Ragazzo Sfacciato

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Tradução: Garoto insolente
Noite de Domingo, em Roma

[ Por João Miguel ]

Olhei para o relógio pendurado na parede do meu quarto, os seus ponteiros marcavam uma da manhã. Passei as mãos no rosto para limpar as lágrimas, tinha-se passado um mês desde a última vez que a tinha visto, o último encontro foi naquela noite, na cozinha, quando a permiti tocar-me daquela forma tão íntima. Fui um idiota, um completo tolo ao pensar que podia ter uma vida melhor. Sentia-me usado, imundo, com nojo de mim mesmo, de ter cedido tão fácil, e por mais banhos que tomasse, não conseguia tirar a sensação de sujidade da minha pele. Mas o mais doloroso era saber que gostei, que gostei do seu toque, das suas carícias na minha pele, dos seus lábios úmidos pelo meu corpo, das suas mãos a passearem em mim, do calor da sua pele sobre a minha... Fechei os olhos e deixei cair mais algumas lágrimas. Eu não tinha passado de um brinquedo, fui usado e deixado de lado, eu era um completo nada.
Mas peguei no que restava da minha dignidade e na minha pequena mochila, estava na hora de partir.

[ Narradora ]


O loiro deixou o quarto dirigindo-se para as traseiras da casa a passos largos e silenciosos, a porta das traseiras dava para um telheiro que era sustentado por quatro colunas em mármore esculpido, o teto era forrado com grossas vigas de madeira escura bem envernizadas, tal como o soalho. Do telhado escorria uma cascata de heras que fazia uma espécie de cortinado verde. Junto de cada coluna estavam enormes jarrões chineses com desenhos florais em azul escuro quase preto feitos à mão, em cada jarro um ramalhete de rosas encarnadas como o sangue que deixavam algumas das suas pétalas já mortas espalhadas pelo tabuado. Encostado à parede da casa estava um banco de madeira também feito à mão, mas para surpresa do loiro, ao fechar a porta de madeira do alpendre, a sua surpresa foi ver Helena sentada no banco a fumar um cigarro que segurava entre dois dedos, enquanto que com a outra mão brincava com um isqueiro. Levou o cigarro até à boca, deu uma tragada e depois soltou o fumo, sempre a olhar diretamente para o loiro.
- Gostava de saber o quanto me achas tola? — Sorriu. - Mais, como tens a ousadia de me tomar por tal ... — Deu mais uma tragada. - Fugir à uma da manhã, pelas traseiras... — Suspirou como se estivesse dececionada. - Julgava-te mais inteligente.

Se estava pálido ao vê-la, agora estava vermelho de raiva.
- Agora fiquei curiosa, qual seria o teu próximo passo? - Houve um breve momento de silêncio. - A sério, adorava saber qual era o teu plano? Depois de saíres daqui, ias fazer o quê?
- Como é que soube? - perguntou a olhar para os seus sapatos. Helena deu mais uma tragada no cigarro, jogando uma baforada de fumo no rosto do garoto, fazendo-o tossir.
- Eu sei tudo... — Sorriu. - Não vale a pena tentares enganar-me. — Levantou uma das sobrancelhas. - Aliás, qualquer lugar da Itália onde te esconderes, eu vou-te encontrar, se passares as fronteiras tanto marítimasquanto terrestres ou aaérea, eu vou saber, e mesmo se conseguires sair do país, eu vou-te descobrir em qualquer parte do mundo. O loiro engoliu em seco.
- Devias de me agradecer! - O rapazito enrugou a testa, deu uma risada irônica e respondeu frustrado:
- Devia de lhe agradecer por quê? Por me humilhar? Por me ameaçar? Ou por tirar-me a liberdade?! — começou a subir o tom de voz. - Se for por isso, obrigado, muito obrigado! - Helena abriu um sorriso ainda maior.
- Então, o que eu te dou não é suficiente, achas que tens pouca liberdade? Portanto esta tua tentativa patética de fuga é porque tens pouca liberdade? Porque não é isso que eu julgo, na minha perspetiva, isso é um pretexto de um garotinho que quer chamar a atenção, e olha, se querias a minha atenção, agora tens a toda ...
- EU NÃO QUERO PORRA DE ATENÇÃO NENHUMA, EU SÓ QUERO A MINHA LIBERDADE! - gritou enfurecido.
Helena passou a língua pelos seus lábios, mordendo o inferior logo de seguida.
- Até alguns minutos atrás, eu estava achar tua tentativa de fuga engraçada, estupida, mas engraçada. Mas não vou admitir faltas de respeito . Tira a roupa - ordenou.
- Como?! - perguntou desnorteado.
- EU MANDEI TIRAR O CARALHO DA ROUPA! - Helena rugiu.
- Estamos no quintal, eu não vou...
Mesmo antes de acabar a frase, Helena puxou uma vara debaixo do banco, dando mais uma tragada no seu cigarro antes de deitar fora, desferindo uma varada na perna esquerda do loiro, mesmo sentada, teve uma rapidez incrível. A dor do impacto fez o garoto agarrar a perna e morder o lábio para não gritar, duas lágrimas brotaram nos cantos dos seus olhos azuis oceano.
- Isso dói! - resmungou.
- A sério? — disse irónica. - Vai doer mais se não fizeres o que ordenei. - Ao contrário do que Helena pensou, o loiro não moveu um único músculo. - Garanto que a minha paciência tem limites, e tu estás quase a ultrapassá-los. -Ele olhou para o quintal calculando uma hipótese de escape.
- Eu juro que se fizeres o que estás a pensar, és um garotinho morto. - Ele engoliu em seco.
Helena deu-lhe outra vergastada, mas agora na coxa direita. Quando se preparava para a terceira, o loiro jogou as mãos à camisa, demonstrando que iria ceder. A morena parou antes da vara acertar na parte lateral do corpo do rapazito de cabelos dourados. Já estava completamente nu, perguntou:
- Satisfeita agora?
- Muito, não olhe com essa cara de quem comeu e não gostou porque não tenho medo, se tivesses obedecido, não teríamos apanhado tanto. Quase me esquecia... — Deu mais duas varadas nas pernas do garoto, que gritou de dor. - Gritar comigo é uma coisa que não vou tolerar . Mas voltando ao assunto que nos trouxe aqui... Como era? Ah, sim, liberdade...
- Se a tivesse, pode ter a certeza de que não estaria num alpendre semiaberto a meio da noite completamente nu, com quatro varões vermelhos a marcar a minha pele... - resmungou.
- Diz-me uma coisa, gostas de me ver irritada?
- Eu? Não, acha que sou louco para a irritar? Primeiro porque quem tem a vara na mão é você e depois acho que já tenho marcas o suficiente por esta noite. - Helena não conseguiu segurar o sorriso, mesmo na situação em que estava ainda tinha humor, olhou o corpo do garoto, não lhe queria ter batido nem lhe queria bater mais, mas parecia que fazia de propósito para a enfurecer. Ela entendia, o que se passava na cabeça dele, não tinha noção do que se passava à sua volta, mas ela tinha pavio curto.
- Pede-me perdão, eu serei piedosa com o teu castigo, última chance de não sentires mais dor, hoje! - O loiro foi até Helena, que ainda estava sentada no banco de madeira e ajoelhou-se à frente dela.
- Eu não lhe peço, eu imploro pelo seu perdão em relação a tudo o que se passou hoje, sei que estou à sua mercê, então por favor perdoe-me. - O rosto do garoto virou-se com brutalidade, o ardor que sentiu na bochecha não chegou nem perto da dor das varadas, mas mesmo assim o seu lábio estava a sangrar e o seu rosto estava vermelho pela bofetada que tinha levado.
- Você disse que...
- Preferias a vara?- Helena segurou o pelos cabelos.
Como o garoto não disse nada, ela prosseguiu:
- Bem me parecia. Se achas que tens pouca liberdade, vamos resolver isso... Para te provar que te dou muita liberdade a partir de agora, estás proibido de sair do teu quarto, seja para comer, beber água, andar pela casa, qualquer coisa. Só sais dele para ir para a escola, só vais comer o que quiser, só vais vestir o que eu mandar, só vais fazer o que eu mandar. — Agarrou nas bochechas do loiro e fez ele olhar nos olhos dela. - Estamos entendidos?
- Sim, Helena - disse com dificuldade por ela estar a apertar as bochechas dele.
- Vai para o teu quarto e não quero nenhum tipo de roupa no teu corpo. AGORA! - Soltou as bochechas dele, empurrando-o, fazendo com que caísse no chão. Ele simplesmente levantou-se e fez o que ela mandou.
Quando chegou ao quarto, decidiu tomar banho para relaxar, foi até à casa de banho e começou a encher a banheira com água quente. Bem, ela não falou nada de não poder tomar banho, então ele ia aproveitar a hidromassagem enquanto podia.
Uma hora depois do ocorrido no jardim, Helena foi até o quarto ver o que ele estava a aprontar porque de certeza de que não tinha ido dormir. Quando entrou no quarto e não o viu, ficou escaldada, mas, ao ouvir uma música que vinha da casa de banho do quarto, foi até lá e viu o garoto dentro da banheira, relaxou. Ele estava de olhos fechados, a sua bochecha ainda estava um pouco vermelha e o seu lábio um pouco inchado com um pequeno corte. Nunca se tinha sentido culpada ou arrependida por nada que já tivesse feito, como ela dizia, não valia a pena chorar sobre o leite derramado, mas ao ver o rosto do loirinho magoado, sentiu a culpa e o arrependimento cair sobre ela, chegou-se até à beira da banheira...

O perigo do teu toqueOnde histórias criam vida. Descubra agora