Tempo rei

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Todos os títulos são canções.
       Tempo Rei - Gilberto Gil

RENATA

O mundo parecia estar em câmera lenta após a frase que minha sobrinha acabara de falar. Só poderia ser uma pegadinha, uma brincadeira sem graça. Fixei meu olhar no dela, e ele já estava quase transbordando. Péssimo sinal, não era pegadinha.

- Grávida? - falei um tom mais baixo que o normal, fitando-a.

- Tia... - tentou iniciar uma justificativa talvez, mas a impedi.

- Quantas vezes conversamos sobre isso? Quantas vezes? - perguntei mais para mim do que pra ela, massageando as têmporas. - Acho que se utilizar as minhas e as suas mãos para contar, ainda não serão suficientes - disse observando a menina que claramente estava perdida. - Quanto tempo você tem de gestação?

- Quinze semanas - respondeu num sussurro.

- Isso equivale a quantos meses? Sou advogada, não trabalho com semanas - proferi.

- Quase cinco meses - foi a vez de Clara falar. A médica fazia um carinho na minha mão que não apoiava a cabeça.

- CINCO MESES? - exclamei sem medir o volume da voz. - E você só descobriu agora, Priscila? Há quanto tempo você sabe?

- Quatro dias que eu desconfiei, fiz alguns testes de gravidez, deram todos positivos. Então contei a Alice, que ligou para Clara no dia seguinte, pedindo ajuda.

- Eu não me senti do direito de contar sem a presença dela - proferiu Clara assim que a olhei. - Por isso quis marcar o almoço aqui hoje.

- E quem é o pai dessa criança, você sabe? - indaguei.

- Claro que sim, tia! A senhora acha que eu saio por aí dando a todo mundo? - respondeu chateada.

- Eu não sei mais! Realmente não sei! Porque eu tenho certeza que te dei liberdade o suficiente para conversar comigo sobre absolutamente tudo e ter uma coleção de camisinhas se quisesse, além de tomar anticoncepcionais. E olha onde estamos - falei apontando para a barriga da jovem, que já estava saliente, se reparasse bem. - O que aconteceu com todas as nossas conversas, Lila? Você jogou no ralo? - perguntei com uma pontada de decepção da voz.

- Tia, me perdoa - proferiu com o rosto já molhado das lágrimas. - Ele falava que sem camisinha era melhor, e que não iria finalizar lá dentro - explicou. - Eu acreditei.

- E esse menino já sabe que vai ser pai?

- Já - prosseguiu. - Ele me disse que não tinha garantias que o filho era dele, e que se fosse - minha sobrinha estava aos prantos, soluçando.

- Se fosse, que ela se virasse pra abortar, foi isso - completou Alice, com a voz cansada.

- Ele o quê? - falei batendo a mão na mesa e assustando a todas. - Desculpa - proferi ao sentir a mão de Clara apertando a minha, como se pedisse calma. - Lila, olha para mim. Você não precisa desse moleque para ter seu filho, certo? - ela assentiu entre muitas lágrimas. - Você tem a mim, seus pais, seus avós.

- Vovó vai querer me matar - comentou entre soluços.

- Vai mesmo. Temos todos eles para contarmos essa novidade - falei. - Mas eu tenho certeza, Lila, que essa criança será muito amada por todos nós.

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