Coração Puro

Tigre branco

>Ren<

– Pai! – Anik gritou correndo em minha direção. Desviei os olhos dos documentos que estava lendo para ver o que garoto queria.

Não consegui segurar o sorriso quando vi seu rostinho sujo de tinta.

– Sua mãe vai ficar uma fera quando te ver assim – o peguei no colo indo até o banheiro.

– Mas o pote de tinta virou – ele me olho, serio – Não foi minha culpa.

Parei um instante.

– Você não virou tinta no chão não é?

– Não.

Soltei um suspiro e comecei a limpar seu rosto.

– Eu... – ele gaguejou.

– Sim?

– Virei no tapete da sala – confessou desviando o olhar.

– Que? – arregalei os olhos.

– Foi um acidente – ele tentou sorrir.

– Tudo bem – respirei fundo, pensando.

Ora, era só um tapete persa de dez mil dólares. Depois de limpar ele fui até a sala verificar o estrago. O tapete que antes era impecavelmente branco, agora tinha três risco negro de fora a fora.

– Um acidente, não é? – olhei para ele que se encolheu com um meio sorriso – Bem, isso é um problema – levei a mão na nuca.

– Parece as listras de um tigre – ele comentou agora sem esconder o sorriso.

Ri alto com sua observação.

­– Tive uma ideia – falei. Brava Kelsey já ia ficar, pelo menos podíamos transformar isso em uma brincadeira – Traga mais tinta preta.

Nos sentemos cada um de um lado do tapete e começamos a fazer listras, logo teríamos um belo tapete de tigre branco. De tempos em tempos eu olhava a TV, esperando o noticiário das oito.

– Meninos, trouxe pizza... – Kelsey parou de falar quando chegou na sala. Os olhos se arregalaram e a boca se abriu em um O.

– Olha mãe – Anik saltitou na direção dela – É um tapete de tigre branco!

Ela ficou um momento em silêncio, olhando a cara sorridente de nosso filho.

– Imagino que essa ideia de gênio não tenha partido de você, não é querido? – seu olhos furiosos deixaram o menino e se voltaram para mim.

– Ora, você sempre gostou de tigres brancos – comente sorrindo. Mas diferente de Anik, o meu sorriso só pareceu deixar ela mais irritada.

– Alagan Dhiren Rajaram e Anik Kishan Rajaram vocês estão muito encren... – sua voz sumiu enquanto seus olhos se fixaram em algo atrás de mim – Kishan!

Virei no ato e notei o motivo de sua surpresa. O noticiário tinha começado e o repórter falava com um correspondente brasileiro, que contava o curioso achado em uma cidadezinha no sul do pais. Eles haviam encontrado um raro tigre negro próximo a uma usina.

– Mãe? Você está pisando na tinta molhada – Anik avisou.

Eu o puxei para mim e cobri sua boca, para que pudéssemos escutar sem sermos interrompidos. A cena mostrava um tigre negro de olhos dourados mostrando as presas em rosnados enquanto era capturado, logo em seguida ele estava dentro de uma cela de zoológico, sentado de costas para a câmera.

Assim que a reportagem acabou Kelsey se jogou nos meus braços.

– Isso é impossível! – seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela soluçava contra o meu peito.

– É só uma coincidência, Kelsey – suspirei, sentindo meus olhos marejarem, mas não me permiti chorar – Não é ele.

– Pai? Mãe? – Anik chamou puxando nossas mãos – O que foi?

– Não é nada – eu apertei Kelsey mais forte contra mim, e encarei o garoto de olhos dourados, assim como os do tigre na reportagem – Vá tomar banho e se vestir para dormir, meu filho.

– Mas pai...

– Vai!

Ele saiu resmungando da sala, apenas parou na escada pra falar:

– Vocês notaram que estão pisando na tinta, por que depois isso não vai ser minha culpa.

Puxei Kelsey para o sofá e ficamos agarrados por um bom tempo, meus olhos na TV ainda viam aqueles olhos dourados. Olhos tão parecidos com os do meus filho.

– Eu sinto falta dele – Kelsey murmurou.

– Eu também, mas você viu a carta – puxei seu rosto, para poder ver seus olhos – Ele ficou feliz com Anamika.

– Mas Ren, e se aquela carta for uma farsa e se...

– Shhhh – acariciei seu rosto – Não pense nisso querida.

Ficamos mais um momento abraçados e Kelsey se levantou.

– Vou ver Anik, não devia ter mandado ele tomar banho sozinho. Da última vez ele quase imundo o apartamento.

– Claro, iadala.

Assim que ela saiu, fui para meu escritório e fechei a porta. Sentei na frente do meu computador e abri meu e-mail, meu primeiro e-mail. Um que eu não usava de fato a mais de 6 anos. A última mensagem recebida era de Kadam, falando sobre o que descobrira da segunda parte da profecia.

Eu havia enviado vários e-mails.

Havia enviado para você meu irmão, mesmo sabendo que você nunca os leria, eu escrevi.

Contei sobre meu casamento, sobre o trabalho, a mudança para o Oregon, a faculdade, e por fim sobre Anik. Essa foi o último e-mail que mandei. Agora meus dedos corriam o teclado novamente, em mais um e-mail.

De: tgrbrc@rajaramcorp.com

Para: tgrngr@rajaramcorp.com

Sinto sua falta irmão

Assim que apertei o botão de enviar, coloquei as mãos sobre o rosto e chorei, como a muito tempo não chorava.

Já era quase meia noite e eu ainda estava em meu escritório, eu sabia que precisava ficar ao lado de Kelsey, agora que a ferida da perda tinha sido cutucada mais uma vez.

Desliguei meu computador e estava saindo do escritório quando senti um perfume estranho no ar. Congelei sentindo que alguém me observando. Virei a cabeça e me deparei com um par de olhos verdes me encarando do batente da janela. Fiquei surpreso, já que essa janela ficava no segundo andar, mas no final, era um gato, e não existe lugares onde um gato não seja capaz de ir. O gato preto miou então ronronou alto.

– Oi, gatinho – caminhei em sua direção. Eu não me lembrava de ter aberto a janela – Como chegou aqui?

Assim que dei um passo em sua direção senti minhas pernas vacilarem, meu corpo tombou para frente e uma dor excruciante tomou conta de mim. Quis gritar, mas nenhum som saiu da minha boca. Somente podia me debater e arranhar o chão inutilmente. Eu já sentira aquela dor antes, mas meu corpo havia se esquecido do quão forte ela podia ser.

Quando finalmente consegui produzir um som, minha voz saiu em um rugido áspero que fez os vidros tremerem, e diante de mim, pela janela escura, eu podia ver um tigre branco assustado me observando.