos manter a calma e deixar ele falar. – suspirou Yancy se aproximando e parando entre eu e os outros. – Deixar ele mais nervoso do que já está não vai nos levar a lugar nenhum. Por favor.
- Yancy, não é assim que se resolve a situação. Não importa o motivo! Ele desobedeceu totalmente as ordens do nosso Pajécique, ele saiu sem permissão, tirou aquela criatura de um local que ela jamais deveria ter saído, aliás, como você chegou até lá? – perguntou Victor fazendo uma bola de neve com as mãos.
-O papagaio dele me contou que a própria Caipora deixou ele seguir em frente.  – respondeu Yancy. – Se ela deixou, com certeza tem alguma razão.
E tem! Ela sabe que vou morrer!
-Óbvio que ela deixou porque sabe que ele será preso se voltar, ou até mesmo morto se voltar com vida. – resmungou Victor. – Todos sabemos muito bem que ela não dá ponta sem nó. Se ela percebeu a saída dele, com certeza todo o Conselho já sabe.
- Ele está certo, Yancy. – disse Tainá. – Não quero nem imaginar o que vai acontecer agora... foi muita falta de prudência da sua parte, Kauê. Se você pudesse vir junto, nós com certeza traríamos você conosco, mas nós te falamos quando saímos não é? Não tinha como. Nenhum semideus sem treino adequado pode ir em missões, ainda mais você,  com tantas acusações e problemas nas suas costas.
-E agora? – Ágata mordeu o lábio. – Com certeza elas vão encarar a saída dele como algo ruim, isso  um certeza vai prejudicar mais ainda o julgamento. Raoni vai adorar isso.
Eles estão falando de uma forma como se eu tivesse feito a pior burrada da minha vida e pelo jeito é mesmo... parabéns Kauê! Assinou sua sepultura com antecedência!
-Mesmo assim, ele já está aqui não é? – perguntou Yancy para todos. – Vamos ouvi-lo, seja qual for motivo dele. Fale, Kauê.
Eu engoli em seco. Eu sabia que estava fazendo uma coisa bem errada, ainda mais na minha atual situação nada favorável... mas eu tinha que vir. Não podia ficar lá parado com essa dúvida martelando a minha cabeça.
-No julgamento, quando John mostrou para todos aquela mensagem do papagaio de Bruno, todos viram uma silhueta de uma mulher não é? Uma mulher com uma voz idosa e áspera. Eu posso ter quase certeza que aquela mulher era a minha avó. – respondi. – Não me perguntem como, mas eu sinto que era ela.
-Isso é ridículo. – resmungou Victor assoprando uma fumaça gélida. – Era a Cuca, todos viram o rabo de jacaré. Aquela é  aparência normal dela, uma velha enrugada e acabada.
Não... Não era. Eu não sei porque, mas sinto que estou certo.
-Realmente, Kauê, não faz sentido. Já tentou falar com sua avó? – perguntou Ágata, com um olhar confuso. – Eu já vi sua avó, poucas vezes, mas não parecia ser ela. Muitas mulheres idosas se parecem e a Cuca não é exceção.
-Concordo, você deve ter se enganado, estava nervoso com toda aquela pressão em cima de você. – disse Tainá. – É demais pra qualquer pessoa, Kauê.
- Não! Eu sei que era ela! – levantei a voz. Eles precisam me entender. – Não tinha como falar nada pra vocês, eu preciso descobrir o que está acontecendo.
John me analisou em silêncio, assim como Yancy, nenhum dos dois demonstrava não acreditarem em mim, mas também pareciam estar em dúvida
- Tudo que você precisa, garoto, é aprender a ficar quieto quando te mandam. – resmungou Victor vindo em minha direção com um vento gélido em mãos. – Não que eu concorde com Raoni, mas devo admitir que você me assusta, sendo quem você é. Se todo mundo for a favor, eu posso deixar ele preso em uma cela de gelo até resolvermos nosso problema por aqui.
- Não. – Yancy foi o primeiro a falar. – Não iremos fazer nada com ele sem antes consultar o meu irmão, a decisão cabe a ele. Vamos fazer o seguinte, não sei se a história dele é real ou não. Mas ele acredita nisso, ele não viria até aqui atoa. Arriscando a própria vida. Nem mesmo o mais imbecil faria isso, Certo?
Assenti rapidamente com a cabeça.
- Talvez você tenha razão. – respondeu Tainá. – Só que foi mesmo muita burrice.
-Obrigado, Tainá.- respondi fazendo uma careta.
-Faça como achar melhor, Yancy. – Victor bufou e um ar gélido saiu de sua boca, congelando gotículas de água no ar. – Eu só quero cumprir essa missão logo.
-E vamos, assim que a Iariéte terminar de contar o motivo de nos arrastar até aqui embaixo e quase nos matar. – respondeu John, olhando para a moça com cabelos verdes. Só agora prestei mais atenção em si, ela não tem pernas, somente uma noite cauda de peixe como se fosse uma sereia. Seu corpo todo e revestido com algas e em seu peito tem um tipo de coral cobrindo tudo. – Quando o Negro D'água irá retornar?
- Logo, esperem mais um pouco. – pediu ela. – Ele deixou esse semideus aqui junto com estes animais e depois voltou para dentro do Rio.
Negro D'água... Eu me lembro, foi ele que me pegou e levou até o Rio. Onde ele está? Cadê a minha mochila com as coisas que Robert me deu?!
Victor se aproximou de meu papagaio e da Falconça, ele colocou a mão sobre ela, mas não para fazer carinho, ele parecia tentar apertar algum botão ou algo parecido.
- Onde conseguiu essa bicicleta voadora? – perguntou ele para minha surpresa. – Isso não é justo, por que nós temos que usar a van? E ele tem uma bicicleta?!
-Por que com certeza um de meus irmãos extrapolados ajudou ele a vir até aqui. – respondeu Ágata. – É a única explicação. Com certeza foi o Vinicius, certo? Ele é o mais habilidoso  com o feitiço de veículos voadores, apesar de ser proibido fazer sem autorização. Ele não fez isso com boas intenções, todo mundo sabe que você não está preparado para missões e não podia sair.
Bicicleta? Eles estão vendo uma bicicleta?! Mas... como?! Já sei! Com certeza o Robert colocou alguma proteção, para que ninguém pudesse descobrir, mas pelo jeito ela não funciona com deuses.
-Kauê, se levante, por favor, eu quero falar com você. – pediu Yancy.
Eu me levantei e o segui até perto da van, onde a garota robusta escutava música com fones de ouvido, parecia não dar muita atenção para o que acontecia a sua volta.
- Está tudo bem? Rafaela? – perguntou Yancy colocando a mão em seu ombro, ela olhou pra ele é sorriu, um sorriso tímido, pois seu rosto ficou um pouco vermelho.
- Está sim! – exclamou ela, tirando os fones. – Precisa de alguma coisa?
- Não, estou ótimo. Mas você precisa, não se esqueça de tomar sua insulina. – respondeu ele sorrindo. – Sei que incomoda, acredite, eu também detesto agulha.
Insulina?
- Eu sei, já irei tomar, obrigada. – respondeu ela com o mesmo sorriso tímido e depois ela levou os olhos até mim. – Oi, Kauê. O que dizem sobre você é verdade, você ama caçar problemas.
Quem dera... minha situação é totalmente o contrário, mas desta vez, ela pode ter razão. Eu vim por vontade própria.
- Oi, Rafaela. – respondi.
- Yancy, os papagaios vão demorar muito? – perguntou ela.
-Acredito que não. – respondeu ele.
- Onde eles estão? – perguntei.
-O pai de Tainá os invocou por um instante, ela disse que o pai dela vai dar alguma coisa especial para eles, algo assim. – respondeu ele.
Todos foram, menos o meu. Já prevejo muita reclamação e choro da parte dele.
Yancy andou na frente e fomos para mais afastado dos outros, o que será que ele quer que não pode dizer na frente dos outros?
Ele se virou e me encarou, suas pálpebras tremiam. Seu rosto estava sem expressão, como ele consegue? Minutos atrás estava sorridente com a Rafaela e agora parece zangado comigo...
- Vou perguntar apenas uma vez. – disse ele. – Quem te levou até o Falconça?
Merda!
-Hã... do que está falando? – tentei me fazer de desentendido.
-Kauê, eu sei que está mentindo. Aquilo não é uma bicicleta, é um ser vivo. Um ser que estava preso e é totalmente proibido solta-lo. – respondeu ele. – Quem te levou até lá? Ainda além, quem te deu aquela mochila bem equipada com o mapa nos rastreando e tudo mais? Ágata disse que o mapa está enfeitiçado, um feitiço de rastreamento ligado a ela. Todos os irmãos dela tem isso, mas eu duvido que um irmão dela tenha te ajudado, orgulhosos do jeito que eles são e principalmente agora que todos estão brigados.
Eu não posso delatar o Robert... ele só queria me ajudar.
- Não quero dizer. – respondi. – Não posso.
Isso não pareceu surpreende-lo, sinto muito... mas tenho certeza que Robert não me delatou lá e não posso fazer isso aqui.
-Olha, eu só quero evitar um problema. O feitiço pode enganar os outros, mas não a mim, por ser cogitado a futuro Cacique, eu ganhei alguns privilégios, eu sei que é um Falconça, já estive na presença deles antes quando Yagura me mostrou eles. Eles são um segredo restrito apenas para os anciões e a alta cúpula divina, ninguém além de nós sabe dele. Se você o encontrou é porque um deles te levou lá, algo que eu acho muito difícil ou então outra pessoa fora dessa lista sabe e tentou te ajudar, mas fazendo isso te colocou numa fria sem igual. – respondeu ele. – Então, quem foi?
Fiquei em silêncio, não sei o que fazer ou dizer.
Ele suspirou, parece desapontado.
- Tudo bem, não irei te forçar a nada, mas tome cuidado. É sério, não sei se a Caipora vai falar alguma coisa, mas se o Conselho saber da forma que você chegou até aqui... nem meu irmão poderá te proteger. Fique ciente disso, não piore mais as coisas. – ele suspirou, suavizando o olhar. – Não me leve a mal, Kauê, você fez algo muito errado, perigoso e bem suicida.
-Entendi. – bufei. – Anda, me leva de volta, sei que pode fazer isso e vamos acabar com isso de uma vez. Eu só queria... Eu precisava fazer algo pela minha avó, é ela Yancy, eu tenho certeza.
-Precisava? Não, você precisa. – Ele sorriu de canto. – Não irei te mandar de volta, se você acredita que sua avó está em perigo, eu acredito em você. Não sei se está certo ou errado, não serei eu a julgar isso. Você já está aqui, então, vamos continuar e descobrir esse mistério juntos.
Um alívio e uma alegria tão grande me invadiram que quase pulei, mas me contive.
-Obrigado, de verdade. – respondi estendendo a mão para agradece-lo.
Ele sorriu, ignorando minha mão e levando os dois dedos até minha testa e dando um toque, que deixou uma pequena cosquinha na mesma.
-Venha, temos um problema pra resolver. – disse ele. – Um problema sério.
Nós nos juntamos aos outros que tinham olhares estranhos para nós.
-O que fizeram vocês pousarem aqui? – perguntei.
- Ela. – Ágata apontou para a sereia. – Praticamente ela nos forçou a descer com seu grito basicamente supersônico. Estávamos camuflados com o feitiço, mas ela sentiu nosso cheiro e nos forçou a descer para ajudá-la. Com certeza é filha da deusa Iara, tem uma voz poderosa.
Eu olhei pra ela com mais precisão, com certeza não é uma semideusa. Eu já vi as semideusa filhas da deusa Iara em Eldorado é nenhuma delas se parece com uma sereia, não estou dizendo que são feias, são lindas, mas ah! Deu pra entender.
- Ela é uma semideusa? – questionei, só pra ter certeza.
- Não. – respondeu John revirando os olhos. – Acorda, garoto. Semideuses são meio deuses e meio humanos, por acaso ela parece ser humana? Ela é uma das 150 filhas que a deusa Iara teve com o Negro D'água. Ela é uma Iariadéte.
150 filhas?! Minha nossa senhora das gestantes! Quanta coragem!
-Nunca ouvi falar. – respondi. Nunca mesmo, já ouvi histórias antes de saber que era um semideus sobre lobisomem, Saci, Iara e por aí, pois são histórias que as pessoas contam por aí e acabei ouvindo sem minha avó saber.
De repente um jato de água me atinge, me molhando por inteiro. Foi a Iariadéte que o lançou.
-Mal educado! Eu sei que eu e minhas irmãs não somos famosas, mas não precisa jogar na minha cara. – respondeu ela, nervosa. – Peço desculpas mais uma vez a todos pelo desconforto, mas não havia tempo de chamarmos a legião que cuida daqui, nem sabemos onde eles estão e nós não podemos ficar muito longe do Rio.
-Desculpe, não foi por mal. – respondi. – Então... Ajudar ela com o quê?
- Não sabemos direito, quando descemos, encontramos você jogado ali perto dela. – disse John. – Ela apenas disse que devemos esperar o Negro D'água retornar, pois ele saberia melhor explicar o problema.
- Eu já estou cansado de esperar aquele peixe velho. – resmungou Victor de costas para o Rio. – Deveríamos ir embora e fazer a nossa missão, Bruno pode estar morrendo nesse momento e nós estamos aqui tentando fazer o capricho dessa daí.
-Victor, cale a boca. – respondeu John. – Tenha respeito.
-E se eu não tiver? – perguntou ele.
- Eu te afogo até sua alma implorar por oxigênio. – ouvi aquela voz, era ele, o Negro D’água. Ele emergiu do rio com uma pequena criança nos braços, uma garotinha. Ela estava adormecida e meu Deus, como essa menina é pálida!
Yancy foi o primeiro a se mexer. 
-O que ela tem? Por que o coração está tão fraco? – perguntou ele.
- Essa garota foi atacada dias atrás aqui no meu rio. – respondeu o Negro D’água. – Ela é filha de um dos fazendeiros vizinhos, sempre vem aqui alimentar os patos e peixes, cantando e sorrindo. Eu e minha filha sempre ficamos maravilhados em como ela demonstra seu amor pela natureza e as criaturas. Faz uns dias que ela desapareceu, ficamos preocupados, fui verificar e descobri que ela está dessa forma a uma semana.
Ele a depositou no chão,  a boca da menina estava seca, muito seca e de seu corpo vinha um cheiro de sangue.
-Coisas estranhas estão acontecendo por aqui, coisas que nunca aconteceram antes. – respondeu o Negro D'água. – As galinhas dos fazendeiros pararam de botar, os cachorros perderam a voz. Eu pensei que fosse o Saci fazendo suas gracinhas, mas não é ele. Muitos humanos foram atacados e deixados dessa forma como está menina.
-Vocês podem fazer algo? – perguntou a Iariadéte. – Nossa magia foi inútil.
Ágata chegou perto dela e colocou a mão em sua testa.
-Como está gelada! Essa garota parece estar morta. – respondeu ela.
- Não, ainda não. – disse John. – Mas se não fizermos nada, ela vai morrer.
-Mas o que aconteceu?  Como ela ficou dessa forma? – perguntou Victor.
-Olhem, o que é isso? – perguntou Tainá apontando no pescoço dela.
Havia algumas marcas, pareciam ser mordidas.
-Eu já vi isso antes. – disse John, ele parecia assustado. – Na época que integrava a legião do Nordeste. Uma criatura atacava e deixava as pessoas dessa forma, demorou meses para que pudéssemos acabar com ele, mas pelo jeito ele retornou. Estamos em sérios apuros, principalmente nós, semideuses. Ele odeia todos nós.
-Por quê? – perguntou Tainá. – Que ser folclórico é esse?
-O Encourado. – respondeu John com um olhar sinistro.  – Estamos mortos.

Livro 1: Kauê e os filhos da Amazônia - O Herdeiro Do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora