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O mel e o fel - Maglore.CLARA
Os dias passaram e finalmente era véspera da apresentação de defesa do mestrado. Precisava passar no hospital mesmo tendo trocando o plantão com um colega. Estava terminando de avaliar um paciente quando meu celular tocou, era Alice. Estranhei, porque minha irmã sabia que eu estava trabalhando e não poderia atender. Ao sair do quarto, já haviam mais quatro ligações perdidas da mais nova, o que me deixou preocupada. Assim que retornei, antes do segundo toque ela me atendeu:
- Cau, desculpa, mas eu preciso falar urgentemente com você - a voz estava aflita e meu coração descompassou já nervoso.
- Você tá bem? É alguma coisa com a mama? Pelo amor de Deus, Alice. Onde você está? - disparei em um só fôlego.
- Estamos bem. Pelo menos até agora. Clara, precisamos de sua ajuda - proferiu.
- Precisamos? Precisamos quem?
- Eu e Priscila - respondeu. - Será que podemos almoçar juntas? Você já terminou aí?
- Lice... Amanhã é a minha defesa, eu queria ir pra casa descansar e revisar tudo.
- Por favor, Dengo. É importante, eu juro - disse com a voz abalada.
Concordei em almoçar com as duas. Minha cabeça já fazia mil suposições do que poderia ter acontecido. Será que Alice e Priscila estavam tendo um romance? Não consegui me concentrar como deveria no final da manhã, o que me demandou mais tempo revisando todos os pacientes e as prescrições. A vida daquelas pessoas estava sob minha responsabilidade e erros não são admitidos. Quando cheguei na porta da faculdade, ambas já me esperavam.
- E então? Quem vai começar a falar? - indaguei assim que as duas estavam acomodadas no carro e eu já havia voltado a dirigir.
- A gente pode começar a conversar quando estivermos com comida na nossa frente? - minha irmã taurina se pronunciou. - Eu preciso de alimento para me acalmar, Clara. E Priscila não come desde cedo.
O silêncio se fez após que concordei e ao observar a sobrinha de Renata pelo retrovisor a vi enxugando os olhos, querendo disfarçar o choro. Cerca de vinte minutos depois, estacionei em um restaurante italiano que Alice gosta muito. Nos acomodamos em uma das mesas e fizemos nossos pedidos. Iniciamos um assunto trivial e me deixei levar, perguntaria o motivo de tanta aflição no final do almoço. E assim foi feito, quando a sobremesa chegou, resolvi que era o momento de questionar o que tanto afligia as duas.
- Bom, já almoçamos, conversamos sobre diversas coisas, agora quero saber a urgência toda em falar comigo - disse fazendo as jovens se olharem.
- Priscila está grávida - soltou minha irmã sem rodeios, me fazendo quase engasgar com o sorvete que havia acabado de colocar na boca.
- Alice! A gente não ia falar com calma? - disse a outra já com lágrimas nos olhos.
- E como vocês têm certeza dessa gravidez? - perguntei já imaginando todas as consequências caso realmente Priscila estivesse gestante.
- Teste de gravidez, óbvio - respondeu minha irmã revirando os olhos. - Ela já fez mais de dez, todos positivos.
- Pri, você sabe quem é o pai? - perguntei diretamente a menina, que estava em prantos.
- Sei... Mas eu também sei que ele não vai querer assumir, Clara - respondeu. - Eu já pensei em abortar, pra lhe ser bem sincera, mas algo me impede, sabe? - assenti em silêncio para que ela continuasse a falar. - Eu não quero nem imaginar como meus avós e meus pais vão reagir, sei que o surto vai ser coletivo.
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Minha pele é linguagem
RomansaClara, 25 anos, médica e terminando um mestrado, num mundo completamente diferente do dela por causa de um relacionamento. Renata, 45 anos, advogada. Mora com as duas gatas, com uma bagagem de relações (frustradas). Elas se encontram por acaso e a v...